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quinta-feira, setembro 01, 2022

O que é ser evangélico?




Considerado o primeiro deputado evangélico do Brasil, o pastor da Igreja Metodista Guaracy Silveira chegou à Assembleia Constituinte nos anos 1930 para defender os interesses dos protestantes e a participação deles na política numa época em que eram uma pequena minoria.

Por Matheus Magenta, em Londres

Mas as bandeiras que ele defendia podem causar estranheza para quem acompanha atualmente a bancada evangélica no Congresso Nacional.

Silveira era a favor do divórcio (para proteger as mulheres), tentou impedir que as escolas públicas tivessem aula de religião (por temer serem só de catolicismo) e foi contra inserir o nome de Deus na Constituição (por considerar desnecessário).

Mais de 90 anos depois, os evangélicos se tornaram centrais nas eleições brasileiras, somando 30% dos eleitores e 20% da Câmara dos Deputados.

Um exemplo representativo desse avanço no campo político é que o governo Bolsonaro chegou a ter seis ministros protestantes ao mesmo tempo: Onyx Lorenzoni (luterano), André Mendonça (presbiteriano), Milton Ribeiro (presbiteriano), Damares Alves (do Evangelho Quadrangular), Luiz Eduardo Ramos (batista) e Marcelo Antonio (da igreja Cristã Maranata).

Só que esse avanço da população evangélica (que deve superar numericamente a de católicos na década de 2030) vem sendo acompanhado de desconhecimento, preconceito e desinformação sobre quem são, o que pensam e por que votam em determinados candidatos.

Para entender melhor sobre essa população cada vez mais importante na política e na sociedade brasileiras, a BBC News Brasil vai responder a algumas perguntas fundamentais sobre os evangélicos.

Primeiramente, é importante entender as diferenças e as semelhanças entre evangélicos, protestantes e outras vertentes do cristianismo.

Em seguida, vamos explorar as origens do protestantismo no século 16 e a inserção dos evangélicos no Brasil até se tornarem uma força política que teve um enorme impacto na eleição de Bolsonaro, em 2018.

Evangélicos, protestantes, crentes…

Para começar, qual é a diferença entre evangélicos, protestantes, pentecostais e neopentecostais?

Em geral, o termo protestante é usado para descrever pessoas que seguem todas as denominações derivadas da Reforma Protestante, movimento ocorrido há mais de 500 anos que deu origem ao principal desdobramento da Igreja Católica desde o cisma entre as igrejas do Ocidente e do Oriente em 1054.

Isso incluiria então todas as igrejas cristãs criadas a partir das ideias de Martinho Lutero, dos luteranos à Igreja Universal do Reino de Deus.

O antropólogo Juliano Spyer resume o protestantismo no livro Povo de Deus da seguinte forma: "O foco da experiência religiosa deve ser o próprio cristão, seu contato particular com Deus mediado pela leitura e interpretação da Bíblia, e pelo trabalho de cumprir a vontade de Deus sendo parte das ações evangelizadoras".

Teoricamente, não há diferenças entre protestantes e evangélicos, mas segundo Spyer, muitas vezes "evangélico" é usado para se referir ao protestante pobre, enquanto "protestante" é geralmente adotado para se referir a pessoas das camadas médias e alta — alguns deles rejeitam a classificação de "crente" ou mesmo de "evangélico", preferindo se identificar como cristãos.

Além disso, os protestantes costumam ser divididos em três grupos: os protestantes históricos, os pentecostais e os neopentecostais.

O primeiro trata das principais correntes protestantes que surgiram na Europa no século 16, como os calvinistas, os luteranos e os anglicanos. O segundo e o terceiro são ligados a desdobramentos protestantes no século 20 que defendem uma experiência mais pura e simples do cristianismo, num contato com Deus menos formal e mais emocional.

As origens dos protestantes

A corrente religiosa conhecida no Brasil como evangélica deriva de um movimento que começou oficialmente em 1517.

Naquele ano do século 16, o monge católico e teólogo alemão Martinho Lutero pregou na porta de uma igreja em Wittenberg (Alemanha) suas "95 Teses".

Seus escritos atacavam, entre outros pontos, abusos e fraudes de lideranças católicas e a venda de "indulgências" (uma espécie de "lugar no paraíso" ou "perdão" dos pecados de quem estava vivo, morto ou na fase intermediária na crença católica, o purgatório).

Para Lutero, as pessoas deveriam ser salvas por meio de sua fé em um contato direto e individual com Deus. E não por meio de perdões concedidos por líderes católicos, de indulgências vendidas ou de intermediários para entender a mensagem de Deus (como a tradição escolástica elaborada pelos teólogos católicos).

Uma das principais medidas práticas de Lutero foi a tradução da Bíblia do latim para o alemão. Isso não apenas permitiu que as pessoas tivessem acesso direto ao texto bíblico em sua própria língua como também quebrou o monopólio das lideranças católicas sobre a interpretação desses escritos sagrados.

'Protestantismo levou pessoas comuns a se aproximarem da Bíblia sem intermediários'

As ideias e ações de Lutero se espalharam como pólvora pela Europa. De um lado, ele acabou condenado por heresia e excomungado pela Igreja Católica. De outro, começou a ganhar seguidores que viriam a ser conhecidos como luteranos ou protestantes (nome dado por causa do protesto que fizeram contra a política religiosa do catolicismo).

"Ele [Lutero] não foi a primeira pessoa que se levantou contra o poder papal e contra os poderes imperiais [do Sacro Império Romano Germânico]. Mas, sem dúvida nenhuma, as consequências [de seu movimento] ocorreram de forma nunca antes vistas para a cristandade ocidental, porque daí de fato começa um desenrolar político, econômico e religioso", explica a historiadora Jaquelini de Souza, professora na Universidade Regional do Cariri e pesquisadora nas Faculdades EST (antiga Escola Superior de Teologia), instituição da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil.

"Nasceu uma nova divisão para a cristandade ocidental, com a necessidade de se trabalharem questões sobre liberdade religiosa, já que Lutero defendia que não era bom — nem são — ir contra a consciência. Questões sobre a ideia de liberdade de expressão, de resistência ao Estado, tudo isso será desdobramento daquilo", diz Souza.

Esse movimento de separação da Igreja Católica (que começou com o objetivo de questionamento e não de cisão) ficaria conhecido como Reforma Protestante, com três grandes vertentes: luteranismo, anglicanismo e calvinismo.

Esse protestantismo histórico, de forma geral, é centrado numa volta à Bíblia como elemento essencial da fé e da prática religiosa.

O calvinismo tem esse nome por causa do teólogo francês João Calvino, que tinha um foco especial no trabalho.

"Calvino e também o calvinismo [ou seja, as interpretações posteriores da teologia dele] entendem que o trabalho deve ser visto como uma bênção, pois deve ser realizado para glorificar a Deus", explicou à BBC News Brasil o historiador, filósofo e teólogo Gerson Leite de Moraes, professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Outro ponto que se destaca no calvinismo é a ideia da escolha, da predestinação. "A partir do século 17, o calvinismo passa a ser visto como uma religiosidade que enaltece a predestinação: só os eleitos são salvos. Mas essa é uma marca do calvinismo [ou seja, dos seguidores] e não do próprio Calvino", explica Moraes.

E isso acabou se tornando muito forte em países como a Inglaterra — com os chamados puritanos — e, em seguida, com os colonos que chegaram aos Estados Unidos imbuídos da ideia de que eram os predestinados ao Novo Mundo. No Brasil, a principal denominação ligada ao calvinismo é a Igreja Presbiteriana do Brasil.

