Por: Carlos Chagas
BRASÍLIA - A partir de agora, será esperar mais uma etapa na trama, mais um capítulo nessa novela de horror, provavelmente saber qual dos institutos de pesquisa de opinião eleitoral sairá na frente, fazendo a mais simples pergunta da atualidade: "Concorda com um terceiro mandato para o presidente Lula?" Ou outra mais direta ainda: "O presidente Lula deve continuar no governo?"
Pode ser o Ibope, pode ser o Sensus, quem sabe será o Datafolha, que no final do ano passado formulou a indagação por via transversa e confundiu os consultados, perguntando sobre mudanças na lei. Porque não dá mais para negar que os atuais detentores do poder chegaram à conclusão de não haver outra saída, se desejam preservá-lo.
Para não entregar o ouro aos tucanos, só o Lula ficando. Os institutos de pesquisa vinham, nos últimos meses, fazendo o jogo dos continuístas, que é de não tocar no assunto antes de 2009. A natureza das coisas, porém, acaba de prevalecer outra vez. A competição entre as empresas fará o resto.
O vice-presidente José Alencar acaba de botar o pescoço de fora, como é de seu estilo desabrido. Defendeu abertamente o terceiro mandato, em entrevista à Rádio Bandeirantes. Sua voz contém mil vezes mais decibéis do que a palavra dos deputados já empenhados na operação. Precipitou-se o vice-presidente? E agora, José, a festa acabou?
Ignora-se a reação do próprio, quer dizer, do presidente Lula, com a precipitação da estratégia prevista para o ano que vem. Terá telefonado para Alencar, admoestando-o? Ou ficou quieto, lavando as mãos?
Tanto faz, porque Lula está sendo sincero ao proclamar que não deseja continuar. O problema é que à sua retaguarda consolida-se a evidência: ou os companheiros, seus aliados e penduricalhos conformam-se em voltar a ser oposição, perdendo as variadas benesses, favores, cartões e nomeações ao seu dispor ou... Ou tratam de criar condições para o presidente Lula permanecer por mais um período.
Faz um ano que estamos alertando para essa possibilidade de golpe de estado. Porque há um ano ficou claro carecer o PT de um nome eleitoralmente viável. José Dirceu e Antônio Palocci evaporaram, Dilma Rousseff anda em rota para a estratosfera, Patrus Ananias, Tarso Genro e Marta Suplicy serão as bolas da vez. Pensar na candidatura de um aliado será promover fundamental racha no PT, além de perigosa aventura, pois, na hipótese improvável da vitória de Ciro Gomes ou de Aécio Neves vestido com uniforme do PMDB, quem garante a lealdade deles aos caprichos dos companheiros?
"Lembrai-vos de Fernando Henrique" pode ser um alerta, já que o ex-presidente aplicou o mesmo golpe nas instituições. Levou o Congresso a votar emenda constitucional permitindo sua reeleição sem mesmo desincompatibilizar-se.
Mudar as regras do jogo depois do jogo começado tem sido uma constante em nossa crônica política, desde os tempos em que Floriano Peixoto ignorou a diretriz constitucional de convocar novas eleições e ficou no lugar de Deodoro da Fonseca até o final do mandato, assinando-se "vice-presidente em exercício". Getúlio Vargas permaneceu quinze anos no governo, presidente provisório, presidente constitucional e, depois, ditador, sem fazer caso dos próprios ucasses por ele baixados.
Nos governos militares, mudava-se a lei ao sabor das conveniências, surgindo até o termo "casuísmo" para justificar as truculências contra a Constituição. Eleições indiretas, prorrogação de mandatos, extensão dos períodos administrativos, fechamento do Congresso e exclusão de apreciação judicial dos atos dos generais-presidentes. Fernando Henrique demonstrou que tudo pode ser feito sem violência, apenas com esperteza.
E agora? Agora, será assistir ao crescimento gradual mas seguro da fórmula que manterá todos onde estão, como alternativa para a chegada da oposição. Mesmo sob a cobertura das negativas de Lula e de suas tentativas de emplacar candidatos que, de antemão, sabe derrotados. Nesse particular, suas campanhas semanais pelo País podem não estar ajudando Dilma Rousseff, mas servem maravilhosamente para sedimentar sua própria liderança exclusiva.
Quando chegar a hora, com plebiscito ou sem plebiscito, será fácil começar a operação pelo último fator: para acabar com a reeleição, execrável experiência, a saída seria aumentar os mandatos presidenciais de quatro para cinco ou seis anos. Começaria uma nova fase do regime, com o apagador passado no quadro-negro. Todos os cidadãos na posse de seus direitos políticos poderiam candidatar-se, sem inelegibilidades. Inclusive ele...
Exagero
Uma idéia meio fundamentalista anda rondando a Câmara dos Deputados, incluída esta semana em projeto de lei relativo à reforma política. Seria determinar à Justiça Eleitoral recusar o registro a quantos candidatos a candidato a postos eletivos estivessem respondendo a processos. Não se fala em tornar inelegíveis cidadãos condenados em última instância, sem direito a novos recursos, mas de punir quem simplesmente foi denunciado sem culpa formada.
Convenhamos, trata-se de um exagero, porque sempre será possível processar um adversário ou um desafeto, encontrando um promotor público capaz de apresentar a denúncia e um juiz em condições de aceitá-la apenas para a apuração fiel da acusação.
Acresce que em torno dessa proposta não ficou explicitado que tipo de processos fulminariam possíveis candidatos. Só processos penais? Fiscais também? Cíveis, administrativos, castrenses? Seria dar aos juízes eleitorais poderes que, com todo o respeito, não devem ser devidos a ninguém.
A moeda tem duas faces
Ninguém duvida do abuso que tem sido a cascata de medidas provisórias editadas pelo governo, em muitos casos sem urgência nem relevância. O Congresso começou a reagir, sendo provável que algum resultado advenha dessa luta onde até o PT forma em oposição ao Palácio do Planalto.
Agora tem um problema: deputados e senadores querem acabar com o dispositivo que tranca as pautas da Câmara e do Senado se, em 45 dias, não tiverem sido apreciadas e votadas as medidas provisórias. Ora bolas, por que não votam em 45 dias, tempo mais do que suficiente para aprovar ou rejeitar qualquer matéria? Se realizassem sessões deliberativas às segundas e sextas-feiras, até aos sábados, se houvesse necessidade, Suas Excelências resolveriam a questão sem debates constrangedores como esse.
Pobres imigrantes
Inglaterra, França, Alemanha, Espanha e Portugal preparam draconiano estatuto para restringir e até deter o ingresso de imigrantes em seus territórios. Andam, os governos desses países, apavorados com o número de infelizes cidadãos, inclusive brasileiros, que para fugir da miséria em seus países de origem conformam-se em aceitar qualquer tipo de serviço. Argumentam que os imigrantes estão tirando empregos de seus naturais. Na verdade, assustam-se com a formação de núcleos culturais distintos em suas principais cidades, enclaves marcados por costumes, hábitos e religiões diversas.
A questão é que, quando necessitavam dessa mão-de-obra barata, dócil e submissa, até estimulavam seu ingresso. Queriam os bônus, melhor seria ver africanos, sul-americanos e asiáticos varrendo ruas e limpando latrinas, recolhendo lixo e lavando pratos. Agora que surgem os ônus, reagem. Isso se chama elitismo.
Fonte: Tribuna da Imprensa
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