Villas-Bôas Corrêa
Não se pode negar ao presidente Lula, apesar das muitas contradições da coleção do segundo mandato, credibilidade à sua tardia, mas ainda oportuníssima, indignação, que valorizou o encontro informal com os quatro senadores dos aliados do PDT, no palco adequado do Palácio do Planalto.
Os senadores pedetistas Cristovam Buarque (DF), Osmar Dias (PR), Jefferson Peres (AM) e Patrícia Sabóia (CE) atenderam ao convite do ministro das Relações Institucionais, José Múcio Monteiro, para a conversa com Lula. E não tiveram papas na língua na provocação direta – por certo que previamente combinada – e formalizada ao declararem que o partido desaprovava a iniciativa de parte do PT, de apoiar a anunciada emenda constitucional que destrava a portinhola para o terceiro mandato dos sonhos petistas.
Lula rebateu de pronto, negando o seu interesse por mais quatro ou cinco anos de um bis da reeleição. O senador Cristovam Buarque não se deu por satisfeito, insistiu:
– Mas o senhor não quer mesmo?
E arrancou do presidente a mais categórica declaração contra a manobra urdida nos conchavos do baixo clero, com o estímulo da turma de sempre da bancada do PT:
– Mesmo que o PT viesse me pedir para apoiar o terceiro mandato, eu não aceitaria.
Emendou, subindo o tom às alturas da ameaça:
– Eu rompo com o PT se o partido começar a pregar o terceiro mandato. Não tenho nada com isso.
Com a ressalva da prudência e o tempero da longa atividade política, os senadores pedetistas deixaram o gabinete do Palácio do Planalto convencidos de que Lula não quer entrar na aventura de um terceiro mandato. Ora, se o presidente mereceu o crédito de quatro senadores e testemunhas, suas afirmações enfáticas fazem jus à confiança da opinião pública e da imprensa. O que não exclui o dever da especulação sobre a meia-volta na marcha da cadência batida da manobra para mais quatro ou cinco anos de novo mandato, embrulhado no papel pardo da reforma política.
A afobação dos principiantes, ou dos que não aprendem nunca, pode botar a perder uma manobra de longo alcance, com prazos certos para os avanços e o espaço para o recuo. Lula não pode reclamar dos que enxergam no risco das suas desembaraçadas manobras o ensaio preliminar de campanha eleitoral, cujo lance seguinte desobstruiria as trilhas para a alternativa de uma candidatura petista ou, remotamente, para o terceiro mandato.
Pois, que outra justificativa lógica pode ser invocada para o presidente que modifica a agenda da sua rotina para encurtar o pequeno espaço reservado para o maçante ramerrão de despachos com ministros e raros secretários? Que não tem nada de novo a propor ou anunciar e dedicar semanas para as caravanas de visita às obras do Plano de Aceleração do Crescimento, o PAC da sigla enxuta para os marqueteiros popularizarem na campanha?
Para não deixar frestas que estimulassem a ousadia de penetras, apresentou ao distinto eleitorado a candidata da vez, a ministra Dilma Rousseff, logo batizada como a Mãe do PAC. Resmungos, críticas sussurradas de áreas petistas não foram levadas a sério: Wilma era a candidata prioritária para 2010. E Lula é maior do que o PT, que sempre carregou na cacunda em todas as eleições. E que só tem dado desgosto com a gana e o despudor com que se enlameia na série de escândalos de grossas patifarias.
O pecado imperdoável do uso e abuso dos cartões corporativos, para o pagamento de compras injustificáveis, abriu um fosso sem fundo no plano da candidatura da ministra. E suas reações intempestivas encaroçaram o angu.
Lula puxou o freio de mão. Para dar um tempo. Mas, acima das previsões de astrólogos, das pesquisas, das análises de sociólogos e palpiteiros, a crise do dossiê, com a sua mancha podre, expõe o amplo painel da decadência dos costumes políticos, do abastardamento da disputa do poder e da decomposição ética, moral e funcional dos três poderes.
A começar pelo Congresso no mais oprobrioso período dos últimos anos. Só um Legislativo sem a consciência do seu papel na democracia consegue conviver com as práticas desqualificantes das mordomias, as vantagens, a madraçaria da semana de dois a três dias de quorum para nada, com uma CPI que recrutou no anonimato do baixo clero a segurança de que nada será apurado e que justifica os temores de que pegue carona no terceiro mandato.
Não sei o que vem por aí. Mas há um cheiro de podre no ar.
Fonte: JB Online
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