O promotor de Justiça Luciano Rocha Santana foi punido pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) por baixa produtividade no Ministério Público da Bahia (MP-BA). Ele recebeu a punição de remoção compulsória. O promotor, no mesmo processo administrativo, foi absolvido da acusação de mentir para o CNMP se já havia respondido a algum procedimento disciplinar. Segundo a Corregedoria do CNMP, o promotor deixou de informar em uma correição que já havia sido alvo de uma apuração no âmbito do MP-BA por violência doméstica.
Luciano Rocha responde a uma ação penal no Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) por agredir a ex-companheira (veja aqui). A ação chegou a tramitar no Pleno, mas foi reconhecido que o caso não tem conexão com o cargo de promotor de Justiça. Desta forma, a ação foi remetida para o 1º Grau de Justiça. Atualmente, o caso está em fase de recurso com o 2º vice-presidente do TJ.
O processo foi instaurado contra o promotor no dia 4 de agosto de 2020. Ele já respondeu a um processo perante a Corregedoria do MP-BA e na Corregedoria Nacional, tendo sido punido com a pena de suspensão por 30 dias, com trânsito em julgado em outubro de 2017. De acordo com o relatório da conselheira Sandra Krieger, o promotor “não possui qualquer procedimento na área relacionada a resíduos sólidos, limitando-se, tão somente, a informar que Salvador não possui lixão, que foi erradicado há alguns anos”.
A justificativa para ausência de atuação seria que “a produção e descarte de resíduos sólidos não desaparece com a erradicação do aterro sanitário”, pois a atuação do Ministério Público, nessa área, deveria “ser perene, efetiva e eficiente, fiscalizando e envidando esforços para o cumprimento das obrigações constantes na Lei 11.445/2007”. A Corregedoria Nacional do MP indicou a ocorrência de infrações disciplinares por não manter uma conduta ilibada e compatível com o exercício do cargo e descumprir deveres funcionais.
A Corregedoria Nacional sugeriu a aplicação de suspensão de 30 dias pela falta de verdade ao preencher um documento durante a correição. Já sobre a segunda imputação, “considerando a gravidade da conduta do processado, a natureza da infração e a necessidade premente de se prover a 1ª Promotoria de Justiça do Meio Ambiente de Salvador com profissional que se dedique efetivamente à defesa de bem jurídico de vital importância para a sociedade, como o meio ambiente saudável”, foi sugerida a aplicação da sanção disciplinar de remoção compulsória. A instauração do processo administrativo disciplinar foi aprovada por unanimidade no CNMP.
Em sua defesa prévia, o promotor alegou que os fatos “estão eivados de erro e má interpretação, já que não se coadunam com a realidade” e pediu absolvição e arquivamento do processo. Sobre a suposta acusação de “falsidade ideológica”, o promotor afirma que houve, em verdade, “mero erro material, por uma falha na leitura da questão, quando do preenchimento do documento” e que não era possível imaginar que um promotor de carreira “intentaria esconder do próprio órgão disciplinar sanção ou procedimento por ele conduzido em seu desfavor”.
Alegou que o equívoco constatado de assinalar “não” ao invés de “sim” no formulário oficial “poderia ser facilmente sanado, mediante simples pedido de esclarecimento ao promotor processado, de modo que o erro material seria corrigido imediatamente, sem necessidade de instauração de processo administrativo disciplinar” já que tais informações estão no banco de dados do CNMP e do MP-BA.
Sobre a segunda acusação, alegou que não há “desídia funcional, bem como a independência e autonomia no exercício da função ministerial”. Aduziu ainda que seria “imperioso pontuar que a condução dos trabalhos junto à 1ª Promotoria de Justiça do Meio Ambiente se deu sim, de forma proativa e eficiente”, esclarecendo que “as Promotorias de Meio Ambiente e Urbanismo compreendem, não apenas as questões relacionadas ao meio ambiente natural da cidade de Salvador e Madre de Deus, como também as questões relacionadas à habitação e urbanismo, meio ambiente cultural e patrimônio histórico; sendo o conjunto dos casos a serem distribuídos, por sorteio, através das sete promotorias existentes nesta capital baiana”.
Para o promotor, seria “impossível esperar de quaisquer das Promotorias, uma forma engessada de atuação, de modo a estabelecer padrões de resposta específicos, quando, em verdade, sendo a distribuição por sorteio, não é possível prever quais casos serão destinados à 1ª Promotoria, quiçá a forma de enfrentamento das questões veiculadas em cada procedimento”. Elencou algumas ações que empreendeu à frente da Promotoria na defesa do Centro de Controle de Zoonoses; caso de poluição sonora no Candeal; problema no Jardim Zoológico de Salvador; uso de animais em experimentação científica nos estabelecimentos de ensino da Ufba; o uso de animais em espetáculos de entretenimento e manifestações populares, como circos, rodeios, charretes no centro antigo e carroças na festa do Senhor do Bonfim; uso de animais em experimentação científica - Centro de Pesquisa Gonçalo Moniz (FIOCRUZ/BA); as irregularidades no Aeroclube, e irregularidades na Petrobras.
