Publicado em 19 de janeiro de 2023 por Tribuna da Internet
Pablo Ortellado
O Globo
A tentativa de golpe de Estado que vimos no domingo 8 de janeiro foi chocante. Precisamos dar uma resposta dura aos golpistas e colocar na cadeia, por uns bons anos, algumas centenas desses falsos patriotas. Tudo dentro do devido processo legal, condenando a partir das evidências, que são abundantes e mostram quem invadiu a sede dos Três Poderes da República, quem depredou e saqueou o patrimônio público e, sobretudo, quem concebeu, organizou e financiou esse ensaio de golpe de Estado.
Os crimes de tentativa de abolir o Estado Democrático de Direito, tentar depor o governo legitimamente constituído, dano ao patrimônio público e associação criminosa seguramente garantirão uma longa estadia para os golpistas nos complexos penitenciários da Papuda e da Colmeia. O movimento golpista foi longe demais, e é preciso colocar um freio nessa gente.
CRISE INSTITUCIONAL – Mas isso não é suficiente. Estamos diante de uma profunda crise de legitimidade das instituições da democracia liberal e do Estado Democrático de Direito. A tarefa de curto prazo é conter e punir o golpismo. Mas precisamos também resgatar a legitimidade das instituições. Uma pesquisa divulgada na terça-feira da semana passada mostra o tamanho do desafio.
A pesquisa foi feita nos dias 8 e 9 de janeiro, logo depois dos ataques, com uma amostra representativa dos brasileiros com mais de 16 anos.
Segundo a pesquisa da Atlas Intel, 18,4% dos brasileiros concordam com “a ação de manifestantes bolsonaristas que ocuparam o Congresso Nacional, o Palácio do Planalto e o STF”. Por esse levantamento, de cada dez brasileiros, dois estão de acordo com a barbárie que aconteceu no domingo 8 de janeiro — uma pesquisa Datafolha deu um número muito menor, de 3% de apoio, mas formulou a pergunta de modo mais enviesado: se o entrevistado era “a favor ou contra essa invasão e destruição dos prédios do Congresso, STF e Palácio do Planalto”.
APOIO AOS VÂNDALOS – As más notícias não param por aí. De cada dez brasileiros, quatro consideram a invasão “parcialmente justificada” ou “totalmente justificada”. Os principais canais de TV transmitiram a invasão do Congresso e o vandalismo ao vivo. O assunto dominou as mídias sociais. Mesmo assim, 38% acharam o que viram “justificado”, segundo a Atlas Intel.
O motivo para acharem o que viram “justificado” se esclarece no restante da pesquisa. Quatro em dez (40%) de novo acham que “Lula não ganhou a eleição”. A desconfiança no resultado das eleições presidenciais atinge quase metade da população. Também quatro em dez (37%) se disseram a favor de “uma intervenção militar para invalidar o resultado da eleição presidencial”, a principal reivindicação do movimento golpista. Se a pesquisa estiver mesmo correta, cerca de 40% dos brasileiros apoiam o golpismo.
Acreditávamos que o voto em Bolsonaro era, em grande medida, alimentado pelo antipetismo, de maneira que haveria dois grupos claramente separados de eleitores de Bolsonaro: os bolsonaristas radicais — perigosos mas minoritários — e uma maioria de bolsonaristas de ocasião que votaram no ex-presidente para evitar o PT, aceitando o jogo do “eu ou ele” da polarização.
TESES GOLPISTAS – A pesquisa da Atlas Intel sugere que os eleitores de Bolsonaro estão bastante unidos na aceitação das duas principais teses golpistas: as eleições fraudadas e a necessidade de uma intervenção militar para “restaurar a democracia”. Isso fica patente quando olhamos a distribuição das respostas entre os subgrupos de eleitores de Lula e Bolsonaro: 90% dos eleitores de Bolsonaro acham que Lula não ganhou as eleições (apenas 2% dos eleitores de Lula acham o mesmo); 81% dos eleitores de Bolsonaro são a favor de uma intervenção militar (ante apenas 3% dos eleitores de Lula).
Nossa situação é parecida com o que aconteceu nos Estados Unidos depois que Donald Trump também contestou sem provas o resultado das eleições presidenciais americanas, e uma turba invadiu o Congresso.
Desde então, pesquisas têm apontado que entre 29% e 40% dos americanos não acham que a vitória de Joe Biden foi legítima — e essa desconfiança é bastante concentrada entre os eleitores que se identificam como republicanos.
PROBLEMAS REAIS – Tanto lá quanto aqui, nossa missão não pode se restringir a identificar e punir os golpistas. Mesmo que os números sejam outros, é preciso reconhecer que os bolsonaristas conseguiram minar a confiança de parcela expressiva da população no sistema eleitoral e na Justiça (também nas instituições culturais, mas essa é outra conversa).
Precisamos de um plano para resgatar a legitimidade das instituições. Ele passa por desmontar a máquina de propaganda do bolsonarismo, mas também por reconhecer que essas instituições têm problemas.
Bolsonaro dá respostas erradas, autoritárias, mas explora problemas reais. Precisamos de reformas. Com urgência.