Reza o artigo 2º da Constituição que são poderes da União, "independentes e harmônicos entre si", o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. O dispositivo é sempre citado por parlamentares, por ministros e pelo próprio presidente da República quando criticam o Judiciário de extrapolar suas competências e agir como se fosse legislador. Ainda recentemente, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou – ao defender o lançamento de programas e obras de seu governo em solenidades consideradas de caráter eleitoreiro – que o Judiciário e o Legislativo deveriam "meter o nariz apenas nas coisas deles". E acrescentou: "Se cada um ficar em seu galho, o Brasil tem chance de ir em frente".
A lembrança de um dos princípios mais fundamentais da Carta de 1988 é oportuna neste momento em que os ânimos se exaltam em conseqüência do veto presidencial ao artigo do projeto de lei aprovado pelo Congresso que obriga os sindicatos, federações, e agora também as centrais sindicais, a submeterem ao crivo do Tribunal de Contas da União (órgão auxiliar do Congresso Nacional) a aplicação dos recursos provenientes das contribuições sindicais obrigatórias.
Nas razões do veto, o presidente da República acentuou que o dispositivo violaria inciso do artigo 8º da Constituição, segundo o qual "a lei não poderá exigir autorização do Estado para a fundação de sindicato (...), vedadas ao poder público a interferência e a intervenção na organização sindical". Ainda de acordo com o presidente da República, no exercício de seu poder de veto, a Lei Maior "veda ao poder público a interferência e a intervenção na organização sindical, em face do princípio da autonomia sindical".
Pois bem. Parlamentares oposicionistas já falam em "ir ao Supremo" a fim de questionarem o veto presidencial. Partem de uma premissa equivocada. Esquecem-se de que simplesmente não existe, no caso, nenhuma medida judicial a ser proposta. A derrubada de um veto do chefe do Executivo é competência exclusiva do Congresso, que tem um prazo de 30 dias, a contar de seu recebimento, para rejeitá-lo pelo voto da maioria absoluta dos deputados e senadores, em votação secreta.
O que se pode e deve esperar do Supremo Tribunal Federal – além da apreciação de uma eventual ação de inconstitucionalidade contra a lei, depois de sancionada, mantido ou não o veto – é que julgue e acolha, o mais rápido possível, a ação de argüição de descumprimento de preceito fundamental (Adpf nº 126) ajuizada pelo PPS, em dezembro último, cujo objetivo é simplesmente fulminar o desconto obrigatório do imposto sindical em folha.
A ação do PPS, assinada pelo presidente do partido, o advogado e ex-senador Roberto Freire, tem como base os incisos 20 do artigo 5º e 5 do artigo 8º da Constituição, que dispõem, respectivamente: "Ninguém poderá ser compelido a associar-se ou permanecer associado" e "ninguém será obrigado a filiar-se ou a manter-se filiado a sindicato". O autor da ação, que está à espera do necessário parecer do procurador-geral da República, e tem como relator o ministro Celso de Mello, reconhece que a Carta prevê a existência do chamado imposto sindical, sem que haja, no entanto, "qualquer referência à obrigatoriedade da contribuição". E assinala que é a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), fruto de um decreto-lei de 64 anos, assinado pelo então ditador Getúlio Vargas, que tornou a contribuição impositiva.
Este, sim, é um tema a ser apreciado pelo STF – e não a provocação de parlamentares que buscam resolver, na mais alta Corte do país, problemas a serem solucionados pelo Congresso.
Fonte: JB Online
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