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segunda-feira, novembro 01, 2021

Exército monitorou redes para identificar detratores de projeto de lei

 




Documentos mostram também como a corporação traçou estratégias políticas para influenciar na tramitação do projeto de lei, que tratou da reestruturação das carreiras militares

Exército monitorou cidadãos, parlamentares, jornalistas e influenciadores para identificar e neutralizar detratores de projeto que reestruturou carreira militar

Por Jorge Vasconcellos 

De 14 de agosto de 2019 a 20 de novembro do mesmo ano, o Exército brasileiro monitorou o comportamento, nas redes sociais, de cidadãos comuns, parlamentares, jornalistas e blogueiros. Os resultados dessa atividade estão nas 124 páginas dos relatórios de Acompanhamento e análise do PL 1645 nas mídias sociais, que foram repassados oficialmente ao Correio Braziliense pela própria força terrestre. Os documentos mostram também como a corporação traçou estratégias políticas para influenciar na tramitação do projeto de lei, que tratou da reestruturação das carreiras militares. A proposta, depois de aprovada no Congresso, foi sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro em dezembro de 2019.

Os relatórios foram elaborados pela Divisão de Produção e Divulgação do Centro de Comunicação Social do Exército (Ccomsex). O conteúdo informa que o trabalho de monitoramento das redes sociais teve o objetivo de "acompanhar e analisar a tramitação do Projeto de Lei 1645/2019", "verificando o impacto das notícias na imagem do Exército Brasileiro". Vários relatórios trazem um item intitulado "Classificação dos grupos monitorados".

Na sequência são apresentados os alvos do monitoramento: "1) Grupo Cidadão - perfis de pessoas com pouco poder de influência nas redes; 2) Grupo político - perfis de políticos das esferas Federal, Estadual e Municipal (tags por função - Ex: Político Senador, Político Dep Federal); 3) Grupo Mídia e Grupo Blog - perfis de órgãos de mídia subdivididos e mídia (perfil de abrangência nacional), mídia local (perfil de abrangência regional) e blog (perfil de blog pessoal de jornalistas); 4) Forças Armadas - perfil de órgãos das Forças Armadas; 5) Forças Auxiliares - perfil de órgãos das Forças Auxiliares dos Estados; 6) Entidades Religiosas - perfil de órgão de entidade religiosa de abrangência"; 7) Grupo Associações de Militares - perfil de entidades agregadoras de militares da reserva.

O conteúdo desmente declarações feitas na semana passada pelo ministro da Defesa, general Braga Netto, durante audiência pública na Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara. Irritado após ser questionado pelo deputado Glauber Braga (PSol-RJ) sobre o assunto, o militar negou que o Exército faça monitoramento de políticos. Na ocasião, o congressista disse ter informações de que ele foi um dos monitorados. "Não existe, nem vi o nome do senhor em nada, nem passa perto. Não existe monitoramento de parlamentares, não existe", disse o ministro, ao lado dos comandantes das três Forças Armadas.

A tramitação do PL 1645 no Congresso foi marcada por muitas tensões e protestos de associações de praças da reserva das Forças Armadas. Representantes dessas entidades consideram que o projeto concedeu os maiores benefícios aos oficiais de altas patentes, em detrimento dos soldados, cabos, sargentos e suboficiais. Durante os debates sobre a proposta, foram parlamentares da oposição, e não governistas, que prestaram apoio às demandas dos praças.

Oposição ao PL 1645

A apuração do Correio começou depois que a revista Sociedade Militar publicou uma série de relatórios que teriam sido produzidos pelo Exército e que trazem os nomes de vários parlamentares supostamente monitorados. Os textos publicados pela revista, também intitulados Acompanhamento e análise do PL 1645 nas mídias sociais, apontam como um dos congressistas mais influentes o deputado Marcelo Freixo (PSB-RJ), que, à época da tramitação do PL 1645, era filiado ao PSol. "Cabe ressaltar que o Dep. Marcelo Freixo é um forte influenciador de massas radicais no Twitter e possui expressão com seus mais de 1 milhão de seguidores", diz um trecho publicado por Sociedade Militar.

O conteúdo afirma também que "o PSol, ainda com as manobras regimentais e destaques, apresenta-se como o maior detrator da Comissão" onde tramitava o projeto de lei. "Fato relevante a ser ressaltado neste campo de poder foi a articulação do Psol, ator que assumiu o protagonismo da oposição do governo dentro da Comissão Especial", diz o texto.

Outro político do Psol que, segundo o material divulgado pela Sociedade Militar, atraiu as atenções do Exército, é o deputado Glauber Braga (RJ). O texto cita uma entrevista concedida pelo parlamentar à mesma revista. "A notícia apresenta o alinhamento dos integrantes das Associações de praças e inativos com deputados do Psol", diz o conteúdo. Além disso, está escrito que o parlamentar "mostrou-se contra a posição do relator e avocou para si e seu partido a responsabilidade pelos direitos de igualdade das praças das Forças Armadas".

Há ainda citações a outros 19 deputados federais, entre eles Vinícius Carvalho (Republicanos-SP), relator do PL. "Ele explicou com muita propriedade as gratificações de Altos Estudos propostas no PL", diz o texto publicado pela Sociedade Militar.

O Correio, depois de apurar junto à revista que o material divulgado foi recebido de uma fonte militar, fez contato com o Centro de Comunicação Social do Exército (Ccomsex) e questionou se o conteúdo era autêntico. Como resposta, a assessoria negou a autenticidade. Além disso, encaminhou algumas explicações sobre o assunto, mas nada é informado sobre o monitoramento de políticos e de outros alvos. A assessoria também enviou uma série de relatórios apresentados como oficiais. Os textos são semelhantes aos divulgados pela revista, mas têm várias partes omitidas por tarjas pretas, principalmente nomes de parlamentares e outras autoridades, partidos políticos, veículos da mídia, jornalistas e blogueiros.

Ainda assim, os trechos que não foram omitidos dizem muito sobre a natureza desse trabalho. O texto de um dos relatórios, elaborado a partir de monitoramento feito entre os dias 1 e 4 de novembro de 2019, mostra como o Exército agiu para favorecer a aprovação do PL 1645.

