Violência contra profissionais da imprensa no interior da Bahia preocupa a ABI
Mais um caso de violência contra a imprensa no interior da Bahia vai parar na delegacia, evidenciando o clima de insegurança que ameaça profissionais do setor, em todo o estado. A cidade da vez é Jeremoabo. O repórter Davi Alves denuncia que foi vítima de agressão física enquanto realizava uma reportagem no município da Mesorregião do Nordeste Baiano, a 378 km de Salvador. Alves atua na Rádio Alvorada FM, em um programa da ONG Transparência Jeremoabo, conhecido na região por fiscalizar a administração municipal.
No último dia 16, ele filmava uma obra no bairro José Nolasco, em Jeremoabo, mas teve a cobertura interrompida. O repórter alega ter recebido denúncia de que recursos públicos estariam sendo empregados em obras particulares. Já no local, ele flagrou um funcionário da prefeitura levando materiais para dentro de um imóvel. No vídeo ao qual a reportagem da Associação Bahiana de Imprensa (ABI) teve acesso, Davi Alves pergunta à proprietária se poderia entrar e ela o convida. A partir daí a filmagem é cortada pela confusão.
“Ao realizar a filmagem, fui surpreendido pela agressão sorrateira do secretário de Infraestrutura e Obras, João Batista dos Santos Andrade, popularmente conhecido por Tista Andrade. Levei um soco forte na parte lateral da nuca. Quase desmaiei”, denuncia. “Ele me agrediu com socos e pontapés, inclusive pelas costas, impossibilitando a minha defesa. Funcionários se juntaram a ele nas agressões. Eu tentei me defender como pude. Ele tem que respeitar nossa imprensa, estamos em uma democracia”, relata Alves.
Depois da confusão, o próprio secretário João Batista se dirigiu até a delegacia e registrou Boletim de Ocorrência. Um inquérito policial foi instaurado para apurar o caso. Tanto Davi quanto o gestor municipal passaram por avaliação médica, sendo constatadas lesões corporais leves. De acordo com o advogado Antenor Idalécio Lima, que representa Davi Alves, seu cliente e o secretário seriam ouvidos novamente na quarta-feira (23), mas a oitiva foi adiada e ainda não tem data para acontecer. Dentro de 30 dias, a ocorrência será finalizada. “Quem iniciou foi o secretário, incomodado com a atividade da imprensa, por causa da filmagem. Davi estava de costas quando foi atingido”, disse.
À ABI, João Batista Andrade negou as agressões contra o repórter e deu a sua versão sobre o vídeo do momento em que Davi é golpeado e o celular cai. “Eu não o atingi por trás, inclusive, ele me acertou primeiro. Eu estava acompanhando o trabalho da equipe na construção da praça do bairro José Nolasco, quando esse cidadão que se diz repórter chegou e começou a gravar um vídeo sensacionalista, buscando denegrir (sic) a imagem da gestão atual com palavras pejorativas”, argumentou. “Ora, se existia uma ‘denuncia’ como ele diz e o responsável estava presente no local, por que ele não buscou primeiro informações sobre o caso?”, indagou. Segundo ele, Davi abriu o vídeo classificando a gestão municipal como “desastrosa, incompetente”.
“O que sei é que quando fui procurá-lo para questionar sobre o vídeo, ele me afrontou, aparentemente alcoolizado e buscando problemas. Veio para cima de mim. Eu, como qualquer pessoa, apenas me defendi. Vale ressaltar que também fui agredido, tendo no boletim de corpo de delito (consulte aqui) ferimento no nariz, dedo anelar da mão direita e escoriações nos braços”.
Questionado se teria provas de que o repórter estava sob o efeito de álcool, ele respondeu: “Está no laudo do médico que atendeu ele e várias testemunhas do hálito forte de álcool. Você sabe que, pela Lei Seca, não é necessário exame, apenas testemunhas da situação”, disse. O exame de Davi Alves, no entanto, não confirma essa informação. O secretário revelou ter acionado a justiça contra Davi Alves.
- Relembre: É proibido filmar?
O caso provocou o repúdio da Associação Brasileira de Imprensa (ABI). A entidade publicou no dia seguinte à agressão uma nota na qual “condena, com veemência, a agressão sofrida pelo repórter”. A ABI enviou ofícios ao secretário da Segurança Pública da Bahia, Maurício Barbosa, e ao prefeito de Jeremoabo, Derisvaldo José dos Santos, cobrando a apuração da violência contra Davi Alves e a adoção de medidas para garantir a liberdade de expressão naquela cidade.
