Pedro do Coutto
Muito importante o artigo de Elio Gaspari nas edições de hoje no O Globo e na Folha de S. Paulo, focalizando o apoio de comandantes de Polícias Militares ao presidente Bolsonaro sob o ângulo da hierarquia militar, episódio que, a meu ver, assemelha-se com o que culminou, em 30 de março 1964, com a reunião de João Goulart com sargentos na sede do Automóvel Clube do Brasil, Rua do Passeio, no Centro do Rio.
Elio Gaspari pede atenção para o aspecto que envolve a disciplina militar, cujo princípio inclui as PMs como forças auxiliares do Exército e, portanto, sem autonomia própria, sobretudo para traçar rumos políticos e definir apoios que se chocam com os acontecimentos de hoje.
PRONUNCIAMENTO – Entre esses acontecimentos figura, por exemplo, o pronunciamento do coronel Aleksander Lacerda, da PM de São Paulo, atacando ministros do Supremo e propondo até o sequestro e a prisão de Alexandre Moraes e Luís Roberto Barroso. A investida da PM paulista colide frontalmente tanto com a Constituição do pais, quanto com o regulamento disciplinar do Exército, e só pode contribuir para afastar o apoio de setores do mesmo Exército ao presidente da República.
Tal perspectiva de apoio está nitidamente contaminada pela iniciativa da PM paulista, sobretudo porque o governador João Dória demitiu prontamente o ex-comandante e deu posse também imediata ao seu substituto.
O presidente Jair Bolsonaro isolou-se, portanto, ainda mais na Esplanada de Brasília, principalmente depois que Elio Gasparai relembra uma atitude de rebeldia da PM do Rio quando o atual ministro da Defesa, o general Braga Netto, assumiu o cargo de interventor na Segurança estadual. Gaspari recorda que, informados para receber o interventor, integrantes da PM a muito custo prestaram-lhe a continência reservada aos oficiais generais.
HIERARQUIA – Aqueles que não conhecem o Exército, não é o meu caso porque servi em 1953, dificilmente poderão avaliar as diferenças hierárquicas e disciplinares que predominam e se constituem na grande base da hierarquia militar.
Em 1964, Jango não levou em conta a diferença num cenário que, de fato, tornou-se palco da antevéspera da sua queda. Agora, 57 anos depois, o ex-comandante da PM paulista não leva em conta um aspecto muito mais grave do que o de 1964 ao defender e até propor o sequestro e a prisão do ministro Alexandre de Moraes.
O coronel Aleksandro Lacerda parece ter perdido um ponto de referência não só na estrutura do Exército, mas também no próprio panorama constitucional do país. O resultado, na minha opinião, é mais um ponto de enfraquecimento e isolamento de Bolsonaro na solidão do poder que se acentua para ele. Realmente, defender o sequestro de qualquer pessoa, não fosse ela o ministro do STF, já configuraria um apelo ao crime que se alinha na galeria de atos hediondos e irracionais.
IMPULSOS – Mas, o posicionamento do ex-comandante é outra questão. O essencial é que o Exército jamais poderá aceitar que tenha que seguir impulsos e caminhos traçados pela Polícia Militar. Não que a PM deixe de representar uma força importante na segurança dos cidadãos e cidadãs no combate tanto ao crime organizado quanto no combate ao crime desorganizado que reflete a falta de estrutura de poderes estaduais como a reportagem da TV Globo no Jornal Nacional de terça-feira deixou claro ao focalizar e realçar o poder de milícias associadas com fontes de corrupção de agentes da ordem que se transformam em agentes da desordem.
Bolsonaro, que recebeu o apoio dos evangélicos de Silas Malafaia, perdeu o apoio de seguidores decepcionados com os rumos do governo na proximidade do 7 de Setembro.