Por Merval Pereira (dir.)
A ida de Bolsonaro à reunião do G20 não tem a menor importância. O importante é ele não ir à reunião mundial do clima na Escócia, da qual depende nosso futuro, e o do mundo. Tanto no G20 quanto na COP26, ele não tem lugar de fala, não tem nada a dizer. Não ir à COP26 é sinal de que o assunto não é prioridade do país. Como explicar que acabou de dar uma pedalada para mudar o critério de emissão de carbono, para poder poluir mais ?
Somos o quarto ou quinto país em emissão de carbono, ao lado de China, Rússia, Índia e Estados Unidos. O Brasil já foi protagonista na discussão sobre meio ambiente, e no esforço de reduzir a emissão de carbono. Hoje é um pária internacional. O país tem uma fonte de riqueza espetacular na Amazônia, e o governo só faz destruí-la, não entende que uma árvore em pé é mais importante economicamente do que derrubada.
O Brasil estaria com a faca e o queijo na mão nesse assunto. Se tem um país no mundo que tem todas as condições, uma matriz energética muito limpa, este é o Brasil. Nossa energia é 80% limpa, renovável com as hidrelétricas, a da China é 60% de carvão mineral, nossa vantagem comparativa é imensa. Para Sérgio Margulis, doutor em economia ambiental pelo Imperial College de Londres e pesquisador sênior do Instituto Internacional para a Sustentabilidade (IIS), a racionalidade econômica seria o Brasil puxar por essa agenda, onde temos uma vantagem enorme. “É uma questão econômica, comercial, não tem nada de esquerda ou de direita”, ressalta.
Entre os países emergentes, o Brasil sempre teve presença de destaque nos fóruns internacionais. O Itamaraty tem pessoal técnico bem treinado, sabe puxar a negociação, todos os governos tinham pessoas técnicas sérias à frente do meio-ambiente. Sempre houve uma participação da sociedade civil forte, os ministérios da Ciência e Tecnologia e o do Meio-Ambiente consultavam a sociedade civil, os números eram discutidos, com um razoável grau de transparência o assunto foi levado a sério.
A questão da Amazônia é acompanhada de perto pelo mundo, e a credibilidade do governo é muito baixa. O Brasil está entre os 10 maiores emissores de carbono historicamente, fundamentalmente por causa da Amazônia. Carlos Minc, deputado estadual do PSB e ex-ministro do Meio Ambiente, acha que o governo Bolsonaro chega completamente desacreditado em Glasgow, por suas práticas e destruição ambiental. Desativou o Fundo Amazonia e o Fundo Clima, criado por ele em 2018. O da Amazônia ainda tem à disposição R$ 3 bilhões, paralisados. Minc acusa o ex-ministro Ricardo Salles de ter desviado o objetivo do fundo para indenizar proprietários de terras em áreas protegidas.
“No nosso período, reduzimos o desmatamento em 50% graças ao trabalho de três órgãos institucionais - Ibama, CBRio e Inpe, que foram desmontados e desmoralizados pelo governo atual”. A última pedalada do governo foi recalcular a base das emissões de carbono de 2005, para permitir que o Brasil emita mais 300 milhões de toneladas de carbono equivalente até 2030. A reunião de Paris decidiu que os países não poderiam recuar de seus compromissos, e o Brasil recalculou para mais.
Já Margulis, que trabalhou no Banco Mundial por 22 anos tratando do meio-ambiente em diversos países, entende que se não houver mudança, com a penalização dos países que não cumprirem as metas definidas por eles mesmo na reunião de Paris, “não deve se esperar grandes coisas”.
O mais importante que poderia acontecer, segundo ele, seria os mercados de carbono serem regulados, unificando os critérios para os países e para as empresas que querem reduzir a emissão de carbono, por imagem, por qualquer outra razão. O Brasil teve protagonismo, sim, fomos o primeiro país em desenvolvimento a ter metas de redução das emissões de carbono, em 2009. Antes, já fora aclamado nas diversas convenções que se realizaram sobre o clima e a biodiversidade, tendo um papel de relevo com ministros em governos diversos, do PSDB, do PT e do MDB. Bolsonaro anunciou na Cúpula do Clima do presidente americano Joe Biden que iria duplicar os recursos para o meio ambiente e fiscalização ambiental. Dois dias depois, o orçamento foi cortado em 40%, o desmatamento aumentou 30%.
O Globo