Se Bolsonaro não for candidato à reeleição, Witzel pretende disputar
Paulo Cappelli e Thiago PradoO Globo
Desde o primeiro dia no comando do Estado do Rio, Wilson Witzel chamou a atenção para o seu estilo, por ter aparecido na posse com uma faixa azul, que ele mesmo mandara confeccionar. A imagem está em seu gabinete ao lado de um quadro menor com a foto de Jair Bolsonaro, que o recebeu na semana passada em Brasília. Ele comunicou ao presidente que está disposto a se candidatar ao Planalto. Enquanto 2022 está distante, O Globo conversou com o governador sobre os primeiros três meses de sua gestão. Ele disse que o uso de helicópteros em operações é fundamental no combate ao tráfico. Reafirmou que o protocolo é “neutralizar” quem estiver com fuzil.
Em três meses, o senhor fez flexões com uma camisa do Bope e confeccionou a própria faixa de governador. Como reage a críticas de que está deslumbrado com o poder?Nem Jesus agradou a todos, né? Vejo que resgatamos algumas tradições. A faixa de governador é um símbolo de transmissão de poder. A sociedade precisa desses símbolos. Por isso, nos tribunais, a gente usa toga, que simboliza que o juiz está ali numa função quase sagrada.
Na semana passada, o seu chefe da Casa Civil disse em reunião privada que o senhor será presidente da República. Não é prematuro pensar nisso sem ter sequer completado cem dias de governo?Não acho que seja precipitado. A vida é feita de planejamento em vários sentidos. Isso vai ser descortinado nos próximos anos. Estive com o presidente Jair Bolsonaro na última terça e falei isso. Se ele não for candidato, estou disposto a dar continuidade a um programa de crescimento para o nosso país.
Qual foi a reação do presidente?Ele riu. Acredito que também esteja pensando no que vai fazer. O presidente tinha falado para mim que não seria candidato. Na primeira reunião que tive com ele, ainda antes da posse, ele falou: ‘Governador, não tem essa de reeleição, não, hein?’. Estarei me preparando nos próximos anos. Conheço o nosso país, tenho sido abraçado em aeroportos pelo Brasil por pessoas que nem do Rio são (neste momento da entrevista, Witzel fica com os olhos marejados).
O vereador Carlos Bolsonaro já usou, mais de uma vez, as redes sociais para dizer que a família não lhe deu apoio na eleição…Ah, então a vitória foi minha sozinho! Respeito muito o presidente, mas, se o Carlos Bolsonaro não é meu eleitor, tem mais de 4,6 milhões que são. Se ele votou no “nervosinho” (referência ao apelido dado ao ex-prefeito Eduardo Paes em planilhas de delatores da Odebrecht), o que posso fazer? Paciência…
Sobre segurança, carro-chefe do seu governo: em três meses, os autos de resistência (mortes de bandidos em confronto com a polícia) subiram. Isso não preocupa?Zero preocupação. Eu confio na polícia e tenho dito isso para eles. Quando eu acabei com a Secretaria de Segurança Pública, o objetivo era exatamente dar às polícias o protagonismo e o poder de decisão. Os criminosos provocam tiroteios, orquestram assaltos e arrastões exatamente para poder causar um certo pânico.
Uma prática bastante criticada da sua polícia é o uso de helicópteros para disparar contra bandidos em favelas, por conta do risco de a bala atingir inocentes. Isso também não o preocupa?E algum morador foi atingido até agora? Não. A utilização de helicópteros é fundamental para coibir o tráfico. O que mais leva desespero a esses terroristas é aeronave sobrevoando a área deles. Porque aí eles não têm escapatória. Aí o que os bandidos fazem? Pegam moradores, botam fuzil na cara e falam assim: “Vai lá e reclama. Vai lá e coloca fogo”.
Na campanha, o senhor disse que a polícia ia usar atiradores de elite para mirar na cabeça e disparar. Quando pretende utilizar esses snipers?O sniper é usado de forma absolutamente sigilosa. Eles já estão sendo usados, só não há divulgação. Quem avalia se vai dar o tiro na cabeça ou em qualquer outra parte do corpo é o policial. O protocolo é claro: se alguém está com fuzil, tem que ser neutralizado de forma letal imediatamente.
