O Brasil precisa de Forças Armadas respeitadas, competentes, que sejam e passem a imagem de respeito às instituições democráticas nas urnas
Por Cristovam Buarque* (foto)
De tanto elas terem servido para reprimir práticas democráticas internas, sem guerras externas, começa a surgir na juventude um sentimento contra as Forças Armadas, especialmente o Exército. Este sentimento não é bom para o Brasil, pelo menos antes que surja uma desmilitarização de toda a América Latina e da África Atlântica, além de uma pacificação mundial, que permitam deslocar os gastos militares para outras prioridades, tais como erradicação da pobreza, educação, saúde, segurança interna. Difícil disto ocorrer, e se ocorrer, será quando a ciência e a tecnologia fizerem as armas obsoletas e a moral fizer a consciência humana superar conflitos. Até lá, o Brasil precisa de Forças Armadas respeitadas, competentes, que sejam e passem a imagem de respeito às instituições democráticas nas urnas. Por isto, precisamos ajudar os militares nesta direção.
Corporativamente, eles não encontrarão este caminho: a formação, a história e o atavismo da mente militar brasileira, diferente de outros países, fazem com que nossos soldados desconfiem de que os políticos civis são corruptos, incompetentes, pouco patriotas e comunistas, embora não se saiba mais exatamente o que isto significa. Até certo ponto, os militares têm razão. Por isto, a primeira maneira de ajudar os militares a ter prestígio junto à população é mudar o comportamento dos políticos: partidos com causas voltadas para construir um país eficiente, justo, soberano, sustentável; eleitos idôneos que coloquem o interesse público na frente dos interesses pessoais. Se querem que os militares respeitem à Constituição, os políticos civis também devem defendê-la e não manipulá-la em benefício próprio.
Precisamos ajudar os militares a mudar a formação de seus cadetes na academia: mostrando-lhes que, no longo prazo, apesar dos erros dos políticos, o Brasil será um país melhor se a participação democrática for mantida, expelindo os maus políticos pelo voto, não por golpes. Fazê-los ver que a maior insegurança do Brasil está na desigualdade social, que decorre da desigualdade como a educação de base é oferecida conforme a renda e o endereço dos pais. Entenderem que cada criança que abandona a escola é um patrimônio nacional perdido.
É preciso ajudar os militares a perceberem o patriotismo por trás dos discursos que propõem reformas para superar a pobreza, distribuir renda, para ter um sistema de educação com a máxima qualidade para todos os brasileiros, independente da renda e do endereço da família, seu CPF e seu CEP. Também ajudará os militares, dar-lhes a percepção de que os civis democratas zelam e usam com respeito os símbolos nacionais.
Os militares precisam ser ajudados a perceberem os riscos trágicos da catástrofe anunciada do armamento de civis, levando obviamente a uma guerra civil de grandes proporções em algum momento futuro. Precisam entender que arma deve ser usada por profissionais: soldados e policiais.
Devem ser ajudados a ver que o desejo de civis por armas é resultado da desconfiança de que polícia e exército são incompetentes para garantir segurança e defesa. E distribui-las aumenta esta desconfiança. Quando muitos tiverem armas, não faltará quem defenda que a Polícia e o Exército são desnecessários. Dirão até que no lugar de gastar bilhões com tanques, melhor o governo distribuir armas para cada pessoa. É preciso ajudar as FFAA a recuperarem o papel de defensoras da soberania e não de políticas subversivas de armamento da população. Uma política que ameaça a instituição militar, da mesma maneira que a recusa ao resultado das urnas ameaça as instituições democráticas.
Os militares precisam ser ajudados a perceberem que a Amazônia não é apenas um território: é a maior floresta e reserva de biodiversidade planetária que ainda existe, porque os outros países já destruíram as suas.
Enquanto a humanidade não jogar as armas para os museus, nós precisamos das FFAA, por isto precisamos ajudar os militares a serem aceitos e respeitados por se transformarem em instituição do Estado a serviço da Nação, e não mais o braço armado do partido e do presidente do momento.
*Cristovam Buarque foi senador, ministro e governador
Jornal Metrópoles