Com preocupação 'urgentíssima' sobre urnas eletrônicas, ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, flerta com anedotário da caserna
Por Elio Gaspari (foto)
O general Paulo Sérgio Nogueira, atual ministro da Defesa, flerta com o anedotário da caserna onde brilha a carga da cavalaria ligeira do Lord Cardigan na Batalha de Balaclava. Em 1854, durante a Guerra da Crimeia, ele atacou uma posição da artilharia russa com seus Dragões. Fracassou e perdeu 118 soldados. Em Pindorama, ocupando a função civil de ministro da Saúde, resplandece o general intendente Eduardo Pazuello. Ele precisava mandar vacinas para Manaus e elas chegaram a Macapá, que fica a mil quilômetros de distância.
Há dias, Nogueira expediu um ofício “urgentíssimo” ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), pedindo “a disponibilização dos códigos-fonte dos sistemas eleitorais” para serem examinados por oficiais das Forças Armadas. Desde outubro do ano passado, o Ministério da Defesa tinha em seu arquivo um ofício do então presidente da TSE, Luís Roberto Barroso, informando que “os códigos-fonte dos programas que compõem o sistema eletrônico de votação estão disponíveis para inspeção de suas evoluções, das 10h às 18h, na Sala Multiuso, localizada no subsolo do edifício-sede deste Tribunal”.
Explicando-se, o Ministério da Defesa diz que o “urgentíssimo” do pedido devia-se à proximidade da eleição de 2 de outubro. Verdade, mas era a Defesa quem estava atrasada, como o candidato do exame do Enem que tomou o ônibus errado e corre para fazer a prova.
A Controladoria-Geral da União e a Polícia Federal também receberam o ofício do TSE de 2021 e fizeram seus serviços. A CGU ficou cinco dias na Sala Multiuso em janeiro. A PF, mais equipes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e do Senado, estiveram lá por três dias cada uma. Só quem perdeu tempo foi o Ministério da Defesa, e essa paralisia nada tem a ver com piadas de caserna.
Passado mais de século da Batalha de Balaclava, pode-se perder uma tarde discutindo se o desastre deve ser atribuído a Lord Cardigan, que comandava a cavalaria, ou a Lord Raglan, comandante de todas as tropas, que lhe deu a ordem de atacar. Fica entendido que nenhum dos dois perseguia o objetivo oculto de matar os próprios soldados.
A urgentíssima preocupação do general Paulo Sérgio Nogueira foi mais uma de suas manifestações encrencando com o sistema eletrônico de coleta e totalização dos resultados eleitorais. Em abril, quando o ministro Barroso queixou-se das dúvidas levantadas por oficiais sobre o sistema eletrônico de coleta e totalização dos votos, o general viu na cena uma atitude “irresponsável” e “ofensa grave”. Barroso poderia ter ficado calado, mas não havia ofensa em suas palavras, nem ele é um “irresponsável”.
Os militares que acompanhavam o trabalho do TSE haviam feito 88 perguntas sobre o processo de apuração, e o TSE respondeu com um documento de 700 páginas, mostrando que em alguns casos as dúvidas partiam de premissas erradas. Por exemplo: não existe “sala escura” de totalização, e ela pode ser livremente auditada. Não se conhece tréplica de qualquer crítico do processo.
É sabida a crítica do presidente Jair Bolsonaro às urnas eletrônicas. Até hoje ela carece de provas e está prejudicada pela ocasião, pois é recente. Desde 1996, quando foram instituídas as urnas eletrônicas, Bolsonaro e seus filhos disputaram vinte eleições e venceram em dezenove. Flávio Bolsonaro perdeu a Prefeitura do Rio em 2016 quando não chegou ao segundo turno, porque teve apenas 14% dos votos.
As dúvidas do ministro Paulo Sérgio devem ser levadas em conta enquanto ficam dentro das quatro linhas do ordenamento jurídico e dos parâmetros técnicos do sistema. Fora daí, não há salvação.
Faz tempo, na eleição de 1965, quando as eleições eram feitas com cédulas de papel, um soldado da brigada paraquedista foi mobilizado para sequestrar as urnas que estavam no Maracanãzinho. A patrulha foi dissolvida. Afinal, o presidente Castello Branco queria respeitar o resultado.
O fator Riocentro
Quando a indisciplina militar flerta com ações voluntaristas, corre o risco de entrar na metodologia do Riocentro.
Aceitando-se uma versão plausível para o que se pretendia naquela noite de abril de 1981, aconteceria o seguinte: uma equipe jogaria uma bomba na casa de força do centro de convenções onde se realizava um show organizado por uma entidade esquerdista. Cortada a luz, explodiria outra bomba no estacionamento.
Aconteceu o seguinte: a bomba jogada contra a casa de força explodiu perto da cerca, sem cortar a energia. Se cortasse, nada aconteceria, pois o Riocentro tinha gerador.
A outra bomba explodiu no estacionamento, dentro do Puma do capitão do DOI, no colo do sargento que o acompanhava. O sargento morreu, e o capitão ficou gravemente ferido.
A bomba destinada a assustar a esquerda virou um pesadelo para o governo e o regime.
Tecnologia
O ex-secretário de Ciência e Tecnologia da Prefeitura do Rio William Coelho está no seu terceiro mandato de vereador, e a polícia suspeita que esteja envolvido com uma quadrilha que, entre outras malfeitorias, pretendia furtar trilhos do metrô.
Isso é que é estar ligado nos avanços da tecnologia.
Bolsonaro e a energia limpa
Jair Bolsonaro gosta de soluções criativas. Já se apaixonou pelo nióbio e pelo grafeno. No campo da ficção, com a cloroquina. Na vida real, ele se orgulhou porque o Brasil tem potencial para produzir o equivalente a 50 usinas de Itaipu aproveitando a energia eólica dos ventos.
É verdade, mas o repórter Robson Rodrigues mostrou que 55 processos para instalação de parques eólicos no mar estão presos na burocracia federal. Eles tramitam no Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). A experiência ensina que é melhor respeitar o Ibama.
Como o Instituto passa por um período de falta de quadros e a energia eólica depende de detalhes na sua regulamentação, o melhor a fazer seria decretar uma trégua para o bem de todos.
Respeitando-se o meio ambiente e barrando projetos de picaretas, pode-se prestigiar o Ibama e acelerar o ritmo da burocracia, estimulando a apresentação de projetos.
O Brasil já produz mais que duas Itaipus aproveitando a energia do Sol e dos ventos. Bolsonaro cortou o caminho dos maganos que queriam taxar a luz do Sol.
O sinal de Kassab
Na quinta-feira, acendeu-se mais um sinal de perigo na campanha de Bolsonaro:
Gilberto Kassab admitiu a hipótese de vitória de Lula no primeiro turno.
O cacique do PSD é o sucessor do deputado Thales Ramalho (1923-2004) com sua capacidade de prever resultados de eleições.
Madame Natasha
Madame Natasha encantou-se com a afirmação do ministro Paulo Guedes, para quem o teto de gastos “é retrátil”.
A senhora só conheceu teto retrátil do cinema Ideal, na Rua da Carioca. A audácia vocabular do ministro ecoa Roberto Campos, seu antecessor do século passado. Quando suas previsões econômicas não se confirmavam, ele dizia que havia acontecido uma “reversão das expectativas”.
O Globo