"No meio protestante, os calvinistas são reconhecidos como um grupo religioso muito apegado à Bíblia, à tentativa de fidelidade, ao viver segundo a tradição", explica Sonia Mota, pastora da Igreja Presbiteriana Unida do Brasil e diretora executiva da Coordenadoria Ecumênica de Serviço

Mas Mota ressalta que há diferenças ainda mais profundas dentro dessas próprias correntes. "A distância que separa os calvinistas liberais, fundamentalistas e carismáticos é maior do que a distância entre os tradicionais princípios teológicos calvinistas e os de outras denominações protestantes históricas".

Chegada e expansão do protestantismo no Brasil

Essas e outras correntes protestantes começariam a chegar ao Brasil ainda no século 16, mas só se consolidariam mesmo no século 19.

Muitos fatores favoreceram a chegada delas, como a abertura dos portos brasileiros às nações amigas, em 1808, e a crescente liberdade religiosa para além da Igreja Católica.

O luteranismo e o anglicanismo foram trazidos principalmente por imigrantes alemães e ingleses, respectivamente. O calvinismo, em seguida, se espalhou graças ao trabalho de missionários de correntes como a presbiteriana e a metodista.

O marco fundador do calvinismo no país, por exemplo, é considerado a chegada do pastor americano Ashbel Green Simonton, em 12 de agosto de 1859. Três anos depois, ele fundaria a Igreja Presbiteriana do Brasil, hoje com cerca de 650 mil adeptos. Estima-se que, no total, sejam 1,2 milhão os praticantes do calvinismo no Brasil.

Como dito acima, o protestantismo é dividido em três vertentes: os protestantes históricos (calvinistas, luteranos, anglicanos etc.), os pentecostais e os neopentecostais.

'Assembleia de Deus é a instituição pentecostal mais popular do país'

No Brasil, os protestantes históricos incluem as igrejas Luterana, Batista, Presbiteriana, Metodista, Episcopal, entre outras.

O segundo grupo (pentecostal) tem entre seus integrantes Assembleia de Deus, Deus é Amor, Evangelho Quadrangular e Congregação Cristã do Brasil.

O terceiro grupo (neopentecostal), uma subdivisão dos pentecostais, inclui denominações como Renascer em Cristo, Igreja Universal do Reino de Deus, Sara Nossa Terra, Igreja Internacional da Graça de Deus e Igreja Mundial do Poder de Deus.

Segundo estimativa do Datafolha em 2016, a cada 100 evangélicos no Brasil, 34 são da Assembleia de Deus, 17 são de igrejas que não pertencem a nenhuma grande denominação, 11 da Igreja Batista, oito da Universal, seis da Congregação Cristã do Brasil, cinco da Quadrangular, três da Deus é Amor, dois da Adventista e dois da Presbiteriana, entre outros. E a cada 100 evangélicos, 44 são ex-católicos.

Vale lembrar que, no Brasil, a face típica do evangélico é feminina, negra e jovem: 58% são mulheres, 59% são pretos ou pardos e mais de 60% têm entre 14 e 44 anos. Os dados são de uma pesquisa Datafolha de 2020, a mais ampla feita até agora sobre o perfil dos evangélicos brasileiros.

Surgido entre pessoas mais pobres e menos favorecidas no início do século 20 nos EUA, o pentecostalismo é uma forma de cristianismo que também enfatiza a experiência direta da presença de Deus por aquele que crê.

Em linhas gerais, os pentecostais acreditam que a fé precisa ser uma experiência poderosa, e não apenas algo ligado a rituais ou reflexões, e que os crentes são movidos pelo poder de Deus.

Um aspecto pentecostal importante na conversão é o batismo no Espírito Santo, que acredita-se preencher a vida do crente com o Espírito Santo e conceder a ele a força para viver uma vida verdadeiramente cristã.

A maioria dos pentecostais acredita que esse movimento representa um retorno do cristianismo à forma pura e simplificada, como o que era praticado nos primeiros anos da própria Igreja Católica. A forma de orar pentecostal, por exemplo, é menos formal e mais emocional do que a tradição católica.

Esse movimento pentecostal (que não é uma igreja em si, mas várias denominações que discordam em diversos aspectos) chega ao Brasil ainda no início do século 20. Especialistas falam em três ondas de expansão no país.

A primeira onda tem um de seus marcos em 1911, ano em que missionários suecos fundam a Assembleia de Deus no país.

O trabalho deles começa em Belém direcionado aos indígenas, mas décadas depois se volta para o restante da população. Hoje, a Assembleia de Deus é a mais popular denominação pentecostal, reunindo cerca de um terço dos evangélicos.

A segunda onda pentecostal ganha força nos anos 1950 e 1960 por meio de denominações como Brasil para Cristo e Deus é Amor.

A terceira onda, a partir dos anos 1970 estaria mais ligada a um desdobramento do pentecostalismo chamada de neopentecostalismo. Um dos marcos é a fundação da Igreja Universal do Reino de Deus, em 1977.

'Mulheres negras são a maior parcela entre os evangélicos brasileiros'

Não há consenso sobre o que diferencia o neopentecostalismo em relação ao pentecostalismo e nem se de fato há uma unidade entre essas denominações que não seja apenas temporal (ou seja, neopentescostais, por essa classificação, seriam todas as que tenham surgido a partir dos anos 1970).

"O neopentecostalismo transformou as tradicionais concepções pentecostais acerca da conduta e do modo de ser do cristão no mundo. Propagou a ideia de que ser cristão constitui o meio primordial para permanecer liberto do Diabo e obter prosperidade financeira, saúde e triunfo nos empreendimentos terrenos. 'Ter um encontro com Cristo' passou a significar gozar de uma vida próspera e feliz, ou a certeza de poder contar com a efetiva intervenção divina em toda circunstância, até para satisfazer ambições materiais", escreve o sociólogo e professor Ricardo Mariano (USP) em artigo sobre o tema.

Potência política e social

Mas, se a história dos protestantes no Brasil começa em meados do século 19 e avança no século 20, por que só no século 21 os evangélicos se tornaram uma potência política e social?

O sociólogo peruano José Luis Pérez Guadalupe aponta no livro Novo ativismo político no Brasil: os evangélicos do século 21 alguns fatores importantes para essa transformação evangélica:

O primeiro foi a percepção, com o amadurecimento das igrejas evangélicas, de que era válido reivindicar um lugar legítimo na sociedade, defender a liberdade religiosa e atuar como cidadãos imbuídos da mensagem cristã.

O segundo foi uma mudança teológica significativa, segundo Guadalupe. Antes, a mentalidade dominante (pré-milenarismo) rejeitava participar de coisas "mundanas", como a política, porque a vida era vista como uma "sala de espera" da segunda vinda de Jesus Cristo.

"Houve (na época) grande pressão nas comunidades evangélicas para abandonar as coisas mundanas e se dedicar inteiramente à evangelização, uma vez que a segunda vinda do Salvador poderia ocorrer a qualquer momento", escreve. Era quase como uma "greve social" contra o que chamavam de "mundo".

Mas, a partir dos anos 1990, o pós-milenarismo começa a ganhar força na América Latina. Essa doutrina afirma que o milênio atual é "tempo de colheita", ou seja, que os cristãos protestantes deveriam não apenas esperar a segunda vinda de Cristo, mas trabalhar ativamente pelo usufruto da vida e pela restauração do Reino de Deus na Terra.

Um exemplo dessa mudança de uma fuga do mundo para uma conquista do mundo é a Teologia do Reino Presente, pregada por algumas denominações neopentecostais.

"É uma escatologia (doutrina que trata do destino final do homem e do mundo) da vitória, que torna os devotos verdadeiros herdeiros do poder, da autoridade e do direito divino de conquistar as nações em nome de Deus. O Reino de Jesus Cristo não se refere mais a uma promessa de bênçãos futuras, mas ao tempo presente do fiel e de sua igreja", explica o sociólogo argentino Joaquín Algranti na obra Política e Religião nas Margens: Novas formas de participação social das megaigrejas evangélicas na Argentina.