De ponta a ponta
Tradicionalmente, os estados localizados no Norte e no Nordeste do Brasil são os mais críticos no quesito violência contra jornalistas, que são expostos à insegurança, à presença do narcotráfico e a uma pressão política muito forte. Mais comuns que os assassinatos são os casos de intimidação, ameaças e agressões, que atingem o direito de informação e restringem a liberdade de expressão e de imprensa. O quadro intensifica os chamados “desertos de notícias”, que impactam principalmente cidades do interior.
Mais recentemente, uma jornalista foi hostilizada depois de escrever reportagem em Ibicoara. Assim que as fotos de um evento de inauguração começaram a circular nas redes sociais, moradores de Ibicoara, na Chapada Diamantina, dispararam protestos. Centro das atenções nas fotos, o prefeito Haroldo Aguiar resolveu comemorar suas realizações no distrito de Mundo Novo, descumprindo o próprio decreto no qual proíbe aglomerações, como medida de enfrentamento à Covid-19. A repórter que denunciou o fato teve o telefone pessoal divulgado pelo executivo municipal na internet e foi alvo de ataques virtuais após a publicação da matéria. Jornalistas se manifestaram em solidariedade à colega, através de mensagens em grupos online e nas redes sociais.
Outro caso foi o da jornalista Raquel Santana, produtora, editora e apresentadora do Direto ao Assunto, da Rádio Moderna FM. A profissional iniciou a apuração de uma pauta sobre gastos da Câmara Municipal de Luís Eduardo Magalhães, município separado de Salvador por mais de 13 horas. “Cometi um erro de cálculo na matéria. Pesquisei dados no Tribunal de Contas do Município e divulguei um gasto de R$ 9 milhões de publicidade, quando na verdade eram R$ 400 mil no período de 2017 a 2020. O presidente da Câmara, vereador Reinildo Nery, tentou me intimidar no whatsApp no dia 2, prometendo mostrar que eu estava errada e mandou no dia seguinte três advogados até a rádio, meia hora antes de o programa entrar no ar, com ameaças de processos judiciais”, relata a jornalista.
De acordo com ela, a direção da rádio não permitiu a participação dos advogados porque eles não avisaram previamente e solicitou um pedido formal de direito de resposta. “No texto, eles dizem que os deixei 30 minutos esperando para me maquiar. Considero um ataque à minha condição de mulher. Outros dois colegas da imprensa divulgaram os mesmos números e foram poupados. Apenas eu, mulher, negra e jornalista profissional fui atacada”, conta. “Vou embora da cidade, pois não me sinto segura. Esse assunto está me dando crise de pânico”, disse.
Uma coletiva de imprensa foi realizada no dia 4 de setembro (assista aqui). Durante a sessão, funcionários da Casa explicam o erro cometido na matéria e o presidente afirmou que não ter feito ameaças à jornalista. “Eu só disse no áudio que tudo aquilo que ela estava falando desta Casa não era verdadeiro. Não teve uma palavra minha desrespeitando a senhora Raquel. Nunca fiz uma ofensa a nenhum cidadão”, afirmou Reinildo Nery. “As pessoas que foram lá atenderam a um pedido da rádio, foram dar uma satisfação à sociedade”, justificou. Aos 38 minutos e 50 segundos do vídeo, é possível acompanhar o pronunciamento do presidente da Câmara durante a coletiva.
“A Bahia já figurou como vergonhoso destaque na lista dos lugares mais perigosos do mundo para o trabalho da imprensa e nós não permitiremos que essa marola de agora se transforme em nova onda de violência, como ocorreu em fins da década de 1990”, assegurou o jornalista Ernesto Marques, presidente da Associação Bahiana de Imprensa (ABI). Segundo o dirigente, além de resgatar o convênio com a Seção Bahia da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-BA) e sindicatos de jornalistas e radialistas, a ABI vai propor a criação de uma rede solidária de comunicadores, para acompanhar esses três primeiros casos e outros que surjam. “Daremos a maior visibilidade possível a cada agressão ou ameaça, bem como acompanharemos as providências das autoridades policiais”, garante Marques.