Publicado em 18 de janeiro de 2023 por Tribuna da Internet
Hélio Schwartsman
Folha
Que o poder sobe à cabeça não é novidade para ninguém. Os romanos já sabiam disso e, na tentativa de minorar os efeitos da “hýbris”, cada vez que um general vitorioso desfilava em triunfo pela cidade eterna, punham um escravo em sua carruagem para cochichar-lhe “memento mori” ao pé do ouvido. “Memento mori” significa “lembra-te de que vais morrer”. Não sei se essa prática instilou humildade em algum césar, mas serve para fazer com que os romanos posem de povo sábio.
Um fenômeno tão ou mais intrigante do que a embriaguez do poder é o do desamparo a que ficam sujeitos aqueles que o perdem.
EXECUÇÃO SUMÁRIA – Nem sempre foi assim. Em tempos antigos, o soberano derrotado numa guerra não podia esperar algo diferente da execução sumária. Mas, desde que inventamos as democracias, cuja marca é a alternância do poder, vemos periodicamente legiões de governantes se convertendo em ex.
Se, em condições normais, já é psicologicamente desgastante constatar que o dom do mando se esvaiu e que supostos amigos desaparecem, esse processo está sendo, para Jair Bolsonaro, muito pior.
Em parte, isso se deve aos problemas de personalidade que tornam o ex-presidente incapaz de aceitar a derrota.
HERANÇA TÓXICA – Um bom pedaço das atribulações, porém, é resultado da herança tóxica que ele deixou. Era meio óbvio que aliados circunstanciais o abandonariam. O presidente da Câmara, Arthur Lira, por exemplo, levou poucas horas para bandear-se para Lula. Mas as encrencas políticas e jurídicas que Bolsonaro plantou fazem com que gente que estava com ele por genuína identificação agora lhe vire as costas.
Até o cara da Havan condenou o ataque aos três Poderes e está desejando sorte a Lula. Não será surpresa se os filhos, para evitar a cadeia, se distanciarem do pai.
O relato da chef de cozinha sobre a última ceia da família na Flórida é esclarecedor. Se eu fosse um ser humano melhor, teria até pena de Bolsonaro.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Como nem todos aqui na Tribuna tomaram conhecimento, o excelente jornalista Hélio Schwartsman refere-se à ceia de Ano Novo da família Bolsonaro em Orlando (EUA). Quem contou foi a chef brasileira Karlota Fonseca, que assinou o cardápio servido na casa do ex-lutador José Aldo. “Eles [Bolsonaro e família] estavam assim, né, no clima de meio que sem clima. Tive que me controlar porque eu cheguei lá eufórica por estar servindo o presidente, mas estava todo mundo caladinho, assim, na sua, sem muito papo”, afirmou Karlota à coluna de Monica Bergamo, relatando o “feliz ano velho” da última ceia presidencial. (C.N.)