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sábado, agosto 28, 2021

Tempo, senhor da razão

 



Condições de reeleição se deterioram e inflamar e botar bolsonaristas na rua não resolve

Por Eliane Cantanhêde (foto)

Diferentemente do que imaginavam o Planalto, assessores, aliados e bolsonaristas resilientes, o tempo não está contando a favor, mas contra a reeleição do presidente Jair Bolsonaro. Quanto mais 2021 avança e 2022 se aproxima, mais as condições de Bolsonaro se deterioram na política, na economia, na confiança dos cidadãos. Se ele acha que basta incendiar a internet e botar sua turma na rua, pode estar redondamente enganado.

Na análise governista, o pior já teria passado até outubro de 2022. Fim da pandemia, maioria da população vacinada, mortos esquecidos e cada um se virando com suas sequelas. Economia reaquecida, PIB surpreendendo, investimentos a rodo, empresas produzindo, serviços voltando e empregos se multiplicando. Não é bem assim.

Bolsonaro jogou no lixo as bandeiras e o discurso de 2018 e não construiu nada sobre os escombros. Lá se foram o combate à corrupção, a defesa da Lava Jato, a “nova política” e a ojeriza ao Centrão, arrastando junto a balela de uma política econômica liberal, moderna e reformista. Nada foi colocado no lugar e, enquanto presidente, ele nunca deixou de ser candidato.

Concorrer à reeleição como paladino da moralidade, não dá. Como líder responsável e eficaz na pandemia, nem como piada de mau gosto. Como gestor e chefe do governo, impossível. Como salvador da Pátria, do ambiente, da Amazônia, da educação, da cultura, da política externa..., façam-me o favor!

Logo, Bolsonaro precisaria apostar todas as fichas na economia e no ministro Paulo Guedes, mas ele não dá a menor bola para uma nem para o outro. A previsão do PIB, modesta para 2021, mas animadora para 2022, cai mês a mês. Os investimentos recuam com as crises que Bolsonaro cria o tempo todo. A inflação assusta, os juros sobem a cada reunião do Copom.

Não adianta bater no IBGE, porque a realidade é que o desemprego tem uma recuperação lentíssima e joga famílias inteiras na rua, com pratos vazios. Não custa repetir que, além da questão social, até humanitária, o emprego é o mais político dos indicadores econômicos.

A isso somem-se três fatores que não são consequência direta do Executivo, mas têm peso extraordinário no humor da classe média, que por sua vez tem peso significativo nas eleições: gasolina (perto de R$ 7 o litro da comum), gás de cozinha (mais de R$ 100 o bujão) e conta de luz de lares e empresas (e a crise hídrica e energética ainda não chegou ao pico). “Não adianta ficar chorando”, ministro Guedes?!!

Exatamente por isso, como publicou ontem o repórter Lauriberto Pompeu, com fartura de depoimentos, o Centrão está ressabiado, trabalha com a perspectiva de derrota de Bolsonaro e reclama de Guedes. Ninguém ali está preocupado com macroeconomia, teto de gastos, responsabilidade fiscal, só com o próprio interesse eleitoral, que envolve o pacote clássico do populismo: gastança, programas sociais de ocasião, compra de votos.

Guedes que se cuide, enquanto o Centrão reabre os canais com o expresidente Lula, principalmente no Nordeste, única região em que Fernando Haddad venceu em 2018. Pouco importa se o PP abocanhou a “alma do governo”, com Ciro Nogueira na Casa Civil, e Câmara, com Arthur Lira na presidência. O futuro é muito mais apetitoso do que o presente.

Se o Centrão e o próprio PP já estão se cuidando, imaginem o resto da turma. O bolsonarismo se infiltrou em praticamente todos os partidos do centro à direita, mas todos têm equilíbrio delicado, que pode ser fugaz e depende sobretudo do próprio Bolsonaro. Ele vai de solenidade em solenidade militar, faz agrados às polícias, mantém a tropa bolsonarista unida atacando tudo e todos, mas não percebe o principal: só isso não ganha eleição.

O Estado de São Paulo

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