BRASÍLIA - Depois de se valer por 12 anos da prerrogativa de ser julgado apenas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e às vésperas de uma eventual condenação pela Corte, o deputado Ronaldo Cunha Lima (PSDB-PB) renunciou ao mandato ontem, provocando ainda mais o adiamento de uma decisão. A manobra foi considerada um "escárnio" pelo ministro Joaquim Barbosa, relator do processo contra o deputado. Cunha Lima seria sentenciado na segunda-feira.
Em 1993, quando era governador da Paraíba, Cunha Lima atirou em seu adversário político Tarcísio Burity em um restaurante de João Pessoa. Desde 1995, Cunha Lima vinha exercendo mandatos no Congresso, o que lhe garantia privilégio de só ser julgado pelo Supremo.
O foro privilegiado é criticado porque retarda os julgamentos, pois o STF não tem estrutura para julgar os casos com rapidez. Cunha Lima se elegeu senador e, em seguida, deputado por duas vezes. Ontem, após 14 anos da tentativa de assassinato, Cunha Lima, com a renúncia, decidiu ser julgado por um júri popular.
"Renuncio ao mandato de deputado federal, representando o povo da Paraíba, a fim de possibilitar que esse mesmo povo me julgue, sem prerrogativa de foro, como um igual que sempre fui", disse na carta em que formalizou a decisão. No texto, Cunha Lima pediu que a Câmara informasse a presidente do Supremo, ministra Ellen Gracie.
Às 15h08, o ofício da Câmara foi protocolado no Supremo Tribunal. "Um gesto aparentemente nobre é na realidade um artifício para ganhar tempo e protelar um julgamento", comentou o líder do PSOL, deputado Chico Alencar (RJ).
"Foro preverso"
O ministro Barbosa, que desde 2003 relata a ação penal contra Cunha Lima, acusou-o de usar de todas as manobras para fugir do julgamento. "O ato dele é um escárnio com a Justiça brasileira em geral e com o Supremo em particular. O gesto dele mostra como é perverso o foro privilegiado", afirmou Barbosa.
"Ele tem o direito de renunciar, mas o que ele quis foi impedir que a Justiça se pronunciasse". O que mais irritou o ministro foi que Cunha Lima esperou o tribunal incluir a ação na pauta de julgamento de segunda-feira, 14 anos após crime e 5 depois de começar o processo no STF, para então renunciar.
Dessa forma, todo o trabalho feito por Barbosa e pelos outros ministros que analisaram o caso desde 1994 é jogado fora. Além disso, como o deputado já tem 71 anos, o prazo para prescrição do crime é reduzido. Ou seja, antes de 2013, disseram assessores de Barbosa, o processo será arquivado.
Para que casos como este não se repitam, defendeu o ministro, a lei deveria ser alterada. "O que tem de fazer é acabar com o foro. Só isso", enfatizou. Com a renúncia, o processo contra Cunha Lima será encaminhado para a Justiça da Paraíba, onde recomeçará do zero. "Agora o processo vai lá para a primeira instância e vai durar 10, 12 anos", reclamou Barbosa.
"Espero que haja ministros corajosos e independentes na Paraíba". O deputado é réu confesso e seria, provavelmente, condenado na segunda-feira. O deputado, então, fatalmente seria cassado, pois a Constituição prevê que perde o mandato o parlamentar "que sofrer condenação criminal em sentença transitada em julgado". Além de perder a cadeira na Câmara, teria os direitos políticos suspensos por 8 anos a partido do fim de seu mandato, em 2011.
Fonte: Tribuna da Imprensa
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