Luciano Rocha Santana afirmou que todos esses casos fizeram com que seu trabalho fosse reconhecido por diversas entidades, promovendo diversas palestras, publicado artigos e teses sobre o papel do MP na seara ambiental, e que, a acusação de que houve falta de zelo nas atividades deve ter sido decorrente de engano “uma vez que esta promotoria titularizada pelo processado, por anos seguidos, tem realizado trabalhos de destaque, instaurando centenas de procedimentos administrativos e judiciais, realizando centenas de audiências e expedindo milhares de ofícios nos últimos dois anos, apesar da insuficiência de estrutura e de pessoal”. Para a sua defesa, o promotor arrolou 24 testemunhas, entre eles, promotores de Justiça, servidores do MP-BA, representantes de entidades ambientais, advogados e a vereadora Ana Rita Tavares.
Para a relatora, não houve dolo do promotor ao responder ao questionário se havia ou não respondido a um processo administrativo disciplinar. “Neste ponto em específico, imperioso esclarecer que houve, em verdade, mero erro material, por uma falha na leitura da questão, quando do preenchimento do documento, não sendo possível de se imaginar que um promotor de Justiça de carreira, intentaria esconder do próprio órgão disciplinar sanção ou procedimento por ele conduzido em seu desfavor”, disse a relatora. Para ela, o ato seria fácil de ser sanado, através de um pedido de esclarecimento do promotor.
No interrogatório, ele afirmou que olhou todas as questões, foi respondendo a cada uma delas, que houve uma confusão de sua parte ao responder a esse quesito. “São muitos quesitos e então é normal a gente cometer um erro, são muitas questões para responder sim ou não”, declarou. “Claro, eu peço desculpas pelo erro que eu cometi, mas não foi por desconsideração, por desrespeito ao Conselho. Foi realmente uma circunstância eventual de muita tensão e tive que responder todas as questões (...), mas sabia também que era uma informação que o Conselho Nacional tinha pleno conhecimento porque ele era o dono da informação”, disse no interrogatório. A conselheira relatora afirma que a alegada “pressa” em viajar do promotor “evidencia um comportamento culposo que, embora reprovável e passível de crítica, não é".
Já sobre a falta de produtividade entre agosto de 2017 e agosto de 2019, na Promotoria de Meio Ambiente de Salvador, a conselheira entendeu que, através das testemunhas, Luciano Rocha tentou mostrar que é uma pessoa resolutiva, com influência na sociedade, atento às necessidades de defesa do meio ambiente, laborioso, dentre outras qualidades. Sandra Krieger observou que duas testemunhas arroladas eram beneficiadas em seus projetos sociais ambientalistas com recursos destinados pelo Juizado Especial Criminal. Também considerou que as testemunhas deram relatos genéricos sobre a atuação do promotor. Logo depois da sindicância, segundo a relatora, o promotor começou a impulsionar procedimentos na Promotoria. A relatora pontuou que a atuação de Luciano Rocha era em pequenos problemas, como poluição sonora de bares e restaurantes, problemas de lixos de bares e pequenos comércios, “confirmando a ausência de atuação na área relacionada a resíduos sólidos, nos campos da logística reversa”.
A comissão processante observou que o promotor poderia ter se dedicado a questões importantes como a “ocupação irregular das dezenas de favelas de Salvador, a destinação indevida de resíduos domiciliares ou industriais (esgoto a céu aberto), a adequação do sistema fiscalizatório da coleta e destinação dos resíduos sólidos, dentre outras, a atuação do membro consistia em ser acionado por ONGs ambientais, realizar reuniões com órgãos ambientais para a adoção de procedimentos simples, como a exigência da realização de perícias sonoras (que deveriam ser condutas de ofício daqueles órgãos).”
O relatório do processo afirma: “Não faz sentido, no caminho para a eficiência e para a resolutividade, que um órgão ambiental municipal, ao constatar uma irregularidade, como no caso de um restaurante que não destina regularmente seu lixo, tenha que noticiar tal fato ao MP, seguindo-se com a instauração de um procedimento extrajudicial, notificação da parte, perícia, realização de audiência e arquivamento com a resolução. Estes procedimentos deveriam ser adotados diretamente pelo órgão ambiental, uma vez que o Ministério Público não pode ser utilizado como braço forte para causar mais pressão sobre os infratores ambientais”.
Um fator observado é que a Promotoria não firmou sequer um termo de ajustamento de conduta ou ação civil pública por dois anos. “Nesta esteira, verifica-se que os documentos juntados pela defesa, na tentativa de rechaçar a afirmação acima, tais como os casos da Lagos dos Frades, da Lagoa do Abaeté, do Clube Português, do Hotel Carlton, Parque São Bartolomeu, dentre outros, não indicam o momento em que estes procedimentos foram adotados, parecendo, inclusive, trata-se de procedimentos muito antigos, não condizentes com o período compreendido por este PAD”. Com esses argumentos, a conselheira-relatora aplicou a pena de remoção compulsória de Luciano Rocha. Desta forma, ele será alocado em outra unidade para trabalhar.