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segunda-feira, agosto 08, 2022

O futuro dos transplantes - Editorial




Quando uma sociedade decide eleger investimento em educação e pesquisa como prioridade, o céu é o limite

O desenvolvimento de qualquer sociedade passa, necessariamente, pela decisão coletiva de eleger a educação e a pesquisa científica como prioridades absolutas, um consenso acima de quaisquer outras divergências que possam cindir os cidadãos. Quando isso acontece, o céu é o limite. Até a morte pode ser driblada de alguma forma.

Literalmente, foi o que aconteceu nos laboratórios da Escola de Medicina da Universidade Yale (EUA). Cientistas conseguiram restaurar a atividade celular de órgãos vitais de porcos – coração, cérebro, fígado e rins – uma hora após a morte dos animais. Com esse feito extraordinário, os pesquisadores americanos comprovaram que a morte não é um momento, mas um processo – o que impõe uma profunda reflexão ética e filosófica sobre o fim da vida –, e, do ponto de vista prático, encurtaram o caminho que, um dia, poderá levar ao fim da fila de espera por transplantes de órgãos. Os resultados da pesquisa foram publicados na revista Nature no dia 3 passado.

Os resultados da pesquisa não autorizam, de forma alguma, afirmar que os porcos foram ressuscitados em laboratório, sobretudo porque não houve retomada da atividade elétrica do cérebro dos suínos. Mas não resta dúvida de que um grande passo foi dado. “Fizemos as células realizarem algo que não eram capazes de fazer quando os animais estavam mortos”, disse à Nature o neurocientista Zvonimir Vrselja, um dos membros da equipe de pesquisa. “Não estamos dizendo que é clinicamente relevante (essa retomada de algum grau de atividade celular pós-morte), mas estamos na direção certa”, disse o pesquisador.

O avanço dessa pesquisa com suínos representa inúmeras possibilidades de melhoria da qualidade de vida dos seres humanos no futuro. Hoje, por exemplo, é consenso na comunidade médica de que a morte do músculo cardíaco, decorrente da parada de circulação corpórea e da oxigenação do tecido, é irreversível. Mas, como disse à Nature o líder da pesquisa, Nenad Sestan, “se podemos recuperar alguma função do cérebro de um porco morto, também podemos fazê-lo com outros órgãos”. Portanto, não é mais uma loucura antever um cenário, sabe-se lá quando, em que um coração dado como morto possa voltar a bater. No mínimo, danos graves ao coração, após um infarto, ou ao cérebro, após um derrame, podem ser prevenidos empregando a nova técnica desenvolvida pelos pesquisadores de Yale.

Outro ganho substancial decorrente dessa pesquisa, talvez mais próximo do que outros benefícios, será o aprimoramento das técnicas de transplante de órgãos, reduzindo drasticamente, ou mesmo eliminando, uma fila de espera que, só no Brasil, angustia cerca de 60 mil pessoas. O xenotransplante (transplante de órgãos entre espécies diferentes) já tem sido pesquisado há anos. Inclusive, cirurgias já foram realizadas utilizando coração e rins de porcos em humanos desenganados. Os médicos, porém, jamais conseguiram evitar a rejeição. Agora, com outras pesquisas no campo da engenharia genética, há uma nova esperança de vencer essa limitação.

O Estado de São Paulo

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