Especialistas apontam outros três teologias influentes na transformação da atuação política de evangélicos no Brasil: a Teologia da Prosperidade (desfrutar o mundo criado por Deus), a Teologia da Guerra Espiritual (purificar o mundo dos demônios do mal) e a Teologia do Domínio (conquistar o poder e comandar o mundo segundo a palavra de Deus).

'Mudanças sociais, teológicas e políticas impulsionaram participação de evangélicos na política e na vida pública do Brasil'

Segundo Juliano Spyer, na teologia da prosperidade pregada no neopentecostalismo, por exemplo, "a conversão e adoção da prática religiosa são recompensadas por Deus via ascensão financeira".

Nessa vertente, o fiel é "estimulado a atuar de maneira empreendedora para enfrentar as adversidades da vida", e prosperidade não se trata apenas de uma questão financeira, mas de viver melhor.

"A disciplina e o esforço para abraçar valores e ideais cristãos se fortalecem quando a pessoa está menos vulnerável socialmente, tem casa, está empregada, pode estar e tem comida em casa."

Spyer ressalta que parte do crescimento das igrejas evangélicas se dá justamente porque entrar para uma dessas denominações geralmente melhora as condições de vida dos brasileiros mais pobres e conduz à ascensão socioeconômica. Por quê?

Segundo ele, o conjunto de causas inclui tanto questões religiosas quanto práticas, como o "fim do alcoolismo e consequentemente da violência doméstica (associada ao vício), fortalecimento da autoestima, da disciplina para o trabalho e aumento do investimento familiar em educação e nos cuidados com a saúde", além de "conforto emocional, dinheiro em momentos de dificuldade, acesso a empregos, consultas com profissionais da saúde, encontros com advogados ou com representantes do poder público e até vagas em clínicas de desintoxicação".

Spyer menciona também o papel como nova rede de relacionamentos que igrejas pentecostais tiveram para milhares de trabalhadores rurais que migraram do interior do Nordeste para a periferia de grandes centros urbanos e se afastaram de "redes de ajuda mútua dentro dos espaços familiares" em suas terras natais.

Já no caso do protestantismo histórico, o progresso econômico "resulta de um estilo de vida austero" que se relaciona com o mundo por meio do trabalho e da produção de riqueza.

Segundo Spyer, "pentecostais e especialmente protestantes históricos frequentemente rejeitam a ideia de que a conversão possa ser justificada por uma ambição de prosperidade material. Muitos entendem que a melhora de condições pode acontecer como consequência de uma vida mais regrada e pela influência da igreja, por exemplo, na promoção da educação formal".

Segundo Spyer, o incômodo em relação à teologia da prosperidade, mais ligado a setores médios e altos da sociedade (incluindo os protestantes históricos), "seria uma desaprovação a que o pobre ambicione para si aquilo que faz parte da vida dos brasileiros mais ricos, como viajar de avião, fazer turismo para o exterior e consumir produtos caros".

O terceiro fator apontado por Guadalupe para a transformação evangélica no Brasil seria ligado à política.

O pano de fundo era uma crise de ideologias e dos partidos políticos tradicionais, cujo auge foi o declínio do comunismo, gerando "vácuos e bolsões de poder que foram deixados sem uma representação política viável na região".

Assim, a política se mostraria um meio de evangelização das massas e de grupos de influência na sociedade, como políticos, empresários e comunicadores.

Um dos marcos na participação política de evangélicos no Brasil se deu nos anos 1980, simbolizada na mudança do lema dominante "crente não mexe com política" pelo avanço do slogan "irmão vota em irmão".

Preconceito e atuação no debate público

Por causa desse conjunto de características, o evangélicos costumam ser alvo de preconceito de diversos lados. Em algumas situações, são pejorativamente chamados de fanáticos, hipócritas (por supostamente praticarem o oposto do que pregam), alienados e preconceituosos.

Parte disso acontece porque evangélicos não aceitam a posição passiva de vulneráveis, submissos ou humildes, na visão do antropólogo Juliano Spyer, em seu livro Povo de Deus. "(O evangélico) é acusado de ser manipulado ou de ser avarento por querer ter as mesmas coisas que seus críticos desfrutam: viajar, se vestir bem e ir a restaurante."

Para além de ataques com ou sem fundamento, o antropólogo e professor Ronaldo Almeida, da Unicamp, identifica quatro eixos na atuação da camada evangélica mais conservadora no debate público.

São eles: a defesa da moral (antiaborto, antieducação sexual em escolas, etc.), o discurso da ordem (redução da maioridade penal, endurecimento das lei penais etc.), a defesa de um Estado menos intervencionista nas relações sociais e econômicas e a demonização de adversários políticos e religiosos (esquerda e religiões fora da tradição judaico-cristã).

Mas a brasilianista e cientista política americana Amy Erica Smith (Iowa State University) lembra, em artigo sobre o tema, que a atuação política de religiosos em direção aos eleitores mais conservadores nos últimos anos não se resumiu aos evangélicos.

'Antropólogo Juliano Spyer afirma que evangélicos são alvos de preconceito por questões religiosas, sociais e econômicas'

Em 2010, por exemplo, o papa Bento 16 instruiu bispos a orientarem os brasileiros católicos que não votassem em candidatos pró-legalização do aborto.

"Católicos e evangélicos se encontram com frequência no mesmo lado de debates ideológicos sobre questões ligadas à sexualidade, ao aborto e aos direitos das mulheres."

Mas ao longo dos anos, conta Smith, lideranças católicas se tornaram mais cautelosas em se posicionar politicamente, enquanto as evangélicas seguem caminho inverso.

Segundo Smith, em 2014 quase metade dos evangélicos brasileiros ouviram seus pastores falarem sobre campanha eleitoral nas semanas que antecederam o pleito.

Isso não significa, ressalta a pesquisadora, que seja direta e automática a influência de bispos e pastores nos votos dos fiéis. Em geral, o principal efeito é a maior participação política dos eleitores evangélicos, e não o direcionamento deles para votos em rebanho no candidato A ou B.

Há, no entanto, grande influência na pauta legislativa.

"A presença evangélica na crescente direita ideológica só tende a crescer nos próximos anos. Entre os evangélicos brasileiros, a defesa de políticas que promovem posições conservadoras em questões de sexualidade e família parece estar crescendo com fortes ligações à missão teológica", afirma Smith.

Em quem os evangélicos votam e por quê?

No segundo turno da eleição presidencial de 2018, por exemplo, quase 105 milhões de pessoas foram às urnas.

Dentre eles, estima-se que 31,4 milhões eram evangélicos — 21,7 milhões votaram em Jair Bolsonaro (então PSL) e 9,7 milhões, em Fernando Haddad (PT). Ou seja, quase 70% dos evangélicos votaram em Bolsonaro. Em comparação, entre os católicos Bolsonaro obteve 51% dos votos válidos.

Grande parte das lideranças evangélicas aderiram à campanha de Bolsonaro em 2018, como Edir Macedo, Silas Malafaia (Assembleia de Deus Vitória em Cristo), Valdemiro Santiago e R.R. Soares (Igreja Internacional da Graça de Deus).

"Eu vou votar no Bolsonaro, analisei todos os projetos e o dele é o melhor, principalmente em relação à ideologia de gênero. Estão convencendo que meninos podem ser meninas, e meninas podem ser meninos", disse à época o missionário R.R. Soares, líder da Igreja Internacional da Graça de Deus.

Mas qual é o peso dos pastores nas escolhas dos fiéis nas urnas? Pesquisas com eleitores apontam que esses líderes influenciam o voto de somente três em cada 10 fiéis evangélicos — a taxa é um pouco maior entre neopentecostais (como as denominações Universal e Renascer), de 31%, do que entre os evangélicos como um todo, de 26%.