No documento, os militares afirmam que "a tentativa de ganhar a narrativa em busca de uma proposição positiva nas Redes Sociais pode se tornar desgastante e ineficiente, quando se usa apenas os próprios meios". Eles orientam que "é preciso que influenciadores atuem nas redes social (sic), pois são estes que detém (sic) maior capacidade de reverberar a linha narrativa que se deseja propagar. Perfis pessoais possuem uma capacidade representativa na rede muito superior a perfis institucionais".

Em outro trecho, o documento afirma que, "no cenário político, é preciso esvaziar o discurso do (tarja) e dar visibilidade ou chamar a participação, os atores políticos favoráveis ao PL 1645".

Influenciadores

Um outro relatório, elaborado a partir de monitoramento realizado no período de 13 a 20 de novembro de 2019, reflete uma preocupação especial com os partidos de oposição. "Nesse momento, dado o cenário político polarizado somado o acirramento da pressão da opinião pública sobre o Congresso influenciando em decisões das Casas legislativas, é preciso que influenciadores com uma narrativa favorável ao PL atuem nas redes sociais com o intuito de que não ocorra ações semelhantes às propostas pela bancada do (tarja) durante a tramitação do projeto na Câmara dos Deputados, quando parlamentares de oposição se aproveitaram da pauta criada pelas associações de praças para atacar o projeto de lei".

Em outro trecho, os militares afirmam que, "com o objetivo de informar o público interno é preciso coordenar entre as três forças e o (tarja) a divulgação de palestras que, se for o caso, sejam ministradas para todos os públicos, ativa e reserva, e que os sites institucionais e perfis nas plataformas digitais contenham conteúdos informativos sobre o tema".

O documento diz ainda que "cabe avaliar a possibilidade de ser mantida uma rotina de postagens informativas sobre a tramitação do PL durante os dias de atividade parlamentar no Senado elencando os principais fatos da semana, tudo com a finalidade de evitar a construção de narrativas falsas".

Em um outro relatório, produzido com base em monitoramento realizado entre 4 e 6 de novembro de 2019, os militares alertam que "os perfis de esquerda, principalmente no Twitter, já atuam de forma coordenada para desclassificar a pauta econômica do (tarja) podendo ser claramente verificado entre os políticos (tarja) e seus partidos satélites (tarja), perfis de jornalistas e blogs de esquerda, bem como personalidades alinhadas com a causa lulista a referida postura digital".

O texto diz ainda que "durante a tramitação na Câmara os partidos de oposição se aproveitaram da instabilidade causada pelas associações de praças e militares da reserva para tumultuar a caminhada do projeto na casa". "Mais uma vez os partidos de oposição poderão se unir à causa das associações militares reforçando a narrativa de que o projeto é desigual em suas medidas entre oficiais e praças", afirma o documento. Os analistas destacaram também que a "esquerda tentará qualificar a reforma como desmonte do serviço público e aprofundadora das desigualdades do país".

Silêncio

O Correio teve acesso a um Requerimento de Informação que o deputado Marcelo Freixo enviou ao Ministério da Defesa, em 23 de agosto. No documento, o parlamentar pede uma série de esclarecimentos, sobre a organização do monitoramento, o valor pago pelo Exército e a modalidade da contratação dos serviços, entre outros. "Os fatos são graves e podem representar a quebra da harmonia e independência entre os Poderes da República, além de uma afronta à inviolabilidade das opiniões, palavras de votos dos Deputados Federais", escreveu Freixo. Porém, até o momento, o deputado não recebeu resposta do ministério.

Segundo as informações encaminhadas pelo Exército ao Correio, o Acompanhamento e análise do PL 1645 nas mídias sociais foi feito com o uso das ferramentas V-tracker, a busca avançada do Twitter (gratuita e oferecida pela plataforma) e o Google Alerts (gratuita e disponibilizada pelo Google). Conforme a força terrestre, "todas são amplamente conhecidas e fazem o acompanhamento de fontes abertas, não havendo, portanto, qualquer grau de sigilo". 

Correio Braziliense / Estado de Minas

Descendo a ladeira

 



O desarranjo da política econômica solidifica nossa trajetória em direção à estagnação

Por José Roberto Mendonça de Barros (foto)

A semana passada foi um marco em direção à perda de sustentação da economia. O populismo econômico, que já domina a Câmara e o Palácio do Planalto, finalmente conseguiu o aval do Ministério da Economia para quebrar o teto de gastos, com a mentirosa desculpa de que não existe outra forma para ajudar os pobres. Como inúmeros colegas já demonstraram, não existe escassez de boas soluções, como a redução da escandalosa farra do boi com as emendas parlamentares de todos os tipos, especialmente as secretas.

O relevante é que o regime fiscal foi destruído e está aberto o caminho para a volta da elevação do endividamento público, por meio da expansão eleitoreira dos gastos. A primeira rodada atinge algo como R$ 90 bilhões, sendo metade financiada pela redução dos pagamentos de precatórios, por meio de uma PEC específica, e que equivale a um calote parcial da dívida pública. A outra metade resultará da alteração do cálculo do valor nominal do teto, na qual a antiga fórmula (que pegava os 12 meses de inflação terminados em junho) foi substituída pela utilização da inflação no ano corrente.

Ora, como a inflação não para de subir (e na semana passada tivemos mais um exemplo disso, com o IPCA -15), a mudança vai produzir um adicional no teto permitido na ordem de R$ 47 bilhões. Trata-se, evidentemente, de um lamentável casuísmo.

Assim, o regime fiscal foi definitivamente destruído e estaremos abertos à expansão continuada de gastos públicos com fins eleitoreiros

E não demorou muito tempo para que aparecesse uma comprovação: a sugestão de aumentar de R$ 2 bilhões para R$ 5 bilhões o Fundo Partidário. As expectativas já estão sendo negativamente afetadas, o que reabre, inclusive, a possibilidade de rebaixamento do rating soberano.