Ao liderar uma coletiva no dia da prisão dos supostos autores do assassinato da vereadora Marielle Franco, o senhor não politizou a questão?Ué, eu disse para a população e para a família da Marielle que ia ajudar a elucidar o caso. De certa forma, participei da orientação e me sinto como representante do povo autorizado a anunciar os resultados da investigação aqui no Palácio Guanabara.
Mas o senhor ajudou em alguma coisa nesse caso?Em janeiro, o delegado Giniton Lages me pediu opiniões por causa da minha experiência na área criminal.
Há um mandante desse crime?Certamente. Aqueles que foram presos eram assassinos de aluguel. Aquilo não saiu da cabeça deles. Ninguém pega a arma, vai lá e pratica um crime tão planejado como esse do nada.
Na campanha, o senhor dizia que pediria mudanças no Regime de Recuperação Fiscal com a União. O que já está sendo feito?Determinei a revisão do contrato de empréstimo de R$ 2,9 bilhões com o banco BNP Paribas, que tem as ações da Cedae como garantia. Tem uma cláusula de elevação dos juros. Funciona desta forma: se o barril do petróleo baixa demais, o juro aumenta. No entanto, se o barril sobe, o juro não baixa. E o juro já está em 16% ao ano, nas últimas contas que me mostraram. O contrato tem uma cláusula de arbitragem internacional, então deveremos acionar alguma corte de arbitragem internacional para mudar isso.
O alongamento da dívida com a União, outro tema citado pelo senhor durante as eleições, será um assunto a ser tratado com o ministro Paulo Guedes?O ministro vai ter que tratar disso de uma forma ou de outra, não só com o Rio de Janeiro, mas com os outros estados que estão endividados. Eu ouso dizer o seguinte: estamos em uma crise tão profunda que não sei se a União tem condições de cobrar juros dos estados. Hoje, a situação é muito grave. No Rio, os pagamentos estão suspensos até 2020, e há possibilidade de renovação até 2023. Depois, a verdade é que não será possível voltar a pagar. Então, é preciso repensar esse alongamento. Há uma boa perspectiva de aumento de pagamento de royalties a partir de 2022, estamos falando de R$ 35 bilhões por ano.
Mas outros governadores que antecederam o senhor usaram e abusaram da prática de antecipar royalties… Não sou a favor de tirar dinheiro dos próximos governos. Mas, se o futuro tem perspectivas melhores, vamos trabalhar com um pedaço dele para dizer que podemos pagar nossas dívidas mais à frente.
É possível garantir que, nos quatro anos de governo, não haverá atraso de salário?É uma missão difícil, mas acredito que não teremos esse problema. Com relação a aumento de salário, não dá para dizer, hoje, se será possível.
O senhor fez a rescisão da concessão do Maracanã repentinamente. É possível garantir que não teremos problemas na Copa América? Os clubes de futebol estarão incluídos na licitação?Garanto que não teremos problemas. Sobre os clubes, vai depender da capacidade deles de se articularem. A ideia é fazer uma nova concessão com espaço para estacionamento e um shopping.
Era a mesma ideia do governo Sérgio Cabral, mas para isso era preciso demolir o Museu do Índio, por exemplo…Não há necessidade. A questão é só ver quem é que vai limpar a bagunça e administrar. Ter ali uma representação indígena, eu não acho ruim. Só tem que estar organizado, e esse é o meu compromisso.
O senhor trocou farpas com o prefeito Marcelo Crivella em assuntos como Sambódromo, administração de hospitais. Por que isso?São opiniões divergentes. No meu ponto de vista, o carnaval é um grande evento turístico para o Rio. Não pode ser maltratado.
O senhor vai se envolver na campanha à prefeitura do Rio no ano que vem?Certamente. O partido (PSC) ainda não fechou se vai ter um candidato próprio. O Rodrigo Amorim é um bom nome, né? Mas ele é do PSL. Temos que conversar ainda no PSC e com os partidos aliados.
Tem mais juízes para entrar na política ainda como o senhor?Sempre tem, né? Eu gostaria que outros entrassem, mas não sei se estão dispostos a fazer o que eu fiz.