"Não é um voto de cabresto. Mesmo quando o pastor é candidato e toda a igreja é mobilizada para votar nele, há casos de derrota fragorosa. Os membros parecem estar obedientes, mas não estão", disse o sociólogo Paul Freston, que estuda o papel dos evangélicos na política desde os anos 1980, em entrevista à BBC News Brasil sobre o tema.

'Bolsonaro somou quase 70% do voto evangélico no segundo turno de 2018'

"Estamos falando de pessoas que são cidadãos comuns, têm sua inserção na sociedade. Elas levam em consideração fatores pessoais, profissionais, de família, de classe."

Muitos pesquisadores brasileiros investigam o que motiva os votos dos evangélicos, e quão diferentes são esses motivos do restante da população. Como dito antes, é importante ressaltar que os evangélicos não são um grupo uniforme, formado apenas por pessoas com as mesmas posições políticas.

Um exemplo disso é o fato de que o apoio de lideranças neopentecostais populares a Bolsonaro continua forte, mas, segundo pesquisas de intenção de voto, o apoio e a vantagem eleitoral dele entre eleitores deste segmento têm caído em relação a 2018.

O que, então, está por trás do comportamento eleitoral dos eleitores evangélicos? Eles são mais conservadores em média do que outros grupos da sociedade brasileira?

Especialistas apontam que pautas conservadoras têm atraído tanto católicos quanto evangélicos há décadas no país.

Mas, para os pesquisadores Paulo Gracino Junior e Carlos Henrique Souza, parte dos evangélicos brasileiros aproveita esse novo espaço no debate público para expor suas posições, o que fez com que o grupo se tornasse central na onda conservadora recente no país — que culminou na eleição de Jair Bolsonaro,

Segundo Gracino Junior e Souza, a candidatura de Bolsonaro impulsionou e sintetizou discursivamente o conservadorismo a partir de uma articulação em torno da família, educação, moralidade e segurança.

Os pesquisadores lembram que algo equivalente ocorreu durante a ditadura militar (1964-85) com o catolicismo conservador.

O elo e o combustível da nova onda conservadora, segundo os pesquisadores, foi o antipetismo, que conseguiu sintetizar todos esses diversos afetos difusos na sociedade, como a fobia ante as novas identidades de gênero e outras pautas minoritárias, a nostalgia da ordem militar e o ódio contra a corrupção na política.

'Martinho Lutero deu início à Reforma Protestante há mais de 500 anos'

Em outro trabalho sobre o tema, Gracino Junior (Iuperj), desta vez em conjunto com as cientistas políticas Mayra Goulart (UFRJ) e Paula Frias (Uerj), afirma que o "ressentimento é o afeto que catalisa os vínculos de identificação entre a candidatura de Bolsonaro e seu eleitorado, sobremaneira, o evangélico".

Há uma perspectiva de abandono por trás desse ressentimento, explicam os pesquisadores, ligada a uma demanda de eleitores órfãos que acabaria casando com a oferta do populismo de direita de Bolsonaro.

Segundo o trio de estudiosos, isso ocorre principalmente com os evangélicos porque nas últimas três décadas eles passaram de grupo ressentido, que se sentia humilhado cultural e socialmente, para uma camada social organizada, heterogênea, mas com forte representação cultural e política.

E agora esse grupo se vê quase que profeticamente uma variação de um dos versículos bíblicos mais populares no meio evangélico pentecostal: "os humilhados serão exaltados".

Segundo os pesquisadores Ricardo Mariano e Dirceu André Gerardi, em estudo sobre o tema, o antipetismo evangélico começou em 1989 na política brasileira, perdeu força nos governos Lula e Dilma, mas ganhou novo impulso a partir de 2006, a partir das propostas de combate à homofobia e de descriminalização do aborto.

Em 2015, o afastamento desse grupo político chegou ao auge, com 89% da bancada evangélica votando a favor do impeachment de Dilma.

Por outro lado, a cientista política Ana Carolina Evangelista, diretora-executiva do Iser (Instituto de Estudos da Religião), ressalta que a identidade religiosa pesa menos na escolha eleitoral dos evangélicos do que diversas demandas sociais, políticas, econômicas e também religiosas.

Para Evangelista, a chamada "agenda moral" tem servido menos a demandas e propostas de mudanças e mais ao papel antiesquerda de acionar medos e pânicos no eleitorado em eixos como defesa da moral e da família e força e ordem na segurança pública.

José Luis Pérez Guadalupe, por outro lado, afirma que não há um "voto evangélico" único, mas sim "o voto dos evangélicos" plural e pulverizado.

Em 2018, segundo ele, houve uma maior união (e não unanimidade) desses votos por causa da agenda moral (contra o direito ao aborto e pró-família), que se tornou central na atuação político-eleitoral de lideranças e denominações evangélicas.

Uma das evidências de que o voto dos eleitores evangélicos não é baseado apenas em fatores religiosos, segundo Guadalupe, é a sub-representação eleitoral desse segmento religioso na Câmara dos Deputados.

Em 2019, havia 82 representantes evangélicos na Casa, equivalente a 16% dos 513 deputados — aquém da proporção de evangélicos na população brasileira (cerca de 30%).

Mesmo assim, isso não significa que a Frente Parlamentar Evangélica, conhecida como "bancada evangélica", tenha pouca influência no Congresso. Pelo contrário. Ao se associar a outros grupos de interesse, como a bancada ruralista, por exemplo, ela consegue avançar ou barrar projetos sem precisar ser majoritária na Câmara.

BBC Brasil

Trinta minutos de jogo para a terceira via



Soraya representa os bolsonaristas arrependidos

Por Fernando Exman 

Foi na quinta-feira de manhã, durante sabatina realizada por Valor, “O Globo” e CBN, quando talvez a senadora Simone Tebet (MDB) tenha verbalizado em público pela primeira vez o seu desapontamento com a demora dos partidos que um dia sonharam em construir uma única candidatura de terceira via à Presidência da República. Fez um desabafo importante, mas, muito provavelmente, tarde demais.

“Não tenho meias palavras. Então, vou ser bem direta”, afirmou ela ao introduzir o assunto. E logo prosseguiu: “Acho que as pessoas jogaram a toalha muito cedo em torno desse nome ‘terceira via’. O desespero de achar o menos pior... No desespero de achar que vai dar no primeiro turno, e eu nunca achei que a eleição daria no primeiro turno e havia essa possibilidade, no final do ano passado já desacreditaram a terceira via. Esse é um ponto pacífico que precisa ser colocado”.

Com razão, a candidata ponderou que não se pode menosprezar a batalha que resultou na escolha de seu nome para encabeçar a coligação formada por MDB, PSDB, Cidadania e Podemos. Ela lembrou que o posto foi disputado por dois ex-ministros, um da Justiça e outro da Saúde, além do presidente do Congresso Nacional. Não citou o ex-governador de São Paulo, João Doria (PSDB), com quem por tempo demasiado rivalizou pela indicação do que hoje é chamado de centro democrático. “Eu era a café com leite”, completou.

Sua candidatura, agora, está servida. Mas o problema de Simone é que tanto ela quanto Ciro Gomes (PDT) têm pouquíssimo tempo para reverter a atual tendência de a eleição desembocar num segundo turno entre o presidente Jair Bolsonaro (PL) e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Além disso, os dois dispõem de estruturas modestas em Estados estratégicos. Possivelmente teriam destino mais alvissareiro, se tivessem conseguido mobilizar amplas bases em todas as unidades da federação.

Ainda assim, ambos receberam uma notícia positiva com a divulgação da mais recente pesquisa Ipec: oscilaram positivamente na sondagem, para respectivamente 7% e 3%, contra poderosos 44% de Lula e 32% de Bolsonaro. Mas podem avançar mais nas próximas sondagens, as quais já captarão as reações do eleitorado ao debate promovido pelas TVs Bandeirantes e Cultura, pelo jornal “Folha de S. Paulo” e o portal UOL.

