Publicado em 2 de janeiro de 2023 por Tribuna da Internet
Bruno Boghossian
Folha
Por quatro anos, Jair Bolsonaro se dedicou a um único projeto: permanecer no cargo com poderes ampliados. Em sua chorosa despedida do governo, o presidente em fuga se viu obrigado a fazer uma melancólica admissão de seu fracasso. O ciclo de Bolsonaro tem a marca de um político que deixou de lado o papel de governante para trabalhar pela própria autoridade.
Ele ignorou funções básicas da administração do país para transformar a máquina pública numa ferramenta a favor de seus desejos.
TUDO AO CONTRÁRIO – Bolsonaro só se interessou pela gestão da economia quando precisou evitar a deterioração de seu poder e ganhar sobrevida na disputa eleitoral. Levou adiante a política de armas porque pretendia intimidar opositores e só insistiu num discurso de liberdade para justificar seus delírios autoritários.
Apeado da cadeira pelo voto e sem força para executar um golpe, Bolsonaro perdeu seu principal propósito. O silêncio de quase dois meses após a derrota na eleição foi o reflexo desse processo de esvaziamento. O discurso no penúltimo dia do ano foi o reconhecimento de que o poder finalmente escaparia de suas mãos.
No pronunciamento de sexta (30), Bolsonaro se esforçou para descrever o baque como uma injustiça. Coloriu um governo de bons resultados (como se o eleitor tivesse errado ao negar a reeleição) e atribuiu a derrota a perseguições (como se as leis não valessem para o político poderoso que ele gostaria de ser).
GOLPE FALHO – Bolsonaro ainda confessou ter vivido o desespero que só acomete os políticos mais apegados à cadeira. Sem deixar margem para muitas dúvidas, ele praticamente assumiu que procurou o caminho para um golpe, mas percebeu que não teria apoio e decidiu bater em retirada.
A sede de poder custou ao país um governo ruinoso, o cultivo do ressentimento e a consolidação do autoritarismo como corrente política de massa.
Bolsonaro deixa esse legado, mas terá que enfrentar o futuro sem um cargo público pela primeira vez em décadas.