Mais espantosa ainda é a tranquila aquiescência do ministro da Economia, ao reconhecer que o lado fiscal realmente foi mal e passar a bola para o Banco Central: já que não há controle sobre as finanças públicas, a parte monetária terá de assumir a operação contra a inflação de forma solitária. Isso, evidentemente, eleva enormemente o custo da política. O Copom, então, determinou que a Selic vai para 9,25% em duas etapas.

O desarranjo da política econômica solidifica nossa trajetória em direção à estagnação, resultado lógico de um governo que não funciona em nenhuma área, da educação ao meio ambiente, das finanças públicas ao avanço tecnológico, da alta de preços à fragilidade do mercado de trabalho, da energia à política externa. Simples assim. 

O Estado de São Paulo

Pedras lá, tapete cá

 




Ausente da COP26 e isolado no G20, o risco de Bolsonaro é, sim, levar ‘pedrada’

Por Eliane Cantanhêde (foto)

Com seu jeitão de caserna e a sinceridade de (quase) sempre, o general e vice-presidente Hamilton Mourão explicou por que o capitão e presidente Jair Bolsonaro, apesar de estar ali perto, na Itália, se recusou a ir à COP 26, na Escócia: “Ele vai chegar num lugar em que todo mundo vai jogar pedra nele?”

Mourão, que é responsável pela Amazônia, mas foi dispensado da COP, ainda tentou ajeitar as coisas, justificando que muitas críticas são “equivocadas”, por um certo viés ideológico e o peso do interesse econômico. Mas, como todo o mundo, literalmente, sabe, há motivos aos montes para “pedradas”.

Segundo o Observatório do Clima, o Brasil andou na contramão do mundo em 2020. Com pandemia e recuo na atividade econômica, a emissão de CO² teve uma redução média mundial de 7%, mas o País emitiu 10% a mais, um desastre na comparação internacional e também interna. Foi o pior resultado desde 2016. Por quê? Por causa do desmatamento da Amazônia, um marco da era Bolsonaro.

Se conseguiu se livrar de pedras na COP 20, o presidente brasileiro não evitou que seus opositores, grosseiramente, aliás, pusessem estrume na entrada de um dos locais que visitou em Roma. E ele se livrou de dar vexame na COP, mas não no G-20. Antes mesmo da reunião.

Bolsonaro ignorou e foi ignorado pelos líderes do G20, particularmente Olaf Scholz, que venceu as eleições na Alemanha – Alemanha! E ficou falando sozinho com Recep Erdogan, da extrema direita da Turquia. Constrangido e calado, ele ouviu do brasileiro que a economia aqui vai bem, ele é muito popular, a Petrobras é um estorvo e a imprensa é culpada de tudo. O jornalista Jamil Chade gravou. Tire suas conclusões.

A chapa Bolsonaro-Mourão foi absolvida por unanimidade TSE, num “efeito avestruz” citado pelo ministro Alexandre de Moraes: todo mundo sabe e viu as milícias digitais e fake news de 2018. Mas cassação após três anos de governo, a um ano da eleição e com o País afundado no caos? O jeitinho brasileiro foi avisar que, “daqui pra frente, tudo será diferente”. Será?

Em outra decisão, o TSE cassou o deputado Fernando Francischini (PSL), por fake news contra as urnas eletrônicas, acusar de fraude a própria eleição que lhe deu o mandato e fazer o TRE-PR consumir tempo e dinheiro para negar. Bolsonaro fez tudo igual, e com canais e recursos públicos. Mas o TSE cassou um e empurra o outro para debaixo do tapete.

Esse tapete deverá acomodar as 1.288 páginas de pedradas da CPI da Covid, a depender da PGR de Augusto Aras e da Câmara de Arthur Lira. Mas... se o jeitinho brasileiro vale para um lado, vale para o outro. E o jogo só termina em outubro de 2022.

O Estado de São Paulo

O que o Brasil tem a ganhar com o sucesso da COP-26 - Editorial

 




De hoje até dia 12 de novembro, a cidade de Glasgow, na Escócia, receberá a 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP-26). Todos aqueles que reconhecem a importância do aquecimento global, mas acompanham o tema à distância têm pelo menos dois bons motivos para prestar mais atenção desta vez. Primeiro, é possível que sejam tomadas decisões históricas, uma vez que grandes potências parecem convencidas da necessidade de avanço nas negociações rumo ao corte nas emissões. Segundo, o Brasil poderá ser um dos maiores beneficiários da evolução de uma economia global de baixo carbono.

Ao fim do encontro, ficará evidente quais países fazem parte da solução e quais querem continuar sendo problema. Desgraçadamente, há um risco nada desprezível de que o Brasil, sob o governo de Jair Bolsonaro, seja incluído no segundo grupo. A última evidência veio à tona na semana passada, quando o Relatório sobre Lacuna de Emissões 2021 confirmou que o governo brasileiro tenta usar uma manobra contábil para, numa “pedalada climática”, aumentar as emissões de gases causadores do efeito estufa até 2030, em vez de reduzi-las no ritmo com que o país se comprometera antes.

Há um problema de fundo. Bolsonaro comunga a ideia retrógrada do tempo da ditadura militar, acreditando que a soberania sobre as áreas de floresta só pode ser exercida por meio de destruição e ocupação. Isso explica a vida fácil de grileiros, madeireiros e garimpeiros ilegais no seu governo. Se for essa a diretriz a nortear a delegação brasileira ao chegar em Glasgow, é certeza que perderemos uma grande chance.

Uma das negociações centrais esperadas para a COP-26 tratará das regras para a criação de um mercado global de créditos de carbono (no jargão dos ambientalistas, trata-se da regulação do Artigo 6º do Acordo de Paris). Por meio desse mercado, países que precisam lançar gases na atmosfera para manter suas economias funcionando poderão comprar esse direito daqueles que estiverem mais adiantados na transição rumo às atividades de baixo carbono ou que tiverem implantado mecanismos de captação do gás carbônico. O principal são as florestas, e a principal é, obviamente, a Amazônia.