O debate, aliás, é considerado um ponto de inflexão na campanha de Simone. A emedebista jogou mais solta do que as peças de propaganda a apresentavam, e evitou ser usada como escada por Lula. Quando o ex-presidente a chamou para dialogar sobre corrupção para atacar Bolsonaro, a senadora aproveitou a oportunidade, mas também lembrou que ocorreram malfeitos nas gestões petistas.

Por outro lado, não conseguiu dominar a bandeira contra o chamado Orçamento secreto. Na visão de um aliado dela, a partida marca 30 minutos do primeiro tempo e o jogo só vai começar a esquentar para valer agora, depois da exposição proporcionada por seguidas entrevistas, a realização do primeiro debate e o início da propaganda em rádio e televisão.

O segundo tempo começa depois do dia 7 de setembro, quando se medirá o apoio de Bolsonaro nas ruas. “As pessoas vão agora pensar nas eleições para valer”, diz. “O que demorou quatro ou cinco meses para oscilar até agora vai, na reta final da campanha, oscilar em dias.”

Simone vive uma fase de crescimento entre formadores de opinião e agentes econômicos. Precisa, contudo, reverter esse “momentum” em votos. Só assim manterá a esperança de estar bem posicionada para fazer uma ultrapassagem, no caso de o imponderável também marcar esta campanha presidencial, ou poder se apresentar como a interlocutora que reunirá o MDB em torno de Lula - inclusive cacifando-se para algum cargo no primeiro escalão.

Em comparação a Ciro Gomes, a diferença é que há tempos o pedetista é visto como uma possível alternativa a Bolsonaro e Lula. Atacando hora aqui o atual chefe do Poder Executivo e momento acolá o petista, Ciro tenta posicionar-se para a eleição atual desde 2018, quando ficou na terceira colocação. No entanto, praticamente empacou com um dígito nas pesquisas de intenção de voto, uma situação que pode levar à conclusão que cada polo está consolidado com cerca de 30% de votos. Sobraria, portanto, 40% dos eleitores para os outros postulantes ao Palácio do Planalto tentarem atrair.

Nesse cenário, acredita-se, existe espaço para furar ambas as bolhas. Mas dois aspectos precisam ser cada vez mais considerados.

O primeiro fator é a avaliação segundo a qual parcela considerável da população estaria acanhada em dizer que votará em Bolsonaro, uma vez que o presidente tem sido criticado de forma contundente por importantes formadores de opinião, embora esteja disposta a evitar o retorno do PT ao poder a qualquer custo. Ou seja, o percentual de intenções de votos do presidente estaria subestimado neste momento.

O segundo aspecto é o risco de crescimento do absenteísmo. E a razão disso é a maior facilidade para justificar a ausência no dia da votação dada pelo aplicativo disponibilizado pela Justiça Eleitoral. A justificativa poderá ser feita no dia da eleição ou depois, contanto que o eleitor esteja fora do seu domicílio eleitoral ou possa comprovar, após o pleito, a impossibilidade de votar. Um aumento no número de abstenções só beneficia quem está à frente da disputa.

Mas uma desidratação provocada por um movimento de voto útil na reta final da campanha é ainda a principal preocupação das candidaturas alternativas.

Neste momento, Ciro pode evitar esse infortúnio e Simone tem tudo para terminar a campanha maior do que entrou. Enquanto isso, a expectativa de estrategistas do que se convencionou chamar de terceira via é que Felipe d’Avila fique onde está, com cerca de 1%, apesar de sua candidatura ter o potencial de ajudar o Novo a consolidar-se como uma sigla diferente na selva da política brasileira. A dúvida que eles ainda têm é qual o percentual do eleitorado que pode se sensibilizar com o papel de bolsonarista arrependida desempenhado por Soraya Thronicke (União).

Valor Econômico

UE espera que pleito no Brasil favoreça acordo com Mercosul




Bloco europeu quer dar novo impulso a acordo de livre comércio e fortalecer laços com a América Latina através do Brasil, fazendo frente aos fortes investimentos da China.

A União Europeia divulgou nesta quarta-feira (31/08) que estabeleceu como uma prioridade o acordo de livre comércio com o Mercosul para recuperar terreno contra a China na América Latina. O bloco europeu espera que o resultado daseleições de outubro no Brasil rendam um novo impulso nesse sentido. 

O tema foi discutido nesta quarta em uma reunião da Comissão de Relações Exteriores do Parlamento Europeu com a presença do diretor-geral do Serviço Europeu de Ação Externa (SEAE) para as Américas, Brian Glynn.

Ele declarou que, a pouco mais de um mês antes do primeiro turno das eleições no Brasil, a UE está "acompanhando de perto" a campanha, na qual vê um "clima de polarização" e também alguns episódios de desinformação.

Glynn destacou a importância do Brasil como "uma das maiores democracias do mundo e um parceiro estratégico para a UE" e enfatizou que o bloco europeu deve "fazer mais" para fortalecer as relações com o país.

Embora a China seja agora o maior parceiro comercial do Brasil, a UE ainda é o maior investidor no país, lembrou.

De acordo com Relatório do Conselho Empresarial Brasil-China, o investimento de empresas chinesas no Brasil mais que triplicou em 2021 em relação ao ano anterior. O Brasil foi o principal destino do capital do país asiático no ano passado, com 5,9 bilhões de dólares investidos - ou seja, 208% a mais do que em 2020 em termos nominais.

Pacto Verde

Glynn ressaltou a necessidade de uma cooperação mais estreita em mais áreas, em particular a necessidade de envolver o Brasil nos objetivos do Pacto Verde europeu.

"Assim que tivermos clareza sobre a direção da política no Brasil para os próximos anos, nos engajaremos com as novas autoridades", disse, em referência ao pleito de outubro.

Para ele, após as eleições, seria "um bom momento para olhar o Brasil com novos olhos".

Glynn também disse que devem ser feitas adaptações em relação à política europeia na América Latina como um todo.

"A América Latina é uma região do mundo que provavelmente tem sido um pouco negligenciada pela UE, que foi tomada como certa, e agora temos a capacidade e a vontade de fazer algo a respeito", afirmou.

O presidente da comissão parlamentar, o democrata-cristão alemão David McAllister, declarou que a UE deve "fortalecer seus laços com seus parceiros latino-americanos" e especialmente com o Brasil como um "parceiro estratégico".

Neste contexto, ele considerou que a UE deveria "fazer mais" diante da influência "preocupante" que a China está ganhando na região e buscar maneiras de fortalecer as relações.

Acordo travado

O acordo comercial entre a UE e o Mercosul foi assinado em 2019, após 20 anos de negociações, mas ainda não entrou em vigor porque depende da ratificação de todos os envolvidos. Um dos principais entraves vem sendo as preocupações ambientais de países europeus quanto aos compromissos do Brasil na preservação do meio ambiente. 

Alguns países disseram que não ratificarão o acordo até que sejam colocadas em prática medidas concretas para frear a destruição da Floresta Amazônica, por exemplo.

Deutsche Welle

Debate não alterou polarização entre Lula e Bolsonaro




A apatia de Lula no debate da Band foi flagrante, mas não provocou mais do que uma tempestade em copo d’água, em contradição com a grande repercussão negativa nas redes sociais

Por Luiz Carlos Azedo (foto)

A pesquisa Ipec (a turma do antigo Ibope), divulgada na segunda-feira, mostra um quadro estabilizado há duas semanas na disputa eleitoral entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente Jair Bolsonaro. O primeiro com 44% de intenções de voto; o segundo, com 32%. Ciro Gomes, Simone Tebet e Felipe D’Ávila subiram um ponto cada, estão com 7%, 3% e 1%, respectivamente, todos na margem de erro. A pesquisa funcionou como uma espécie de “calma, o Brasil é grande” na cúpula das campanhas de Lula e Bolsonaro, que foram muito mal avaliados nos trackings do debate de domingo na Band e no monitoramento das redes sociais. Os demais candidatos se saíram melhor, principalmente Simone Tebet (MDB).

