Em setembro, o presidente Lula editou a Medida Provisória 394, que se limitava a estender, até 2 de julho do próximo ano, o prazo para o registro de armas de fogo, de uso permitido, em poder de particulares e empresas de segurança privada. Reajusta também as taxas de registro e de renovação de certificados, com base no Estatuto do Desarmamento.
Parlamentares defensores dos interesses da indústria de armas aproveitaram o processo de conversão em lei da MP para desfigurar o estatuto - uma resposta do Estado e da sociedade ao crescente aumento da violência e da criminalidade, sobretudo no que se refere aos índices de mortes por arma de fogo entre os jovens. A MP recebeu, na Câmara, 123 emendas. A maioria com o objetivo de atenuar os rigores da lei.
Vale recordar, neste momento, que as tentativas de partidos políticos, confederações e associações do comércio, da indústria e de policiais de amenizar - e até derrubar o estatuto - começaram no Supremo Tribunal Federal, em ações de inconstitucionalidade que não foram bem sucedidas. Os "armamentistas" pegam agora uma carona na inocente MP 394 para atirar, de novo, na lei de 2003.
Em maio, o Supremo julgou um bloco de 10 ações, das quais a principal - de autoria do PTB e rejeitada à unanimidade - contestava a íntegra do estatuto. Alegava que a lei era iniciativa do Congresso, e não do Executivo, como estaria implícito na Constituição. Naquele julgamento, a Corte considerou inconstitucionais apenas três dispositivos da Lei 10.826.
Um deles tornava inafiançáveis o porte ilegal de armas de fogo de uso permitido (7 votos a 3) e o disparo de armamento ou munição em lugares públicos (6 a 4). Outro proibia a concessão de liberdade provisória aos acusados de posse ou porte ilegal de arma de uso restrito.
Um terceiro referia-se ao comércio ilegal e ao tráfico internacional (9 a 1). Por unanimidade, contudo, manteve o impedimento de aquisição de armas por menores de 25 anos. Na ocasião, o ministro-relator, Ricardo Lewandowski, destacou que a edição do Estatuto do Desarmamento "resultou da conjugação da vontade política do Executivo com o Legislativo". Lembrou que o Congresso aprovou, no ano passado, o texto do protocolo contra a fabricação e o tráfico ilícito de armas de fogo, que complementou a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional.
No debate sobre o dispositivo que tornava inafiançáveis o simples porte ilegal e o disparo em local público de armas ou munições, três ministros foram votos vencidos. Para eles, a Constituição não era limitativa ao considerar inafiançáveis a tortura, o tráfico de drogas, o terrorismo e "os crimes definidos como hediondos". Mas, para a maioria, os princípios da "razoabilidade" e da "proporcionalidade" deviam ser levados em conta, já que tais crimes não eram comparáveis aos hediondos. Foi também rejeitada a proibição de liberdade provisória nos casos de comércio ilegal e porte de arma de uso restrito, em face do princípio da "presunção de inocência" .
Nenhuma lei é intocável. Mas o Estatuto do Desarmamento, já escoimado pelo Supremo Tribunal Federal de umas poucas nódoas inconstitucionais, deve ser protegido do tiroteio promovido, no Congresso, por deputados suspeitos de ligações perigosas com lobistas da indústria e do comércio de armamento.
Fonte: JB Online
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