Trata-se de um mercado em que, nas palavras de Marina Grossi, presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), o Brasil terá uma “vantagem descomunal”. Se souber preservar a Amazônia, entrará como vendedor, literalmente, por força da natureza. Numa tentativa anterior de estabelecê-lo, porém, o Brasil, já com Bolsonaro no Planalto, foi considerado responsável pelo fracasso das conversas. Foi um erro e não deve ser repetido.

A maioria dos países já anunciou suas metas de redução de emissões e as ratificou. Mais recentemente, vários vêm antecipando os prazos para alcançá-las. O passo seguinte é estipular um limite máximo de emissão para as empresas. As que ultrapassarem o ponto determinado poderão comprar créditos de carbono das que ficarem abaixo. Glasgow poderá ser o marco do lançamento desse mecanismo em escala global. Por contar com uma matriz energética baseada em fontes limpas, com florestas e a possibilidade de reduzir suas emissões, o Brasil tende a ser líder nessa área. Poderemos nos tornar uma potência exportadora global de soja, minério de ferro, proteína animal, aviões e... créditos de carbono.

Primeiro, porém, o país precisa enfrentar o desmatamento ilegal, que responde por 44% das nossas emissões e nos coloca entre os seis países mais poluentes. Já fizemos isso antes. Entre 2004 e 2012, o desmatamento na Amazônia caiu de 27,7 mil km2 para 4,5 mil km2. Nesse mesmo período, a produção de soja no país cresceu 33%, e o rebanho bovino ganhou 6,5 milhões de novas cabeças de gado. Manter a floresta em pé não é freio para o agronegócio. Pelo contrário. É questão de sobrevivência. Mais de 90% da nossa agricultura depende do ciclo de chuvas, que mudará radicalmente se o aquecimento global persistir.

Enfrentar as madeireiras ilegais requer vigilância e operações no meio da mata. Infelizmente, isso tem acontecido com menos regularidade no atual governo, que desmontou as estruturas de fiscalização dos órgãos ambientais. É necessário investigar e prender criminosos que financiam e lucram com a venda de madeira, com a grilagem e com a exploração ilegal de metais preciosos. Os chefes dessas organizações estão nas cidades. É preciso denunciar fabricantes de máquinas e equipamentos usados para o desmate que distribuem seus produtos em regiões onde a prática é ilegal.

Para que tudo isso ocorra, Bolsonaro precisa deixar para trás o pensamento castrense das décadas de 1960 e 1970 e chegar ao século XXI. Deve entender que sustentabilidade é política de Estado. Será um erro imperdoável mandar a delegação brasileira em Glasgow usar subterfúgios, como o baixo volume de ajuda financeira dos países ricos aos pobres, para estragar a possibilidade de avanço. Serão vãs as promessas com prazos distantes, sem um cronograma rígido de curto prazo. O governo brasileiro não tem mais nenhuma credibilidade nessa área. Bolsonaro tem a obrigação de perceber que, quer ele queira ou não, o mundo caminha para uma economia verde — e isso abre uma oportunidade de dimensões amazônicas para o Brasil.

O Globo

Vai ter CPI das emendas parlamentares do 'Bolsolão'?




Lira teme investigação do dinheiro que sela o acordo governo-centrão, diz Calheiros

Por Vinicius Torres Freire 

O senador Renan Calheiros (MDB) disse que o deputado Arthur Lira (PP) está preocupado "com o que pode vir de investigação" sobre um certo tipo de emenda parlamentar, as ditas "emendas de relator".

A fim de garantir dinheiro também para essas emendas, Jair Bolsonaro, Lira e o centrão querem aumentar o gasto federal em 2022 e decretar moratória de parte dos precatórios.

"Isso [emendas de relator] vai causar talvez o maior escândalo do Brasil de todos os tempos", disse Calheiros na semana passada, em nova querela com Lira, seu inimigo em Alagoas.

Calheiros estava falando do quê? Foi apenas canelada ou conhecimento de causa? Essas emendas também são investigadas pelo Tribunal de Contas da União e serão examinadas pelo Supremo. São rolos dentro de rolos.

Apesar de as emendas serem, claro, aprovadas na lei do Orçamento, a liberação do dinheiro para cidades ou outros "entes" não é obrigatória. Em 2021, Lira e Ciro Nogueira (PP-PI), senador ora ministro da Casa Civil, chancelam a distribuição dos recursos, nem sempre em acordo com o resto do governo, dirigindo o trânsito específico do dinheiro (as emendas podem não descer a detalhes). É assim que Bolsonaro paga a conta de não ser emparedado pelo Congresso, ou mesmo impichado.

O dinheiro das emendas facilita a reeleição da "diretoria" do centrão. Sim, "diretoria", pois o baixíssimo clero se queixa de que recebe pouco, o que tem contribuído para derrotas de Lira na Câmara; há queixa similar no Senado, onde Lira e Bolsonaro tomam muitas tundas.

Emenda é uma modificação do projeto de lei do Orçamento que o governo envia ao Congresso. "De relator" quer dizer que o relator (o parlamentar que dá forma final a um projeto de lei) do Orçamento propõe tais modificações, a serem votadas por deputados e senadores. Mais de metade do valor das emendas parlamentares de 2021 é de relator (existem as individuais e outras, merrecas). Equivalem a cerca de 2% da despesa federal.

Tais emendas são distribuídas sem critério de política pública, quase de costume. É difícil saber quem são seus padrinhos, muita vez o dinheiro é transferido sem contrato ou projeto de uso e não se sabe da eficiência ou justiça da despesa.

Por esse motivo, Cidadania, PSB e PSOL foram ao Supremo pedir a suspensão dessas emendas. Desde junho, a ação tarda na mesa de Rosa Weber. Caso a ministra suspenda o negócio, criará um salseiro na "base" do governo. Mas nada diria, nem pode, sobre malversações do dinheiro.

Em geral, emendas picotam parte do que sobra do Orçamento (parte do 5% que não é gasto obrigatório) em pequenas obras (posto de saúde, asfalto, centro esportivo, escola, estrada, ponte, trator, poucas em obras maiores). Não é dinheiro "roubado" pelo parlamentar. Como mais e mais emendas têm sido liberadas sem qualquer controle técnico prévio, teme-se rolo criminal.