Vista com lupa, a nova pesquisa mostra que houve pequenas movimentações localizadas. Por exemplo, Lula continua liderando entre os que recebem o Auxílio Brasil, com 52%, mas Bolsonaro subiu um pontinho: passou a 29%. Ciro Gomes, também, chegando a 8%. Entre os que não recebem o auxílio, não houver alteração, mas a distância de Lula para Bolsonaro é menor: o petista tem 40%, e o presidente, 33%. Entretanto, nas capitais, houve uma mudança muito significativa: a vantagem de Lula para Bolsonaro caiu para 2%, ou seja, estão em empate técnico. Há duas semanas, Lula estava com 45%, e Bolsonaro, com 31%. No interior, Lula cresceu um 1%, e Bolsonaro caiu o mesmo percentual: estão como 45% e 32%, respectivamente. O que é isso?

Eis uma boa pergunta para os estrategistas da campanha de Lula, porque esse é um movimento de placas tectônicas. Existe vida inteligente na campanha de Bolsonaro, cujo estado-maior procura explorar os pontos fracos de Lula e recuperar os votos de 2018 que o presidente da República havia perdido. Isso está muito claro nos programas eleitorais e nas intervenções bolsonaristas nas redes sociais. O problema da campanha de Bolsonaro não é falta de estratégia, é o próprio candidato. Isso ficou claro no debate da Band, ao atacar a jornalista Vera Magalhães (TV Cultura). Tornou-se o grande derrotado, exatamente no momento em que crescia para cima de Lula.

A apatia de Lula no debate da Band foi flagrante, mas não provocou mais do que uma tempestade em copo d’água, se considerarmos a pesquisa divulgada na segunda, em contradição com repercussão negativa registrada nas redes sociais por sua atuação no domingo. Lula continua dando uma surra em Bolsonaro no Nordeste (57% a 25%), vence no Sudeste por uma margem de seis pontos (39% a 33%) e, mudança importante, inverteu a situação no Sul: agora está com 36%, contra 34% de Bolsonaro. Porém, Lula caiu 6% entre os eleitores que recebem até um salário mínimo, e Bolsonaro cresceu 2%. Entre os eleitores com renda acima de cinco salários mínimos, Lula caiu oito pontos, está com 28%, contra 47% de Bolsonaro, que subiu um ponto.

Triângulo

Bolsonaro trabalha para reduzir sua rejeição e aumentar a de Lula. É uma estratégia eficiente, para levar a eleição ao segundo turno e, nele, tentar virar o jogo e se reeleger. A resposta de Lula, num primeiro momento, foi tentar ampliar sua candidatura para vencer no primeiro turno. Essa possibilidade ainda existe, segundo a pesquisa Ipec, porque Lula tem 1% a mais do que a soma das intenções de votos de Bolsonaro com as dos demais candidatos. No entanto, as placas tectônicas sinalizam que essa possibilidade pode ser volatilizada.

O recorte regional da campanha sinaliza que a eleição será decidida no Sudeste, o chamado Triângulo das Bermudas. Lula (PT) oscilou três pontos para baixo em São Paulo – de 43% para 40% -, e três para cima em Minas Gerais – de 42% para 45%. No Rio de Janeiro, todos os candidatos oscilaram dentro da margem de erro. Lula tem 39% (tinha 41%), Bolsonaro 36% (tinha 37%), Ciro 6% (tinha 7%) e Tebet 3% (tinha 2%).

Lula teceu alianças minoritárias no Rio de Janeiro e em Minas. O atual governador fluminense, Cláudio Castro (PL), com 26% das intenções de voto, apoia Bolsonaro. Aliado de Lula, Marcelo Freixo (PSB) tem 19%. Depois, vêm Rodrigo Neves (PDT), com 6%, e Cyro Garcia (PSTU), com 4%. Juliete Pantoja (UP) tem 3%. Eduardo Serra (PCB), Wilson Witzel (PMB) e Paulo Ganime (Novo) empatam com 2%. O candidato Luiz Eugênio (PCO) somou um ponto percentual.

Em Minas, o amplo favoritismo de Lula não alavancou até agora a candidatura de Alexandre Kalil (PSD), com 24%, que enfrenta o governador Romeu Zema (Novo), franco favorito, com 44%. Carlos Viana (PL), com 3%; Cabo Tristão (PMB), com 1%; Lorene Figueiredo (PSol), com 1%; Marcus Pestana (PSDB), com 1%; Renata Regina (PCB), com 1%; e Vanessa Portugal (PSTU), com 1%.

Em São Paulo, o ex-prefeito Fernando Haddad (PT) lidera com 32% das intenções de voto, mas o candidato de Bolsonaro, o ex-ministro da Infraestrutura Tarcísio de Freitas, está com 17%, enquanto o atual governador, Rodrigo Garcia (PSDB), tem 10%. Depois aparece Carol Vigliar (UP), com 2%. Elvis Cezar (PDT), Vinicius Poit (Novo), Gabriel Colombo (PCB), Antonio Jorge (DC) e Altino Junior (PSTU) empatam com 1%.

Correio Braziliense

Fotos da mansão de Trump mostram papéis secretos não entregues ao FBI




De acordo com as autoridades americanas Trump possivelmente escondeu documentos para obstruir investigação

Por Vitória Tedeschi

Um processo judicial do Departamento de Justiça dos Estados Unidos, divulgado na noite da última terça-feira (30) informou que o FBI fez buscas na manão Mar-a-Lago de Donald Trump, na Flórida, depois de obter evidências de que provavelmente havia um esforço para ocultar documentos confidenciais.

A suspeita surgiu após os representantes do ex-presidente dos EUAalegarem falsamente que todo o material sensível havia sido devolvido, quando no entanto foram encontrados diversos outros documentos secretos.

Antes da operação, o FBI descobriu "múltiplas fontes de evidência" de que "documentos confidenciais" permaneciam em Mar-a-Lago, afirma o documento.

    'O governo também reuniu evidências de que os arquivos do governo provavelmente foram ocultados e removidos... E que provavelmente houve um esforço para obstruir a investigação do governo", acrescenta o Departamento de Justiça'.

O Departamento ainda descreveu que quando os agentes do FBI foram pela primeira vez a Mar-a-Lago em junho para recuperar vários arquivos, um membro da equipe de Trump fez "uma declaração sob juramento" de que se tratava dos últimos que se encontravam na residência.

No entanto, agora em agosto, a polícia federal encontrou cerca de 30 caixas com documentos sensíveis, de "confidenciais a ultrassecretos", que os advogados do FBI e do Departamento de Justiça precisaram de "autorizações adicionais" antes de consultá-los.

Entre as novas descobertas feitas nas 36 páginas anexadas estavam que a busca encontrou três documentos classificados sobre as mesas no escritório de Trump e mais de 100 outros em 13 caixas ou contêineres na residência, incluindo alguns ultrassecretos. Foi o dobro de documentos confidenciais entregues voluntariamente pelos advogados do ex-presidente, que juraram ter devolvido todo o material exigido pelo governo.

O arquivo anexado ao processo inclui ainda uma fotografia (imagem acima) dos materiais recuperados da residência de Trump: cinco pastas amarelas marcadas como “Top Secret” (Ultrassecreto) e outra vermelha com a etiqueta “Secret” (Secreto).

O conteúdo específico dos materiais que o governo recuperou na busca também permanece incerto - assim como o risco para a segurança nacional da decisão de Trump de reter os papéis recuperados.

