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terça-feira, janeiro 24, 2023

Índio quer apito e quer saúde. Só não quer fronteira




Leio agora sobre a visita do Presidente a área indígena dos Ianomâmis. Desnutrição e problema do garimpo ilegal, etc.

Por Dante Coelho de Lima (foto)

Há pouco tempo houve também o episódio, que ocupou a mídia, do assassinato de um ex-funcionário da FUNAI e um indigenista inglês, Dom Phillips.

Tudo isso me trouxe à memória um caso passado em julho de 1993, conhecido como o Massacre de Haximu, perpetrado por garimpeiros brasileiros numa aldeia ianomâmi, em Roraima, na fronteira com a Venezuela, que mereceu ampla repercussão nacional e internacional.

Pressionado, o Presidente Itamar Franco despachou seu Ministro da Justiça, Maurício Corrêa para o local, cercado de um grande aparato midiático. A Globo e outras redes mandaram enviados especias com câmeras em helicópteros e o escambau. O Jornal Nacional abriu grande espaço no seu noticiário. Imagens do Ministro e sua entourage e jornalistas percorrendo o terreno do massacre, mostrando visões macabras, como restos calcinados dos índios.

Tudo vai bem, mas eis porém que de repente (parodiando o sambinha do Billy Blanco), a alguém ocorreu acionar o GPS e checar coordenadas. E constatar, para perplexidade geral, que o massacre se dera em pleno território da Venezuela.

Espanto. Corre-corre geral. Tocou o “barata voa”. Afinal, sob os olhos da mídia internacional deu-se uma clara invasão do território venezuelano por altas autoridades brasileiras.

Um parênteses: naquela época, a fronteira Brasil-Venezuela era extremamente permeável, como os marcos demarcatórios distando quilômetros entre um e outro em mata fechada.

Outra coisa: para os ianomâmis, é claro, não existem no Brasil nem na Venezuela e na nem fronteira, mas sim as terras que eles e seus antepassados ocupam há séculos, muito antes que os brancos chegassem, fossem eles portugueses ou espanhóis. Ou quaisquer outros europeus.

A aldeia de Haximu ficava e fica em terras por cima daquela linha que os brancos traçaram. Sem consultá-los.

O governo venezuelano, como todo mundo, não sabia de nada e até então acompanhava os fatos pelo noticiário. Quando soube, protestou.

Eu estava de Encarregado de Negócios em Caracas e pensei:

– Vai sobrar para mim de novo.

Alguns grandes acontecimentos nas relações bilaterais, envolvendo índios e garimpeiros na fronteira, quase sempre se davam comigo na condição de Chefe, interino, da Missão. Tive que administrar algumas situações complicadas. Essa seria mais uma.

Fiquei atento. Cheguei a receber um alerta do Chefe de Gabinete do Itamaraty. Nada. O protesto venezuelano pela nossa invasão territorial se deu através de Nota da Embaixada deles em Brasília ao Itamaraty.

Bueno, o episódio serviu para acelerar a operação, que os dois governos negociaram, de “densificação dos marcos”, ou seja, cortar a distância entre um marco e outro.

Mas acho que, enquanto isso, a aldeia dos ianomâmis de Haximu continua a estar em cima da linha divisória que os brancos traçaram. Parece que o Presidente, na sua missão humanitária junto aos índios ianomâmis, não pisou em solo alheio, só indo até Boavista.

*Dante Coelho de Lima é diplomata.

Diário do Poder

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