Por: Carlos Chagas
BRASÍLIA - Desde ontem que um precioso material se encontra disponível na Internet, no site WWW.carloscastellobranco.com.br. Trata-se não apenas da reprodução das 7.446 colunas que o Castelinho escreveu para a "Tribuna da Imprensa" e, em especial, para o "Jornal do Brasil", entre 1962 e 1993. Lá está toda a vida literária daquele que no auge da criatividade ingressou na Academia Brasileira de Letras. Crônicas, contos e romances de sua autoria podem ser pesquisados, num trabalho desenvolvido por sua filha, Luciana.
Pode parecer lugar-comum, mas é verdade: não se entenderá a História do Brasil recente sem a leitura das colunas do Castello. Ele foi "o Papa" do jornalismo político, que reverenciamos até hoje, nós, meros párocos de aldeia. Deixou marcas profundas como analista, observador, comentarista e repórter.
Serviu para desmistificar esse dogma modernoso de que o jornalista tem que ser isento. Isento coisa nenhuma! Percebemos, pelo exemplo do Castello, que não somos robôs. Jamais máquinas frias de produzir informações, daquelas em que comprime a tecla do "lead" e sai um texto apresentando "o que, quem, quando, onde e porque". Temos alma.
Sentimentos. Até paixões e idiossincrasias. Preferências e visões distintas de cada episódio que relatamos. Basta-nos, como bastou ao Castello, dispor das condições necessárias para transmitir ao leitor, ao ouvinte e ao telespectador o conjunto de cada fato. Suas versões principais. Cada um que tire suas conclusões, porque primeiro tiramos a nossa.
O mestre de todos nós adorava os cardeais da velha UDN. Possuía razões de sobra para cultivá-los, salvo raras exceções. Começou a trabalhar na imprensa nos idos da ditadura de 1937. É claro que começou tomando partido, obviamente contra aquele regime que censurava e distorcia a notícia. Não lhe faltaram motivos para rejeitar o populismo, tanto quanto os governos de força. Coisa que não impediu muita gente de rotulá-lo de comunista.
Seu talento despertava amuos e inveja dos diretores dos jornais onde escreveu. Trata-se de um dos postulados do jornalismo, raras vezes revelando um dono que também é jornalista. Eles se ressentem da falta de condições para o exercício da profissão, irritam-se diante do sucesso de seus subordinados. Uns tentam pontificar, produzindo bobagens. Outros são mais diretos e repetem o chavão do "quem manda aqui sou eu!" Geralmente mandam mal.
Castelo escreveu três cartas de demissão a Nascimento Brito, diretor do "Jornal do Brasil", que felizmente as devolveu. Eram intermitentes os sentimentos do "dr. Brito", alternando-se a admiração pelas qualidades do colaborador com as dificuldades de dedilhar a "Remington" como Castello fazia.
Outra qualidade do saudoso amigo era não se deixar influenciar por um livro, uma tendência ou uma ideologia. Abria o leque, ferino na crítica tanto quanto compreensivo diante das intenções que percebia. Sarcástico e irônico, também acreditava. Em quê? Na dignidade da profissão que exercia, na importância de transmitir à sociedade tudo o que se passava nela de bom e de mau, de certo ou de errado, de ódio ou de amor. Suas colunas revelavam inflexibilidade e tolerância, mostrando ser possível conciliar os contrários.
Em 1966, quando as tenazes da ditadura apertavam a imprensa, um grupo de jornalistas políticos militando no Rio decidiu abrir espaços para o noticiário que desaparecia. Criamos o "Clube dos Repórteres Políticos". De quinze em quinze dias oferecíamos um almoço a algum parlamentar, ministro, juiz - enfim, a alguém em evidência. Castello já morava em Brasília, mas raramente perdia uma de nossas reuniões. Não faltava às tertúlias no restaurante da "Casa da Suíça".
Brasília, porém, era cada vez mais o centro das decisões políticas. Acabei acampando por aqui, em definitivo, em 1972, para dirigir a sucursal de "O Estado de S. Paulo". Castelo era o diretor do "Jornal do Brasil". Estreitamos relações, era raro dia em que não nos encontrávamos, menos no Congresso, que ele não gostava de freqüentar porque era logo seguido por um monte de jovens repórteres: "Se o Castello vai para o gabinete deste ou daquele deputado ou senador, para conversar, é porque a notícia está lá. Vamos também!"
Ele não gostava e cada vez mais marcava encontros fora da Câmara ou do Senado, num restaurante, num bar ou na própria residência ou de um colega. Dispunha de prodigiosa memória, daquelas que só o tempo cultiva. Era capaz de conversar duas ou três horas com um político e, no dia seguinte, reproduzir toda a conversa.
Tratava-se de tempos em que não dispúnhamos dessa diabólica parafernália eletrônica, gravadores do tamanho de caixas de fósforo, tantas vezes responsáveis pelo fracasso de jornalistas mais jovens. Sabendo que a maquininha captava tudo, não prestavam atenção no que o entrevistado dizia. Desligavam-se, só para ter trabalho duplo na hora da degravação...
Castello se foi, uma pena para todos nós, que iremos também. Mas ficaram suas lições, agora mais acessíveis pelo esforço de sua filha.
Fonte: Tribuna da Imprensa
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