Diário de São Paulo

Xiita contra xiita: disputa pelo poder no Iraque envolve irmãos de fé.




Nada é simples no país que os Estados Unidos desmontaram em 2003 e ninguém nunca mais conseguiu montar de novo.

Por Vilma Gryzinski

Uma vez derrubada a ditadura de Saddam Hussein, os iraquianos xiitas iriam todos obedecer fielmente as ordens emanadas de seus irmãos de fé do Irã, muito mais organizados e disciplinados.

Esta foi uma das conclusões óbvias sobre a invasão americana de um país complicado, dividido por fissuras religiosas e étnicas, uma construção artificial que só a brutalidade atilada de Saddam conseguia manter de pé.

Como sempre, a realidade é mais complicada. A explosão de distúrbios que aconteceu nos últimos dias em Bagdá, com invasão do Parlamento, da sede de governo e de outras instituições – com direito a mergulho na piscina dos poderosos, evocando as recentes cenas no Sri Lanka – é uma demonstração disso.

Dessa vez, são xiitas se matando entre si. Uma corrente segue os aliados do Irã; outra, que invadiu a Zona Verde e botou para quebrar, é de adeptos de Moqtada Sadr, um líder religioso caprichoso e influente, que com um simples tuíte põe milhares de pessoas nas ruas.

Sadr já fez de tudo: matou americanos, matou iraquianos seguidores da corrente majoritária, a sunita, e colocou suas milícias para fazer o trabalho sujo contra o Estado Islâmico. Seu Exército do Mahdi – a designação remete à figura messiânica que os xiitas esperam para anunciar o fim dos tempos – reencarnou com o orwelliano nome de Batalhões da Paz.

As alianças políticas acompanharam os tempos. Sadr deixou muita gente de queixo caído ao incluir em seu bloco político deputados comunistas, curdos e sunitas – tudo o que os xiitas, em princípio, odeiam.

O bloco foi o mais votado, com 73 deputados num total de 329, mas sem maioria para fazer um governo, alimentando um impasse que parece ser o estado natural do Iraque. Em junho, Sadr mandou todo mundo renunciar só para não ter que fazer um acordo com os xiitas que seguem a linha de fidelidade ao Irã.

O nacionalismo de Sadr irrita o regime iraniano, que se vê como o tutor dos primos rebeldes do outro lado da fronteira. Existe também, implicitamente, um sentimento de superioridade dos persas em relação aos indisciplinados árabes.

Os xiitas têm a tradição de seguir figuras religiosas carismáticas e Moqtada Sadr vem de uma família de líderes venerados. Seu pai, dois irmãos e o sogro foram mortos pela ditadura de Saddam. O bairro xiita mais conhecido de Bagdá tem o nome de Sadr City, em homenagem ao pai dele.

Brutal no tratamento dos xiitas – e de qualquer outra potencial ameaça a seu poder, inclusive na própria família -, Saddam manteve o Iraque unido a ferro e fogo. A remontagem do país tem sido sucessivamente frustrada.

Moqtada Sadr é um fio desencapado no arco de influência que o Irã constrói com paciência estratégica, estendendo-se pelo Iraque, a Síria e o Líbano. Muito próximo de alcançar outra vitória, com a reencarnação do acordo nuclear rasgado por Donald Trump, o que o livrará do peso das sanções americanas, o regime iraniano tem que aturar os rompantes de Sadr, que já tentou até uma aproximação com a Arábia Saudita. Os Estados Unidos também procuram usar Sadr, com seus milhões de seguidores, como contraponto à influência iraniana.

Não interessa ao Irã uma explosão no Iraque, com suas sanguinárias disputas internas e uma permanente instabilidade. Eventualmente, cabeças frias podem até tentar uma recomposição com o esquentadíssimo Moqtada Sadr, que mandou seus seguidores saírem das ruas depois de confrontos que deixaram 30 mortos e anunciou o encerramento de suas atividades políticas.

Mas uma hora a paciência acaba.

Revista Veja

Taiwan promete contra-ataque se forças chinesas entrarem no território




Pequim tem aumentado as ações militares perto da ilha

O governo de Taiwan informou, nesta quarta-feira (31), que exercerá seu direito de autodefesa e contra-ataque se as Forças Armadas chinesas entrarem no território, no momento em que Pequim aumenta as ações militares perto da ilha.

Pequim, que reivindica Taiwan como seu território contra fortes objeções do governo em Taipé, tem realizado exercícios militares ao redor da ilha este mês, em reação a uma visita da presidente da Câmara dos Deputados dos Estados Unidos, Nancy Pelosi.

Autoridades de defesa de Taiwan disseram que as patrulhas militares da China perto de Taiwan continuam e que a intenção de Pequim, de transformar o Estreito de Taiwan que separa os dois lados em seu "mar interior", é a principal fonte de instabilidade na região.

"Para aeronaves e navios que entrarem em nosso território marítimo e aéreo, o Exército Nacional exercerá o direito de autodefesa e contra-ataque sem exceção", disse Lin Wen-Huang, vice-chefe do Estado-Maior Geral de Operações e Planejamento, em entrevista.

Taiwan tem reclamado de drones chineses voando repetidamente perto de seus pequenos grupos de ilhas, perto da costa da China.

Os militares exercerão o mesmo direito de contra-atacar os drones chineses que não atenderem aos avisos para deixar o território, depois de representar ameaças, acrescentou Lin.

Taiwan disparou nessa terça-feira (30), pela primeira vez, tiros de advertência contra um drone chinês, logo após a presidente Tsai Ing-wen determinar que os militares de Taiwan tomassem "fortes contramedidas" contra o que chamou de provocações chinesas.

O porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, Zhao Lijian, reiterou a posição chinesa de que Taiwan pertence a ela.

"Em primeiro lugar, preciso dizer a vocês que Taiwan é uma província da China, não tem o chamado Ministério da Defesa. As autoridades de Taiwan estão atuando com nervosismo, isso não tem sentido", afirmou.

Agência Brasil / Diário de São Paulo

O que é sigilo de cem anos imposto por Bolsonaro e atacado por Lula




A candidata Simone Tebet (MDB) também criticou sigilo durante debate: ´Quem quer esconder por 100 anos alguma coisa deve algo ao Brasil´

"Em 100 anos saberá": essa foi a resposta do presidente Jair Bolsonaro (PL), em rede social, a um comentário que perguntava: por que coloca sigilo de cem anos em "todos os assuntos espinhosos/polêmicos do seu mandato" e "existe algo para esconder".

A interação no Twitter foi em abril. Agora, na disputa pela Presidência, os sigilos de cem anos impostos na gestão Bolsonaro são alvo de críticas do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), como ocorreu no primeiro debate que os colocou frente a frente.

Lula disse que "hoje, qualquer coisinha é sigilo de cem anos", logo depois de perguntar à senadora e candidata do MDB à Presidência, Simone Tebet, sobre o comportamento do governo Bolsonaro durante a pandemia de covid-19. Ela afirmou: "sigilo de cem anos para quê? Quem quer esconder por 100 anos alguma coisa deve algo ao Brasil".

O atual presidente chamou Lula de "ex-presidiário" e disse: "sigilo de cem anos, uma lei lá do tempo da Dilma, para questões pessoais, meu cartão de vacina, ou quem me visita no Alvorada, nada mais além disso…"

A imposição de sigilo de um século ocorreu em situações que ganharam destaque durante o governo Bolsonaro, como nesses quatro casos:

    O cartão de vacinação de Bolsonaro foi colocado em sigilo, em meio à pandemia de covid-19 e no contexto de que o presidente questionava eficácia e segurança dos imunizantes;

    O governo determinou sigilo de cem anos sobre informações dos crachás de acesso ao Palácio do Planalto emitidos em nome dos filhos Carlos Bolsonaro e Eduardo Bolsonaro;

    A Receita Federal impôs sigilo de cem anos no processo que descreve a ação do órgão para tentar confirmar uma tese da defesa do senador Flávio Bolsonaro, filho do presidente, sobre a origem do caso das "rachadinhas";

    O Exército impôs sigilo de cem anos no processo que apurou a ida do general da ativa e ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello a um ato no Rio de Janeiro com o presidente Jair Bolsonaro e apoiadores do governo. 

