Carlos Newton
Já é mais do que sabido que o ex-presidente Jair Bolsonaro não será preso. Da mesma forma, sabe-se que ele não conseguirá escapar da inelegibilidade, em condenação (ou condenações) nos 16 processos a que responde no Tribunal Superior Eleitoral, pelos múltiplas infrações. Como diria o genial compositor Miguel Gustavo, o suspense é de matar o Hitchcock, mas somente há dúvida quanto à data da condenação, que não vai demorar muito.
Em tradução simultânea, se você pretende votar em Bolsonaro na sucessão de 2026, cumprimos o doloroso dever de lhe comunicar que o ex-presidente não estará na disputa.
CONJUNTO DA OBRA – Assim como Lula da Silva, o ex-presidente Bolsonaro é um político intuitivo, sem cultura, sem conhecimento e sem vontade de apreender. Jamais se preocupou com as leis eleitorais, considerando-as meros detalhes, porque o que interessa é vencer a eleição. A diferença é que, nesse particular, Lula é mais experiente e comedido, fica mais difícil apanhá-lo.
Essas 16 ações eleitorais a que Bolsonaro responde abrem um leque de possibilidades. Elas não se somam nem podem ser examinadas simultaneamente, para efeito de economia processual. Ou seja, terá de haver um julgamento para cada uma das denúncias.
Basta uma condenação para ser Bolsonaro declarado inelegível por oito anos. Mas há possibilidade de ser considerado culpado em processos diferentes, caracterizando o conjunto da obra, como ocorreu no julgamento político da então presidente Dilma Rousseff, em 2016.
DÉCIMA SEXTA AÇÃO – Nesta quinta-feira (dia 19), o corregedor-geral eleitoral, ministro Benedito Gonçalves, acatou a abertura da 16ª ação de investigação judicial eleitoral contra Bolsonaro. Desta vez, foi por abuso de poder político e econômico no processo eleitoral.
A denúncia foi pedida ao Tribunal Superior Eleitoral pela coligação encabeçada pelo atual presidente Lula da Silva, sob alegação de que Bolsonaro realizou vários atos de campanha nas dependências do Palácio do Planalto e do Palácio da Alvorada.
Na decisão, o relator Gonçalves destacou que Bolsonaro já responde a outras duas investigações em decorrência do uso eleitoral de bens públicos. Em uma delas, por gravar lives nos palácios, com ampla transmissão nas redes sociais. O ministro do TSE lembrou, inclusive, que em uma dessas ações houve uma liminar (decisão provisória e urgente) a fim de impedir a reiteração das lives.
USO INDEVIDO – Segundo especialistas consultados pela Folha, Bolsonaro também usou as dependências da residência oficial para anunciar apoios de aliados no segundo turno do pleito — em uma violação à legislação eleitoral,
De acordo com a acusação, Bolsonaro usou palácios como “palco de encontro” com governadores, deputados federais e celebridades e se valeu “de todo o aparato mobiliário do prédio público”, em flagrante desvirtuamento da finalidade dos palácios da União.
Ao analisar os argumentos apresentados pela coligação petista, Gonçalves entendeu que há elementos para a abertura da ação de investigação eleitoral. Além de Bolsonaro, o candidato a vice Walter Braga Netto (PL) também é citado e passa à condição de investigado.
ABUSO DE PODER – “Resta claro que a narrativa da petição inicial [pedido de investigação], em tese, é passível de se amoldar à figura típica do abuso de poder político, havendo elementos suficientes para autorizar a apuração dos fatos e de sua gravidade no contexto das eleições 2022”, afirmou Gonçalves.
Na verdade, Bolsonaro facilitou demais e esnobou a lei, na campanha do segundo turno, ao realizar atos eleitorais diários no Palácio da Alvorada, nos quais recebeu o apoio de governadores já reeleitos como Romeu Zema (Novo), de Minas Gerais, e Ratinho Jr. (PSD), do Paraná. Os encontros tiveram ampla divulgação na mídia e em redes sociais.
O ministro Gonçalves deu um prazo de cinco dias para que Bolsonaro e Braga apresentem argumentos em sua defesa. E a coligação de Lula deverá ser intimada para que forneça novo endereço para citação de Bolsonaro.
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P.S. – O fato concreto é que Bolsonaro é ignorante e presunçoso. Achava (?) que nada poderia lhe acontecer. Deveria ter recebido os governadores no Planalto, com agenda de audiências administrativas, para que na saída eles próprios declarassem apoio à sua candidatura, ao invés de programar atos públicos num palácio meramente residencial. (C.N.)