Apesar de boatos de rolo maior, ainda não há "fato determinado" para, por exemplo, se criar uma CPI. Pelo que se sabe até agora, o "Bolsolão" é apenas uma mutreta política com fumaças de inconstitucionalidade.

Mas parlamentares criariam uma CPI para investigar dinheiros do interesse da maioria de seus pares? Criariam problemas com eventuais aliados na eleição de 2022? Só por milagre; talvez com a revelação de um escândalo daqueles, nos jornais. Escândalo daqueles que, hoje em dia, quase ninguém está disposto a fazer. O país e suas elites se acomodaram em um acordão, se cansaram, também se locupletam ou desistiram: o país como que apagou.

Se esse rolo estourasse, porém, seria uma estaca que passaria perto do coração de Bolsonaro.

Folha de São Paulo

Podemos tem alvos da PF, Lava Jato e Justiça Eleitoral




O Podemos, que marcou para o dia 10 de novembro o evento de filiação do ex-magistrado Sergio Moro e possível presidenciável, tem investido na reformulação de diretórios estaduais

Suspeitas de candidaturas laranjas, alvos da Polícia Federal e da Operação Lava Jato fazem parte da história da legenda que vai abrigar o ex-juiz federal e ex-ministro Sérgio Moro. O Podemos, que marcou para o dia 10 de novembro o evento de filiação do ex-magistrado e possível presidenciável, tem investido na reformulação de diretórios estaduais para arregimentar potenciais candidatos e tentar ampliar sua presença no Congresso.

Moro é parte dessa estratégia porque é considerado um bom puxador de votos. Mas, ao entrar no partido, terá de conviver com correligionários sob investigação - um deles foi filmado pegando dinheiro de um delator -, e participar de um grupo político que, no Congresso, apoiou desde Dilma Rousseff até Jair Bolsonaro.

No Rio de Janeiro, após a saída do senador Romário, que foi para o PL, o vice-presidente do partido, Eduardo Machado, convidou o bombeiro Patrique Welber para dirigir o diretório do Podemos. Conhecido por atuar nos bastidores de campanhas de diversos partidos, incluindo a coordenação da candidatura do ex-presidente da Alerj, Jorge Picciani (MDB) - condenado a 21 anos de prisão na Lava Jato -, Welber levou com ele um grupo de mais de 40 candidatos a deputado federal. O Podemos não tem representantes do Rio na Câmara.

Em setembro, Welber se tornou secretário estadual do Trabalho do Rio, iniciativa do governador Cláudio Castro (PL) para dar uma pasta ao Podemos, que faz parte de sua base na Assembleia Legislativa (Alerj). A convite do bombeiro, e agora secretário, assumiram cargos de comando no diretório do Podemos o ex-deputado federal Francisco Floriano, que é alvo da Lava Jato do Rio sob suspeita de lavagem de dinheiro e corrupção na Saúde do Estado, e o empresário Clébio Lopes Pereira - investigado pelo MP estadual por integrar supostos esquemas de desvios na gestão Marcelo Crivella (PRB).

Há também investigados no comando do diretório nacional do Podemos. A presidente da legenda e deputada federal Renata Abreu é alvo de inquérito na Justiça Eleitoral sob a acusação de ter fomentado candidaturas femininas laranja em 2018. O secretário-geral do partido, Luiz Claudio Souza França, foi flagrado em vídeo pegando R$ 38 mil em espécie das mãos do ex-secretário de Relações Institucionais do DF, Durval Barbosa, na Operação Caixa de Pandora - que ficou conhecida como mensalão do DEM. A ação está em fase de alegações finais.

O partido também chegou a abrigar membros do PHS - partido que foi absorvido pelo Podemos - alvos de suspeitas. Entre eles, o advogado Laércio Benko e a ex-deputada Clelia Gomes, que foi candidata a vereador pela legenda no ano passado. Eles são investigados pela PF em um esquema de rachadinhas quando ainda época em que estavam na legenda anterior. Clelia deixou o partido após a eleição, e Benko saiu neste segundo semestre para dirigir o PMB.

Fusão. Antes de entrar para o Podemos, Benko e o vice-presidente, Eduardo Machado, estavam em lados opostos na disputa pelo comando do PHS. Por força de uma decisão judicial, Machado foi afastado da direção da legenda. Rivais também chegaram a acusá-lo de irregularidades. Em 2017, a briga foi parar na Polícia, quando um tesoureiro da legenda aliado de Machado foi acusado de invadir seu diretório e levar documentos. Em 2018, o PHS foi enquadrado na cláusula de barreira, e, em um acordo entre Machado e Renata Abreu, acabou incorporado ao Podemos. Os antigos rivais no PHS entraram em armistício na atual legenda.

De um lado, a fusão fez com que a cota do fundo eleitoral do Podemos saltasse de R$ 36 milhões para R$ 77 milhões, em 2020. De outro, uma série de irregularidades nas prestações de contas do PHS referentes a 2014 custaram ao Podemos uma multa de R$ 2,8 milhões. Quando relatora do projeto de reforma eleitoral na Câmara, Renata Abreu inseriu em uma primeira versão de sua proposta um dispositivo que previa a desoneração de partidos de assumirem multas de legendas que aglutinaram, em razão de pendências com o TSE. O texto acabou alterado pela parlamentar, dias depois.

O partido se diz independente no Legislativo, mas tem acompanhado o governo federal em cerca de 80% das votações. Em uma sessão recente, ficou dividido em uma pauta cara ao ex-juiz das Lava Jato. Cinco deputados votaram a favor da PEC 5, que propôs alterações no Conselho Nacional do Ministério Público, e outros cinco votaram contra. Foi um caso isolado. Em outros projetos, como a proposta de tirar o Coaf de Moro _ ainda no Ministério da Justiça -, o partido votou a favor do ministro. O Podemos também foi contra a ampliação do fundo eleitoral para R$ 5,7 bilhões em 2022.