Também há caso em que o governo tentou manter a informação secreta e depois mudou de ideia — como os dados sobre visitas ao Palácio do Planalto de pastores suspeitos de favorecer a liberação de verbas do Ministério da Educação para prefeitos aliados.

Reportagem do Estadão publicada em maio de 2022 mostrou que, de janeiro de 2019 a dezembro de 2021, durante o governo Bolsonaro, um a cada quatro pedidos de informação rejeitados tiveram como justificativa o sigilo da informação — a taxa é duas vezes a registrada na gestão da petista Dilma Rousseff e quatro pontos porcentuais maior do que a do governo Michel Temer (MDB), segundo a reportagem.

O que diz a lei sobre 'sigilo de cem anos'

O sigilo de no máximo cem anos está previsto na lei que acabou com o sigilo eterno de documentos oficiais — a Lei de Acesso à Informação (LAI). Ela foi sancionada em 2011 pela então presidente Dilma Rousseff — e foi assinada junto com a lei que criou a Comissão da Verdade.

No artigo 31, a lei prevê que informações pessoais relativas à intimidade, vida privada, honra e imagem tenham acesso restrito pelo prazo de até cem anos.

Também está lá um trecho que busca conter o uso dessa medida: o texto diz que a restrição de acesso de "informação relativa à vida privada, honra e imagem de pessoa não poderá ser invocada com o intuito de prejudicar processo de apuração de irregularidades em que o titular das informações estiver envolvido, bem como em ações voltadas para a recuperação de fatos históricos de maior relevância".

'Lei que acabou com o sigilo eterno de documentos oficiais foi sancionada no governo Dilma Rousseff'

'Publicidade é regra, sigilo é exceção'

A advogada Patrícia Sampaio, professora de Direito Administrativo da FGV Direito Rio, explica que essa previsão do sigilo de cem anos na LAI busca proteção à intimidade e à vida privada dos indivíduos, visto que o Estado tem acesso a muitos dados que são pessoais. Por exemplo: alguma doença que você prefere que seus familiares e empregadores não saibam que você tem.

"Agora nós também temos que entender que, quando um indivíduo resolve se lançar na arena pública — concorre a um cargo eletivo, toma posse no cargo eletivo —, até mesmo essa privacidade, essa intimidade, ela é, de certa forma, relativizada", diz. "Não é que ela deixe de existir — o indivíduo continua tendo direito à sua intimidade, vida privada. Mas na relação dele com as coisas públicas, com os recursos públicos, essa intimidade tem que ser relativizada em nome do controle social da atuação dos agentes públicos."

Sampaio resume: "Em um Estado de direito, a publicidade dos atos administrativos e dos representantes do povo são, em regra, públicos. A publicidade é a regra e o sigilo é a exceção", diz.

A professora e advogada lembra que a lei tem dez anos. "Precisamos cuidar para que ela não seja esquecida ou interpretada contrariamente ao seu objetivo".

A professora da Universidade de Brasília (UnB) Andréa Gonçalves — que é especialista em prestação de contas pelo setor público, com foco na área de saúde — afirma que o Brasil é "uma democracia muito jovem" e que, pouco a pouco, foram sendo tomadas medidas focadas em aumentar a transparência — é o caso da LAI, que ela considera "ganho enorme".

"A sociedade tem direito e tem que ter acesso às informações do Estado", defende Gonçalves.

No entanto, a professora da UnB diz que "muito do que a gente observa é ainda traço do patrimonialismo — 'sentei na cadeira e faço do jeito que entendo, do meu jeito'. Isso você observa em todas as áreas".

"Isso vai do nível mais baixo até o escalão mais alto. A gente está falando de informações no nível federal. Imagina lá na prefeitura das cidades menores, onde o prefeito entende que ele é dono da prefeitura e o recurso que foi ele foi atrás, ele gasta como ele quiser, e não vai disponibilizar essa informação."

'Em crítica a Bolsonaro, Lula disse durante debate: "hoje, qualquer coisinha é sigilo de 100 anos"

E é possível que um presidente retire sigilos impostos pela gestão anterior? Segundo as entrevistadas, na prática, um sigilo imposto pelo presidente anterior poderia ser extinto por um novo governante.

Tebet, quarta colocada nas pesquisas de intenção de voto, disse que um eventual governo dela teria "transparência total". Lula, líder nas pesquisas, afirmou a Bolsonaro que "em um decreto só, eu vou apagar todos os seus sigilos".

BBC Brasil

O general de passeata virou tuiteiro




Em uma campanha curta, os políticos têm pressa, a mesma urgência de quem passa fome no País

Por Marcelo Godoy (foto)

Campanha eleitoral é tempo de candidato comer buchada de bode e abraçar crianças em comunidades pobres. Em 2022, ela se tornou também o momento em que general vira tuiteiro. A rede social é o novo Clube Militar, o local em que oficiais fazem política, como descobrira o ex-comandante Eduardo Villas Bôas.

Agora foi a vez de Walter Braga Netto. Desde segunda-feira, o lacônico oficial se converteu em um loquaz tuiteiro. O candidato a vice dos sonhos de Jair Bolsonaro, por não dar palpites nem ameaçá-lo, apresenta-se como um mineiro “alinhado aos valores conservadores e ao liberalismo econômico do presidente”. Na rede social, todos têm pressa – a concorrência é enorme para capturar o eleitor. O novo tuiteiro do Planalto já conta com 87 mil seguidores e 13 publicações. “Foi com muita honra e orgulho que recebi a missão de ser candidato a vice-presidente, a mais desafiadora e importante dos meus 65 anos de vida.”

Até então, o ex-ministro da Defesa era um dos generais de passeata do bolsonarismo, esse novo tipo da política nacional. Nos anos 1960, Nelson Rodrigues capturou a imagem do “padre de passeata”, que só olhava para os céus para saber se devia sair com guarda-chuva. O general de passeata é parecido: ele só olha para o alto para saber quando o “tempo vai fechar”.

Enquanto alimentava pastores mais preocupados em salvar o governo do que almas, a administração Bolsonaro criou esse novo personagem. São figuras como Eduardo Pazuello, o especialista em logística cujas desventuras Émile Zola tornou um clássico ao retratar, em La Débâcle, o exército francês de 1870.

Essa turma gosta de datas comemorativas, como o 31 de março. E crê que o 7 de Setembro em Copacabana reviverá, cem anos depois, a marcha dos 18 do Forte. Ela acredita que a salva de tiros, programada pelo Exército durante o comício de Bolsonaro, esconderá os maltrapilhos que emboscam clientes nas padarias do bairro, parte dos 33 milhões que vivem a fome da pobreza extrema no Brasil. Quase todos os candidatos à Presidência já anunciaram planos para acabar com essa chaga. Cada um tem um caminho. Bolsonaro também tem o seu: negar a existência dos esfomeados.

Seu vice tuitou ontem sua visita a Sinop (MT) e fez promessas ao agronegócio. “O Brasil contribui com a #segurançaalimentar do mundo”, escreveu. Nenhuma palavra sobre a fome no País. Em uma campanha de 45 dias, um político tem pressa para se fazer conhecer. Os famélicos, como dizia o sociólogo Hebert de Souza, o Betinho, igualmente têm pressa. Quando uma barriga ronca, nada mais importa, além da própria fome. Os que se alimentam do poder também sabem disso. 

O Estado de São Paulo

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