O acerto é o primeiro acordo desse tipo fechado perante o STF
Aguirre Talento
O Globo
O ministro da Cidadania, Onyx Lorenzoni (DEM-RS), fechou um acordo de não-persecução penal com a Procuradoria-Geral da República (PGR) no qual admitiu o recebimento de caixa dois da JBS em suas campanhas eleitorais de 2012 e 2014. Além disso, o ministro aceitou pagar R$ 189 mil como prestação pecuniária, em troca do encerramento de uma investigação a respeito do assunto.
O valor da prestação pecuniária corresponde a nove vezes o atual salário líquido de Onyx, que é de R$ 21 mil. Nas últimas eleições, em 2018, ele declarou ter patrimônio de cerca de R$ 1 milhão. Segundo sua defesa, o ministro irá contrair um empréstimo bancário para quitar os R$ 189 mil, além de usar parte de suas economias pessoais.
REGULAMENTAÇÃO – Assinado pelo procurador-geral da República Augusto Aras, o acerto é o primeiro acordo desse tipo fechado perante o Supremo Tribunal Federal (STF). O instrumento, conhecido como ANPP, foi regulamentado na Lei Anticrime aprovada no final do ano passado, que estabelece a possibilidade desse acordo para crimes realizados sem violência e cuja pena mínima seja inferior a quatro anos. O objetivo do instrumento é desafogar o Judiciário e agilizar o encerramento de processos.
A pena do crime de caixa dois, configurado como falsidade ideológica eleitoral, é relativamente baixa (reclusão de até cinco anos se o documento for público e reclusão de até três anos se o documento for particular), por isso esse acordo era cabível neste caso. Pelo acerto, Onyx pagará o valor em uma parcela só, mas somente após a homologação do acordo pelo ministro do STF Marco Aurélio Mello, relator do caso.
RECURSO – O caixa dois pago ao ministro foi revelado na delação premiada dos executivos do grupo J&F, dono da JBS, e se tornou objeto de uma investigação preliminar no STF. A PGR havia solicitado que ele fosse enviado à Justiça Eleitoral do Rio Grande do Sul, mas a defesa do parlamentar recorreu ao Supremo para que o caso permanecesse na corte. Por isso, ainda não havia definição sobre o foro do procedimento.
Em maio de 2017, quando a delação dos executivos da J&F, dona da JBS, veio a público, Onyx admitiu ter recebido R$ 100 mil não declarados à Justiça Eleitoral para abastecer sua campanha em 2014 e pediu desculpas pelo episódio. Ele afirmou na ocasião que não sabia que os recursos tinham sido pagos pela JBS, porque acertou a doação com um amigo seu do setor agropecuário.
Na delação, a J&F informou que o caixa dois de 2014 destinado a ele foi de R$ 200 mil e que, em 2012, foram repassados outros R$ 100 mil ao deputado. Nesse acordo de não-persecução penal, o ministro confessa ambos recebimentos de recursos não contabilizados, tanto em 2012 como em 2014.
COLABORAÇÃO – Procurado, o advogado de Onyx, Daniel Bialski, afirmou que o ministro decidiu procurar as autoridades com a intenção de colaborar e dar um desfecho ao processo. “Diante da nova legislação processual e com a intenção do ministro em solucionar isso de uma vez por todas, foi postulado junto à PGR o acordo de não-persecução penal com admissão dos fatos. Agora, esperamos que o Supremo homologue o acordo”, disse Bialski.
O Supremo já acolheu, em casos anteriores, propostas da PGR para suspensão condicional de processos, instrumento também possível de aplicação em casos com pena baixa. Esse acordo com o ministro Onyx, entretanto, é o primeiro no formato do acordo de não-persecução penal, que envolve admissão de culpa e tem um valor de multa muito superior às propostas anteriores analisadas pela Corte.
ACORDO – Em 2005, um deputado federal de Tocantins fez acordo perante a PGR e o STF para suspender uma acusação de omissão de R$ 300 mil em sua prestação de contas. Naquele caso, ficou estipulado o pagamento de multa de R$ 1.000 e a realização de palestras em escolas como contrapartida à sociedade.
Um outro caso, analisado pelo STF no ano de 2004 envolvendo caixa dois de R$ 20 mil a um deputado federal do Rio Grande do Sul, também foi encerrado mediante multa de R$ 1.000 e palestras em escolas como contrapartida. Quando a delação da JBS veio a público, Onyx fez uma declaração pública admitindo o recebimento de caixa dois no ano de 2012, mas não se pronunciou sobre o caixa dois de 2014.
PRESTAÇÃO DE CONTAS – “Tô assumindo aqui, como um homem tem que fazer, (usei os recursos) sem a declaração na prestação de contas. Todos os outros recursos foram 100% contabilizados, foi apenas este recurso. Eu quero pedir desculpas aos eleitores do Rio Grande do Sul que confiam em mim pelo erro que cometi, mas vou assumir, como um homem tem que fazer. Eu vou lá pra frente do Ministério Público, vou reafirmar o que estou dizendo publicamente aqui, vou ao juiz que foi destinado ao caso e vou reafirmar “, disse Onyx, em uma entrevista em maio de 2017.
À época das delações premiadas da Odebrecht e da J&F, o então procurador-geral da República Rodrigo Janot chegou a estudar fazer acordos com os investigados nos casos de caixa dois para encerrar mais rapidamente essas investigações. Essa ideia, entretanto, acabou não sendo implantada na prática.
INCENTIVO – A nova Lei Anticrime, proposta pelo então ministro da Justiça Sergio Moro e aprovada com alterações no Congresso Nacional, regulamentou os acordos de não-persecução penal e trouxe um impulso ao instrumento. Desde então, o Ministério Público Federal passou a incentivar que os procuradores adotassem essa solução em processos que atendessem aos requisitos. Uma nota conjunta chegou a ser feita pelas Câmaras temáticas do MPF estabelecendo diretrizes para a adesão aos acordos.
Dados contabilizados pelo MPF registraram a realização de 1.010 acordos de não-persecução entre a entrada em vigência da nova lei, em 24 de dezembro de 2019, e o mês de março. Esse instrumento já era usado antes, mas era visto com ressalvas porque não existia uma regulamentação clara na lei.