Bruno Boghossian
Folha
Um governante omisso pode alcançar a proeza de transformar um problema histórico numa crise grave, praticamente sem fazer esforço. Mas a negligência se torna quase uma virtude quando comparada a ações capazes de produzir uma tragédia. E uma sequência consistente de decisões e estímulo ao garimpo ampliou o risco histórico à saúde indígena
A política do ex-presidente Jair Bolsonaro para os povos indígenas causaria inveja a países liderados por políticos puramente incompetentes. A situação dramática registrada na terra yanomami é o reflexo de uma sequência consistente de decisões tomadas para favorecer atividades ilegais e ampliar a vulnerabilidade dos povos que vivem na região.
ESTRAGOS MENORES – Se Bolsonaro tivesse apenas ignorado programas e órgãos responsáveis pela área, os yanomamis seriam obrigados a conviver com um cenário crítico que conhecem há décadas, mas os estragos teriam sido menores.
O governo não só desmontou essa rede de proteção como deu incentivo a atores que representam uma ameaça à saúde desses povos.
Bolsonaro sempre direcionou um estímulo claro ao garimpo em terras indígenas, mesmo quando essa atividade se dava fora da lei. O presidente e seus auxiliares dificultaram a fiscalização e deram declarações que garantiam impunidade a quem pretendia invadir a região.
IMPACTO DIRETO – Diversos fatores causaram prejuízo à saúde dos yanomamis ao longo dos anos, mas o garimpo ilegal tem um impacto agudo sobre essa população. “É o agravamento de uma crise que tem origens históricas”, diz o médico Paulo César Basta, especialista em saúde dos povos indígenas.
A contaminação por mercúrio, a proliferação de mosquitos transmissores de doenças como a malária, a fuga de animais de caça, o desvio do curso de rios, a restrição do espaço de cultivo de alimentos e a introdução de drogas e álcool nas comunidades são alguns dos efeitos observados nas regiões de garimpo.
Assim como no meio ambiente, na gestão da pandemia e em outras áreas, o governo Bolsonaro escolheu um caminho que ampliou os riscos à população. Sua responsabilidade vai muito além da omissão.
###
NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Não tem desculpa. Segundo o renomado jornalista Jamil Chade, correspondente do UOL em Genebra, o Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos revelou ter alertado insistentemente o governo Jair Bolsonaro sobre a situação daquela comunidade indígena. “Manifestamos nossas preocupações específicas, em inúmeras ocasiões, junto a várias autoridades brasileiras”, declarou o representante do órgão da ONU. (C.N.)