Publicado em 21 de janeiro de 2021 por Tribuna da Internet
Carlos Newton
A política tem grande número de definições. Deriva da expressão grega “politeia”, que indicava tudo o que se relacionava à polis (cidade-estado) e à vida em comum. Desde sempre, tem a ver com governar, dominar, comandar. Hoje, dizem que seria a administração das relações sociais; a ciência de conduzir os povos; a arte de gerir as diferenças e os conflitos sociais… A lista de definições é praticamente inesgotável.
O pensador francês Voltaire era radical. Dizia que “a política tem sua fonte na perversidade e não na grandeza do espírito humano”. Mais recentemente, o líder chinês Mao Tse-Tung afirmou que “a política é uma guerra sem derramamento de sangue, e a guerra uma política com derramamento de sangue”. Lá atrás, porém, o filósofo grego Platão já liquidara o assunto ao afirmar que “não há nada de errado com aqueles que não gostam de política, simplesmente serão governados por aqueles que gostam”.
ARTE DO CINISMO – Em minha visão pessoal, nesta fase ainda primária em que se encontra a civilização, prefiro classificar a política como a arte do cinismo. E isso não é novidade alguma, todos sabem que não existem relações políticas sem uma forte dose de cinismo e desfaçatez.
No Brasil de hoje, a política se transformou num verdadeiro festival de irresponsabilidades, que inclui improbidade, prevarização e até golpismo. São raríssimos os exemplos de seriedade, como a postura do senador José Reguffe (sem partido-DF).
Quando se elegeu deputado federal em 2010, abriu mão dos salários extras (14°e 15° salários); reduziu o número de assessores a que tinha direito, de 25 para apenas 9; diminuiu em mais de 80% a cota interna do gabinete, o chamado “cotão”; abriu mão das verbas indenizatórias, das passagens aéreas e do auxílio-moradia; rejeitou também o plano de saúde familiar e a previdência parlamentar. E tudo em caráter irrevogável. Nem se ele quisesse, poderia voltar atrás.
EXEMPLO SOLITÁRIO – Jornalista e economista, José Reguffe é um admirável exemplo de dignidade. Como dizia Vinicius de Moraes, se todos fossem iguais a ele, que maravilha viver! A postura firme de Reguffe precisa ser divulgada, para animar os brasileiros a acreditarem na política. Mas quem se interessa?
No momento, tenho esperanças de que os ministros Alexandre de Moraes e Carmen Lúcia levem a bom termo as investigações sobre crimes comuns comprovadamente cometidos pelo presidente.
OS INQUÉRITOS – São quatro investigações que atingem diretamente o presidente da República – uma sobre fake news e outra acerca de ações antidemocracia, que se interligam porque envolvem o gabinete do ódio e o Planalto. Os outros dois inquéritos também estão relacionados, porque envolvem as interferências na Polícia Federal (caso Moro) e o uso da Abin para anular inquéritos contra Flávio Bolsonaro.
Para o impeachment de Bolsonaro, o país depende da atuação desses dois ministros-relatores, cujas decisões devem ser anunciadas em março. E vamos ver se o prevaricador-geral da República, Augusto Aras, terá coragem de arquivar os inquéritos.
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P.S. 1 – O vice Mourão sabe que, na forma da lei, o afastamento de Bolsonaro já é inevitável. Rompido com o presidente há vários meses, Mourão já está jogando o jogo do poder, aguardando sua vez. Para disfarçar, dá declarações a favor de Bolsonaro e de ministros como Pazuello, e tem se excedido nessa prática. O general precisa entender que cinismo tem limite, porque pode ser confundido com falta de dignidade. (C.N.)