O partido foi fundado como Partido Trabalhista Nacional, pelo ex-deputado Dorival de Abreu, tio de Renata, nos anos 1990, como uma espécie de sucessor do antigo PTN do ex-presidente Jânio Quadros. O slogan exibia a sigla ao lado da vassourinha, em referência ao jingle de Jânio na década de 60: "Varre, varre, vassourinha. Varre, varre a bandalheira", dizia a música. Além de Dorival, o pai de Renata, ex-deputado José de Abreu, dirigia o partido, que, por anos, teve escritório dentro do Centro de Tradições Nordestinas, na zona norte de São Paulo, criado pelo clã.

Em 2013, o PTN acabou envolvido em uma polêmica relacionada ao mensalão, quando um hotel em nome de uma offshore no Panamá e do irmão de José de Abreu deu emprego ao ex-ministro José Dirceu, com salário de R$ 20 mil, quando o petista precisava comprovar que teria um emprego para migrar para o regime semiaberto.

No mesmo endereço da offshore estava registrado um escritório da JD Assessoria, que, anos depois, levaria Dirceu ao centro da Lava Jato. Somente em 2017, a legenda foi transformada em Podemos, sob o comando da atual presidente, e começou a arquitetar a candidatura de Alvaro Dias à Presidência, que terminou com 0,8% dos votos no primeiro turno.

Pelo Podemos, também passaram parlamentares, como o pastor Marco Feliciano, expulso por apoiar Bolsonaro em 2018, e a ex-juíza Selma Arruda, eleita por Mato Grosso em 2018 sob a alcunha de "Moro de saias" e defenestrada do Senado após ser condenada por caixa dois no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

'aberração'

A deputada federal Renata Abreu afirmou ao Estadão que "não há nem houve qualquer candidatura laranja no Podemos de São Paulo". "Tenta-se com este processo considerar todas as candidaturas que não tiveram recursos financeiros partidários como laranjas, uma aberração do ponto de vista jurídico, que só tem o propósito de polemizar", disse.

Luiz Claudio Freire de Souza França afirmou que a ação penal que responde na Operação Caixa de Pandora "está em primeira instância, com defesa nos autos". Ele se diz confiante na Justiça e afirmou que a ação por improbidade prescreveu. A ex-deputada Clélia Gomes e o advogado Laércio Benko não foram localizados. Nos autos, suas defesas negam desvios. O Estadão não localizou Clébio Lopes Pereira e o ex-deputado Francisco Floriano. O presidente do Podemos no Rio, Patrique Welber, se negou a responder os questionamentos da reportagem. Renata Abreu disse que o "Podemos já retirou do partido pessoas com condenações e assim vai proceder, desde que respeitado o direito de defesa e o devido processo legal".

Moro define nesta semana se será candidato, afirma partido

O ex-ministro e ex-juiz Sérgio Moro mantém silêncio sobre sua filiação e possível candidatura ao Palácio do Planalto. O Podemos acredita que essa definição seja sacramentada no início desta semana. A interlocutores, ele tem dito que só poderá tratar publicamente dos seus planos na política após encerrado o contrato com a consultoria Alvarez & Marsal, que tem sede em Washington, onde Moro reside atualmente.

"Moro vai definir no dia 01 de novembro. O Podemos já o convidou para disputar a Presidência", afirmou ao Estadão a deputada federal e presidente do Podemos, Renata Abreu. A relação de Moro com a legenda foi construída a partir da amizade com o senador Alvaro Dias (PR). Entusiasta da Operação Lava Jato, o parlamentar tentou a Presidência em 2018 anunciando o então juiz como futuro convidado a ser seu ministro da Justiça, caso eleito.

Discretamente, porém, Moro intensifica conversas com representantes do centro político, onde sonda nomes para uma futura equipe de campanha.

Pauta

Sua preocupação é em ampliar o leque de bandeiras para além da pauta anticorrupção. A princípio, não há indícios claros de que a provável investida eleitoral do ex-juiz possa ser acompanhada por outros protagonistas da Lava Jato.

Procuradores também já foram consultados por partidos para disputar as eleições de 2022. No entanto, afirmam que as conversas nunca avançaram. Fora da força-tarefa, Deltan Dallagnol, ex-coordenador do grupo, disse que nunca se sentou "com qualquer partido para conversar concretamente sobre o assunto". Deltan, contudo, tem participado do debate político por meio de palestras e videoconferências.

Aposentado do MPF, o agora advogado Carlos Fernando Santos Lima afirmou que "não fecha as portas para a participação na política", mas que, a princípio, não pretende e não foi procurado por nenhum partido. "Minha posição não é necessariamente a favor de uma candidatura de Sérgio Moro ou não. Sou a favor de uma candidatura viável, de terceira via", disse ao Estadão . 

Estadão / Estado de Minas

Clube dos negacionistas paga preço por rejeitar ciência na pandemia

 



No início da pandemia, eles formavam a "Aliança do Avestruz", clube informal de líderes que optaram por enfiar a cabeça no chão e fingir que o coronavírus era uma gripe passageira. Hoje, com a vacinação e a redução das contaminações, a estratégia parece ter sido um tiro n'água. Donald Trump saiu das urnas derrotado nos EUA. Jair Bolsonaro foi acusado de charlatanismo e crimes contra a humanidade no Brasil. E o presidente da Tanzânia, John Magufuli, morreu de covid.

O grupo reúne ainda outros populistas - de esquerda e de direita -, como Andrés Manuel López Obrador, do México, o britânico Boris Johnson, Daniel Ortega, na Nicarágua, e os ditadores Alexander Luka-shenko, de Belarus, e Gurbanguli Berdymukhamedov, do Turcomenistão. Até agora, Bolsonaro é o único acusado formalmente de crimes durante a pandemia.

A reação é variada, segundo analistas, porque depende da reação ao negacionismo em cada sociedade. "Há fatores que fazem com que a taxa de aprovação de um governo reaja de forma mais ou menos sensível à posição negacionista de um governante, como a presença de uma oposição coesa, uma sociedade civil vibrante e instituições funcionais capazes de articular propostas alternativas e de incentivar a correção de curso, quando necessário", disse Oliver Stuenkel, professor de relações internacionais da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP).

