Publicado em 16 de janeiro de 2023 por Tribuna da Internet
Carlos Newton
Um imenso quebra-cabeças, é preciso paciência para resolvê-lo, mas pouco a pouco as peças vão se encaixando. E já se começa a vislumbrar tudo o que está e sempre esteve por trás da ascensão de Jair Bolsonaro ao Palácio do Planalto, com a cumplicidade dos oficiais-generais, que foram os verdadeiros responsáveis por sua candidatura, incentivada pelo general Eduardo Villas Bôas, comandante do Exército nos governos de Dilma Rousseff e Michel Temer.
A peça que faltava foi descortinada em entrevista a Fernanda Mena, da Folha, pelo antropólogo Piero Leirner, de 54 anos, professor titular da Universidade Federal de São Carlos e que pesquisa as Forças Armadas há quase três décadas.
RELAÇÕES PRÓXIMAS – Sempre se soube das relações próximas entre o então deputado Jair Bolsonaro e o general Villas Bôas. Após ser eleito presidente da República, o próprio Bolsonaro fez questão de deixar isso bem claro, ao discursar num ato público militar, quando, dirigindo-se a Villas Bôas, afirmou que jamais revelaria o que ficara acertado entre os dois.
A essa altura, Villas Bôas já estava muito doente e não podia mais agir diretamente em favor de Bolsonaro, que lhe nomeara assessor do Gabinete de Segurança Institucional, sem precisar comparecer ao Planalto.
Até o fim, Villas Bôas funcionou como um Rasputin imberbe que influenciava Bolsonaro permanentemente. Inclusive, incentivou a própria mulher e a filha a participarem do acampamento diante do Quartel-General do Exército, chamado de Forte Apache.
PROJETO DE PODER – Ao analisar essa conjuntura política, o professor Piero Leirner conclui que o projeto militar de volta ao poder vem de longa data, visando a estabelecer um centro de governo fincado na inteligência militar como grande dispositivo avaliador do Estado e suas políticas no Brasil. “Para isso, é preciso um mega dispositivo de informações e um arcabouço legal que dê blindagem efetiva aos militares”, acrescenta.
O analista destaca a habilidade política dos chefes militares, para se manterem nos bastidores. Diz que, por isso, o modo de ação dos militares é minimizado, como um programa que está rodando e a opinião pública nem percebe direito, porque eles produziram algo extremamente vantajoso para si – um laranja, o ex-presidente Jair Bolsonaro, para que ele absorvesse todos os possíveis erros.
“Tudo é feito em nome de ‘bolsonaristas radicais’. Mesmo os generais que começaram a produzir ameaças foram chamados de ‘generais bolsonaristas’. O uso desse adjetivo faz parecer que se trata de adesão pessoal, e não de um amplo projeto militar de poder”, explica.
O PLANO FRACASSOU – Em tradução simultânea, o fato concreto é que o plano militar fracassou. Só escapamos do golpe porque os estrategistas (?) não obedeceram à velha norma da “hora H, no dia D”. Depois do êxito do vandalismo na noite do dia 12, a mobilização fracassou grotescamente, porque o plano tinha uma falha de origem.
Para disfarçar que se tratava de golpe, Bolsonaro viajou, e o ato final foi programado para o dia 8, já com Lula da Silva no poder. Os estrategistas pensavam (?) que, no desespero, Lula apelaria às Forças Armadas (artigo 142), dentro das quatro linhas. Com o decreto de GLO (Garantia da Lei e da Ordem), estaria justificado o golpe.
Mas Lula tem pavor de militares, verdadeira paranoia. Ficou imobilizado e foi este medo que o salvou. Não houve o golpe, os acampamentos foram defeitos, não há mais justificativa para nada, rigorosamente nada, os militares terão de engolir Lula, o “sapo barbudo”, como dizia Leonel Brizola.
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P.S. 1 – O professor Piero Leirner está corretíssimo. Juridicamente, nada será atribuído aos militares. Mas o “laranja” Jair Bolsonaro terá muito com que se preocupar daqui para a frente.
P.S. 2 – Os militares detestam Lula da Silva. Sabem que ele é um pilantra. Também não perdoam o Supremo, que o trouxe de volta à política, para substituir Bolsonaro, porque os oficiais-generais não conseguiram controlar seu comportamento inconveniente durante o mandato. Ou seja, trata-se de uma situação em que todos reclamam e ninguém tem razão. E a única certeza é de que em outubro deveríamos ter votado na terceira via. Mas quem se interessa? (C.N.)