Carlos Alberto Sardenberg
O Globo
Se sabotadores internacionais viessem ao Brasil para criar o caos em nosso sistema tributário — por mais competentes que fossem —, não conseguiriam fazer estrago maior que o feito por aqui mesmo. Comecem pelo Supremo Tribunal Federal. Pois o tribunal aprovou regra que cria a seguinte situação: uma empresa foi ao Supremo e lá obteve sentença dizendo que não precisava pagar a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL); era coisa julgada, isso desde 2007.
Passam-se os anos, e o próprio STF decide que se enganara, aquela CSLL é devida. Ok, mas está óbvio que, durante todos os anos passados, a empresa não cometeu irregularidade alguma ao deixar de pagar um imposto com base em decisão da Corte. Logo, não deve nada e passa a pagar de agora em diante, certo?
ERRADO, DIZ O STF – A empresa tem de pagar tudo lá de trás. Empresas privadas e estatais, apanhadas nessa rasteira suprema, têm feito contas — e os passivos vão a centenas de bilhões de reais. Ora, as empresas deveriam ter provisionado esses recursos, argumentou o ministro Luís Roberto Barroso.
Mas se tratava de uma decisão definitiva da mais alta Corte do país. Se as empresas e as pessoas devem fazer provisões contra o risco de cair uma decisão definitiva, isso significa que todas as decisões não valem nada.
Numa rara manifestação de crítica direta a seus pares, o ministro Luiz Fux mandou ver: “Nós tivemos uma decisão que destruiu a coisa julgada, que criou a maior surpresa fiscal para os contribuintes, um risco sistêmico absurdo”.
PASSOU DOS LIMITES – Dizem que um ministro do Supremo não deve criticar assim uma decisão do próprio STF. Faz sentido, mas — caramba, pessoal — a Corte jogar no lixo uma decisão, repito, definitiva passa dos limites. Mostra como tinha razão a turma que implantou o Real:
— No Brasil, até o passado é incerto.
Ou, como disse recentemente Walter Schalka, presidente da Suzano:
— Hoje as únicas leis que se aplicam no Brasil são as leis de Newton. Nunca se sabe que lei vale para o passado, imagine para o futuro.
VIRADA DE MESA – Pois não se sabe se essa decisão do STF vale para o futuro. No Congresso Nacional, já foram apresentados três projetos de lei que “modulam” a virada de mesa. Um deles abre um Refis (quitação parcelada e com descontos) para empresa que deixou de pagar imposto com base em decisão judicial. Repararam o absurdo? Um quebra-galho para a empresa que fez tudo certo e tomou uma baita autuação.
Outros projetos permitem que a empresa surpreendida pague débitos com créditos tributários, precatórios — recursos a que a empresa tem direito e que poderiam ser usados noutras transações.
O certo seria derrubar a decisão do STF. Dirão: mas o Congresso pode derrubar uma decisão definitiva do Supremo? Ora, vamos falar francamente: definitiva? Isso já era. Agora, imagine a situação da empresa que foi autuada para pagar a CSLL lá de 2007. Paga? Recorre de novo? Espera as votações no Congresso? Óbvio que isso trava projetos e investimentos. Aplicar R$ 1 bilhão numa nova fábrica? E se tiver de pagar esse bilhão para a Receita?
MAIS UMA ARMA – Estava nisso quando o trabalho dos sabotadores ganhou nova arma: a Medida Provisória do governo Lula determinando que, em caso de empate no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), o voto de desempate fica com a Receita Federal. Que, lógico, cravará contra o contribuinte. (Antes, o desempate era a favor do contribuinte).
Há bilhões em disputa no Carf, grande parte decorrente de processos de fusões e aquisições.
Não se trata de malandragem, pois, mas de interpretações diferentes entre contribuintes e Receita. O que não é nada estranho diante da selva tributária.
TUDO DEPENDE… – A Petrobras tem uma pendência de R$ 5,4 bilhões no Carf. Vai pagar? Depende.
Já imaginando dificuldades no Congresso, o ministro Haddad fez um acordo com a OAB mitigando os efeitos da medida, eliminando juros e multas. Mas quem disse que o Congresso vai topar esse acordo? De novo, o que faz a empresa: paga? Recorre? Espera o Congresso?
E a reforma tributária? Bem, está rolando por aí.