Essa tendência é observada quando comparados os casos de líderes negacionistas em países democráticos e autocracias. Bolsonaro passou pelo escrutínio de uma CPI e a condução da pandemia foi um fator determinante para a derrota de Trump, em 2020. Mas em regimes autoritários, que mantêm uma fachada democrática, a contestação é quase nula.

Paralelos .

"É impossível listar todos os absurdos ditos por esses demagogos populistas e tiranos. Todos os líderes mundiais cometeram erros, mas há algo realmente nefasto nas manipulações desses líderes mais infames", escreveu Frida Ghitis, colunista do Washington Post , ao tentar apontar quem foi o pior desempenho.

No Turcomenistão, Berdymukhamedov, que durante a pandemia recomendou a inalação de uma erva contra a covid e proibiu o registro de casos e menções à doença no país, foi reeleito para mais um mandato com 98% dos votos, mesmo após 15 anos no poder. Na Nicarágua, Ortega está próximo de conquistar seu quinto mandato como presidente, após prender sete pré-candidatos.

A tendência ao negacionismo científico se manifestou ao longo da pandemia, principalmente, em países autoritários ou liderados por governantes com alguma tendência populista. Alguns paralelos entre populistas e autocratas explicam essa relação, de acordo com Stuenkel. "Uma questão que une essas lideranças é a tentativa de concentrar o poder no Executivo, de estabelecer estruturas decisórias com alto poder no gabinete, e todos possuem algum grau de messianismo, uma narrativa de que só eles são capazes de lidar com os desafios."

Por serem personalistas e centralizadores, projetos com características autoritárias e populistas afastam a possibilidade da revisão das ações adotadas pelo governo, pois funcionariam como uma admissão de culpa dos governos. No entanto, nem todo populista ou autocrata teve uma abordagem negacionista.

Vietnã e China controlaram a pandemia com relativo sucesso, apesar de sistemas políticos fechados, enquanto Reino Unido e EUA, apoiados em mecanismos de freios e contrapesos bem estabelecidos, impediram que atitudes negacionistas se espalhassem e estão entre os pioneiros na vacinação. Boris Johnson, por exemplo, abandonou o clube após passar alguns dias com covid na UTI.

Mudança .

No começo da pandemia, o líder britânico afirmou que a Inglaterra apostaria em uma estratégia de imunidade de rebanho. Após contestações de autoridades médicas e de projeções estatísticas que apontaram a tragédia que ocorreria sem medidas restritivas, Johnson voltou atrás e se tornou um dos primeiros líderes a colocar nas ruas uma campanha de vacinação em massa, em dezembro de 2020.

"No caso de Johnson, houve uma mudança, um processo de aprendizagem. Essa é outra marca registrada de democracias com instituições resilientes, que pressionam os líderes quando eles cometem erros, e há um incentivo para que haja uma correção de curso", afirma Stuenkel.

Na Tanzânia, o negacionismo do presidente Magufuli foi levado às últimas consequências. "O coronavírus, que é o demônio, não pode sobreviver em um corpo de Cristo. Vai queimar instantaneamente", disse ele, no início da pandemia.

Entre maio de 2020 e julho de 2021, o país não registrou nenhum caso ou morte por covid, mas o número de doenças pulmonares disparou. Magufuli se opôs ao distanciamento social e rejeitou as vacinas - que, segundo ele, eram uma "conspiração ocidental para saquear a África".

Em vez da imunização, Magufuli prescreveu uma combinação de inalação de vapor e oração contra o vírus. No começo deste ano, ele adoeceu.

Após sua última aparição pública, em 27 de fevereiro, opositores e jornalistas especularam que ele estaria se tratando da covid-19 no exterior. Magufuli morreu em 17 de março.

Oficialmente, a causa da morte não foi revelada. O governo disse apenas que ele sofria de "problemas cardíacos".

AFP / Estado de Minas

Sem lugar de fala

 




Por Merval Pereira (dir.)

A ida de Bolsonaro à reunião do G20 não tem a menor importância. O importante é ele não ir à reunião mundial do clima na Escócia, da qual depende nosso futuro, e o do mundo. Tanto no G20 quanto na COP26, ele não tem lugar de fala, não tem nada a dizer. Não ir à COP26 é sinal de que o assunto não é prioridade do país. Como explicar que acabou de dar uma pedalada para mudar o critério de emissão de carbono, para poder poluir mais ?

Somos o quarto ou quinto país em emissão de carbono, ao lado de China, Rússia, Índia e Estados Unidos. O Brasil já foi protagonista na discussão sobre meio ambiente, e no esforço de reduzir a emissão de carbono. Hoje é um pária internacional. O país tem uma fonte de riqueza espetacular na Amazônia, e o governo só faz destruí-la, não entende que uma árvore em pé é mais importante economicamente do que derrubada.

O Brasil estaria com a faca e o queijo na mão nesse assunto. Se tem um país no mundo que tem todas as condições, uma matriz energética muito limpa, este é o Brasil. Nossa energia é 80% limpa, renovável com as hidrelétricas, a da China é 60% de carvão mineral, nossa vantagem comparativa é imensa. Para Sérgio Margulis, doutor em economia ambiental pelo Imperial College de Londres e  pesquisador sênior  do Instituto Internacional para a Sustentabilidade (IIS), a racionalidade econômica seria o Brasil puxar por essa agenda, onde temos uma vantagem enorme. “É uma questão econômica, comercial, não tem nada de esquerda ou de direita”, ressalta.

Entre os países emergentes, o Brasil sempre teve presença de destaque nos fóruns internacionais. O Itamaraty tem pessoal técnico bem treinado, sabe puxar a negociação, todos os governos tinham pessoas técnicas sérias à frente do meio-ambiente. Sempre houve uma participação da sociedade civil forte, os ministérios da Ciência e Tecnologia e o do Meio-Ambiente consultavam a sociedade civil, os números eram discutidos, com um razoável grau de transparência o assunto foi levado a sério.

