Pedro do Coutto
Logo após a sua eleição em outubro, o presidente Lula da Silva montou diversas equipes de transição que se transformaram em levantamentos de informações – o que foi importante -, mas que evoluíram para a realização de planejamentos. Nesse processo, esqueceram da verdadeira essência da transição, principalmente na área do Exército, extremamente sensível diante das circunstâncias da derrota bolsonarista nas urnas.
Vale lembrar que o ex-presidente da República recusou-se a passar a faixa ao seu sucessor, deixando claramente a intenção de contestar os votos. Os sintomas, portanto, eram o prenúncio de uma tempestade que somente não alcançou seu objetivo sinistro porque, admito, houve uma divisão nas Forças Armadas, sobretudo no próprio Exército.
PRETEXTO – Era uma aventura contrária à Constituição do país , contrária à lei, ao regime democrático, à vontade popular. Mas a atmosfera permaneceu adensando-se em Brasília, afinal de contas, é o centro de poder e a explosão de uma calamidade pública seria o pretexto na abertura do ovo de serpente simbolizado no decreto que o ex-ministro Anderson Torres mantinha em sua residência.
Mas não havia certeza absoluta quanto ao êxito do golpe. E, na dúvida, Bolsonaro já estava em Orlando, dias antes da chegada de Anderson Torres. O ex-ministro deixou os terrenos preparados. Ônibus rumavam para Brasília, o acampamento em frente ao QG era uma cabeça de ponte, expressão usada, lembro bem, durante a Segunda Guerra, para fornecer base aos golpistas que incentivaram a invasão e as depredações. Por pouco, como se percebe, o governo Lula não sofreu um ataque de consequências maiores e ainda mais nefastas.
Ficou evidente que o comando local do Exército inibiu-se. Da mesma forma que o governo Ibaneis Rocha e do secretário de Segurança Fernando Oliveira, substituto de Torres no cargo. As omissões e convivências arrombaram as portas do Supremo Tribunal Federal e do Congresso. E, segundo o próprio depoimento de Lula da Silva, infiltrados abriram as portas do Palácio do Planalto, pois em meio a degradação geral as portas principais não sofreram arrombamento.
REAÇÃO AO GOLPISMO – O episódio fica na história, como na história ficou o 11 de novembro de 1955, quando o general Lott e Odylio Denys reagiram ao golpismo de Carlos Lacerda contra a posse de Juscelino Kubitschek, enquanto o Congresso decretou o impeachment do presidente em exercício, Carlos Luz e do presidente efetivo Café Filho.
Nereu Ramos, presidente do Senado, assumiu o Palácio do Catete e passou o cargo a JK. Surgiu na época uma piada, dizendo que Nereu Ramos ficou contrariado porque ao chegar ao Palácio do Catete verificou que não havia nem café e nem luz. Agora, o papel desempenhado pelos generais Teixeira Lott e Odílio Denys coube ao general Tomás Miguel Ribeiro Paiva. A consequência lógica ocorreu e o general Tomás Miguel Ribeiro Paiva promoveu a substituição de comandos importantes na área de Brasília.
A partir daí, como acentua reportagem de César Feitosa, Folha de S. Paulo desta quarta-feira, a transição de poder passou a ter a continuidade indispensável dentro da lei e da ordem, livrando-se da confusão e tentativa fracassada de desordem projetada para o teatro da capital do país. Efetivamente, o bolsonarismo foi combatido novamente : nas urnas e no desrespeito às mesmas. A transição, a partir de agora, aproxima-se de sua conclusão.
PROCESSO INFLACIONÁRIO – O IBGE, que no governo Bolsonaro fez acrobacias para bloquear a divulgação da realidade inflacionária, na minha impressão, continuou a agir timidamente em relação à verdade. Reportagem de Carolina Nalin, O Globo de ontem, destaca que o Instituto encontrou uma inflação de 0,55% em janeiro.
Não é possível, na minha opinião. Subiram os aluguéis, subiram os preços dos alimentos, dos remédios e artigos de farmácia. Só não avançaram os salários. Além desses aspectos, foram reajustados os planos de saúde, indispensáveis à vida humana. Basta confrontar os preços na passagem de dezembro de 2022 para este mês. O IBGE deve ter esquecido, mais uma vez, dessa comparação.