André Duchiade
O Globo
Uma lei proposta por um deputado democrata dos Estados Unidos pressiona as Forças Armadas do Brasil a não interferirem nas eleições presidenciais de outubro, vinculando a assistência ao país na área de defesa à neutralidade eleitoral de seus militares, como determina a Constituição.
Proposta pelo deputado federal Tom Malinowski, de Nova Jersey, na última terça-feira, a emenda 893 à lei que autoriza o Orçamento de Defesa americano para o ano de 2023 estipula que, após as eleições presidenciais brasileiras, o Departamento de Estado terá 30 dias para apresentar um relatório ao Congresso sobre as ações tomadas pelas Forças Armadas durante o pleito.
O projeto de lei — que foi noticiado primeiro pelo jornalista Brian Mier no site Brasilwire — prevê a descontinuação da ajuda de segurança caso se determine que as Forças Armadas tiveram “papel decisivo” nas eleições ou promoveram um “golpe de Estado”.
CINCO CRITÉRIOS – O Congresso dos EUA deverá avaliar se os militares brasileiros atuaram de forma antidemocrática, diz o projeto, a partir de cinco critérios:
Se as Forças Armadas “interferiram, impediram ou obstruíram a votação, operações de contagem ou operações eleitorais por autoridades eleitorais independentes”;
Se as Forças Armadas “manipularam, procuraram manipular ou cancelaram os resultados das eleições”;
Se as Forças Armadas “envolveram-se em esforços coordenados de informação ou comunicação para minar a fé popular e a confiança em autoridades eleitorais independentes ou questionaram a validade dos resultados eleitorais”;
Se as Forças Armadas “usaram mídias sociais ou outros sistemas de comunicação de massa, incluindo aplicativos de mensagens móveis, para tentar influenciar opiniões generalizadas sobre a validade dos resultados eleitorais ou com relação à conveniência de qualquer resultado específico”;
Se as Forças Armadas “encorajaram, incitaram ou facilitaram atividades ou rebeliões em relação aos processos eleitorais, a apurações eleitorais ou a resultados eleitorais, antes e depois das eleições presidenciais”.
APOIO DEMOCRATA – A proposta recebeu o apoio dos deputados democratas Albio Sires (Nova Jersey), Joaquín Castro (Texas), Susan Wild (Pensilvânia), Ilhan Omar (Minnessota) e Hank Johnson (Geórgia), que aparecem como coproponentes. Assim como o Orçamento de Defesa, a proposta precisa ser aprovada pelo Congresso até outubro, quando começa o ano fiscal.
O projeto deixa clara a preocupação de políticos progressistas americanos com ameaças à democracia brasileira, e a percepção internacional de que os militares do país podem agir contra as suas instituições democráticas.
O projeto de lei é mais enfático do que o comportamento do próprio governo de Joe Biden, que no entanto também já demonstrou inquietação com o respeito às normas democráticas no Brasil pelo presidente Jair Bolsonaro e seus aliados.
DISSE BIDEN – Segundo uma porta-voz da Casa Branca, no mês passado, durante a primeira reunião bilateral entre os dois presidentes, Biden disse que confia no sistema eleitoral brasileiro, — o que, em linguagem diplomática, significa que ele não endossa as suspeitas do presidente brasileiro.
Já Bolsonaro respondeu que as eleições de outubro deste ano serão “limpas, confiáveis e auditáveis”, mas que “chegou pela democracia”, e “quando deixar o governo, também será de forma democrática”. O presidente brasileiro afirma que contratará uma empresa para auditar a votação, buscando desacreditar o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e o sistema de urnas eletrônicas.
Em agosto de 2021, o conselheiro de Segurança Nacional da Casa Branca, Jake Sullivan, advertiu o presidente brasileiro Jair Bolsonaro contra interferir nas próximas eleições, manifestando preocupação com as denúncias desprovidas de fundamento de Bolsonaro contra o voto eletrônico.
MILITARIZAÇÃO – Mais de seis mil militares ocupam cargos comissionados no governo federal, incluindo diversos ministros. Na última semana de junho, o general aposentado Braga Netto, que foi ministro da Defesa de Bolsonaro e é pré-candidato a vice-presidente na mesma chapa, afirmou a empresários que “não tem eleição” caso não haja “auditoria” dos votos.
Brasil e EUA desenvolvem cooperação militar em áreas como treinamentos e exercícios conjuntos. Em 2012, os países assinaram um Acordo de Cooperação em Defesa (DCA), um amplo tratado que define as regras de cooperação, e um Acordo de Informações de Segurança Geral das Forças Armadas.
Desde 1978 os países não tinham acordo na área, após cancelamento de um tratado de 1952 pelo então presidente Ernesto Geisel.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Parodiando o cantor Neguinho da Beija-Flor, podemos anunciar: “Olha o Tio Sam aí, gente”! (C.N.)