A questão da Amazônia é acompanhada de perto pelo mundo, e a credibilidade do governo é muito baixa. O Brasil está entre os 10 maiores emissores de carbono historicamente, fundamentalmente por causa da Amazônia. Carlos Minc, deputado estadual do PSB e ex-ministro do Meio Ambiente, acha que o governo Bolsonaro chega completamente desacreditado em Glasgow, por suas práticas e destruição ambiental. Desativou o Fundo Amazonia e o Fundo Clima, criado por ele em 2018. O da Amazônia ainda tem à disposição R$ 3 bilhões, paralisados. Minc acusa o ex-ministro Ricardo Salles de ter desviado o objetivo do fundo para indenizar proprietários de terras em áreas protegidas.

“No nosso período, reduzimos o desmatamento em 50% graças ao trabalho de três órgãos institucionais - Ibama, CBRio e Inpe, que foram desmontados e desmoralizados pelo governo atual”. A última pedalada do governo foi recalcular a base das emissões de carbono de 2005, para permitir que o Brasil emita mais 300 milhões de toneladas de carbono equivalente até 2030. A reunião de Paris decidiu que os países não poderiam recuar de seus compromissos, e o Brasil recalculou para mais.

Já Margulis, que trabalhou no Banco Mundial por 22 anos tratando do meio-ambiente em diversos países, entende que se não houver mudança, com a penalização dos países que não cumprirem as metas definidas por eles mesmo na reunião de Paris, “não deve se esperar grandes coisas”.

O mais importante que poderia acontecer, segundo ele, seria os mercados de carbono serem regulados, unificando os critérios para os países e para as empresas que querem reduzir a emissão de carbono, por imagem, por qualquer outra razão. O Brasil teve protagonismo, sim, fomos o primeiro país em desenvolvimento a ter metas de redução das emissões de carbono, em 2009. Antes, já fora aclamado nas diversas convenções que se realizaram sobre o clima e a biodiversidade, tendo um papel de relevo com ministros em governos diversos, do PSDB, do PT e do MDB. Bolsonaro anunciou na Cúpula do Clima do presidente americano Joe Biden que iria duplicar os recursos para o meio ambiente e fiscalização ambiental. Dois dias depois, o orçamento foi cortado em 40%, o desmatamento aumentou 30%.

O Globo

A marcha à ré latino-americana - Editorial




Os avanços sociais obtidos pela América Latina nas últimas décadas já vinham perdendo vigor; agora estão em risco

Avida piorou, as desigualdades voltaram a aumentar e tudo o que se ganhou nas duas últimas décadas está em risco. A América Latina pode ter iniciado uma rota que, se percorrida até o fim, a levará de volta ao século 20 em termos de bem-estar social. O ônus que a pandemia impôs à população mundial parece maior para quem vive na região. É muito pesado o custo humano da pandemia mostrado no estudo Como vai a vida na América Latina?, da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Em alguns países, ações ou inação de governos agravaram a situação que se deteriorava por causa da covid-19, e mesmo antes de sua chegada. No caso do Brasil, incompetência, irresponsabilidade, insensibilidade e, sobretudo, indiferença em relação aos mais carentes caracterizaram a ação do governo Bolsonaro, de longe o melhor exemplo de eficiência para piorar o que já vai mal.

Pode-se estar assistindo a uma dramática mudança na região. Nas duas primeiras décadas deste século, houve avanços notáveis no bem-estar das pessoas que vivem na América Latina. Em média, lembra a OCDE, o gasto com consumo nos lares aumentou cerca de um terço entre 2000 e 2019. A esperança de vida aumentou, da mesma forma que subiram os índices de escolaridade e o número das habitações com acesso à água potável.

O número de pessoas em situação de pobreza absoluta (renda insuficiente para satisfazer suas necessidades de alimentação e moradia) era de 1 para 3 em 2006 (cerca de 33% do total) e melhorou substancialmente, chegando a 1 para 5 em 2019 (20%). A proporção da população com ensino médio completo passou de 34% para 46%.

A América Latina deixara de ser o mau exemplo sempre citado nas organizações econômicas e financeiras internacionais. Desde meados da década passada, porém, o avanço dos indicadores de qualidade de vida e de bem-estar perdia velocidade ou estacava. O fim do auge da alta dos preços das commodities é apontado como o responsável pela mudança de tendência. A pandemia acentuou esse processo. A queda dos índices de satisfação com a qualidade de vida foi mais acentuada na América Latina do que nos países da OCDE. E a redução foi mais notada entre as pessoas vulneráveis: mulheres, jovens, população rural e pessoas com menor nível de instrução.

Os números que mostram a piora do quadro social são expressivos. Por causa da crise, mais 22 milhões de pessoas passaram a fazer parte das que estão abaixo da linha de pobreza na região; no total, em 2020, eram 209 milhões de latino-americanos nessa condição.

Medidas necessárias para combater a pandemia, como o isolamento social, foram especialmente duras para os trabalhadores informais e de renda mais baixa. Os informais formam um grande grupo. Estima-se que 38% dos trabalhadores da região não disponham de nenhum tipo de proteção social.

O fechamento das escolas exigiu soluções como ensino a distância, mas 46% das crianças de 5 a 12 anos vivem em lares sem conectividade e menos de 14% dos estudantes pobres do ensino fundamental dispõem de computador ligado à internet. A pandemia aumentou exponencialmente a demanda por serviços de saúde física e mental, mas cerca de 25% da população latino-americana não tinha acesso a serviços essenciais de saúde quando a covid-19 foi detectada na região.

Esse cenário e as tendências de piora que ele pode estar indicando exigem não apenas a retomada do crescimento econômico, que assegure mais receitas para o setor público e mais renda para as empresas e as famílias. Exigirão dos governos programas sociais voltados para a busca e melhora do bem-estar de suas populações. Indicadores como renda e consumo, trabalho e qualidade do emprego, habitação e saúde, conhecimentos e capacidade profissional, segurança e conciliação entre vida pessoal e profissional, entre outros, precisam ser levados em conta na montagem, execução e aferição de programas com esses objetivos. No caso brasileiro, infelizmente, nada se pode esperar nessa direção de um governo que parece dedicar profundo desprezo pelos dramas vividos pela população.

O Estado de São Paulo

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