Não tem cabimento o texto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) aprovado na Comissão Mista de Orçamento do Congresso, que obriga o próximo presidente da República a pagar as famigeradas emendas do relator, também conhecidas pela sigla RP9. A ideia de, no jargão orçamentário, torná-las “impositivas” não pode prosperar quando for analisada pelo plenário da Câmara e do Senado. Passou da hora de quebrar a máxima “não existe nada tão ruim que o atual Congresso não possa piorar”.
As emendas do relator já provaram ser uma péssima maneira de alocar recursos. Foram ressuscitadas do tempo do escândalo dos Anões do Orçamento e usadas pelo governo Jair Bolsonaro como moeda de troca com o Legislativo. Mesmo que o Supremo Tribunal Federal (STF) tenha ordenado a divulgação dos parlamentares responsáveis pela indicação das verbas, tirando seu caráter secreto, isso não elimina a ineficiência na alocação do dinheiro. No lugar de critérios técnicos, prevalecem apenas interesses paroquiais de aliados do governo.
Na semana passada, o Tribunal de Contas da União (TCU) emitiu alertas sobre o “risco de incompatibilidade do planejamento governamental” e afirmou que a distribuição das emendas para as áreas de saúde e assistência social “não atende a critérios objetivos previstos constitucional e legalmente para alocação dos recursos da União nessas áreas”. O município de Arapiraca (AL) foi citado como um dos agraciados com um montante desproporcional. Reduto eleitoral do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP), recebeu transferências 5.230% superiores ao ano anterior.
As emendas do relator continuam a ser usadas sem a transparência exigida pelo STF e se tornaram um celeiro de indícios de irregularidades. Um dos principais focos é a Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), vinculada ao Ministério do Desenvolvimento Regional e controlada pelo Centrão. Com a devida investigação, é bem possível que a Codevasf ultrapasse o MEC em suspeitas de corrupção.
Em valores atualizados a dezembro passado, os gastos empenhados pelas emendas do relator em 2020 e 2021 somaram R$ 38,1 bilhões, num total de R$ 71,7 bilhões de todas as emendas parlamentares. Para este ano foram previstos mais R$ 16,5 bilhões e, para o ano que vem, já se fala em R$ 19 bilhões. O aumento de R$ 200 que será dado ao Auxílio Brasil até o fim deste ano custa R$ 26 bilhões. Suprimir as emendas do relator teria sido uma boa forma de no mínimo amenizar esse estouro no teto de gastos.
O Congresso tem o dever de pôr fim a elas. Em vez disso, o senador Marcos do Val (Podemos-ES), relator da LDO, propôs torná-las impositivas. Se o texto for aprovado, não poderão ser contingenciadas, e seus beneficiários não poderão ser alterados (a legislação atual não obriga a liberação e permite realocação).
A experiência do governo Bolsonaro mostrou que é péssima ideia deixar o Orçamento para investimentos à mercê das lideranças do Congresso, interessadas apenas em obras em seus redutos eleitorais. O governo dispõe de recursos exíguos, precisa saber gastá-los com critério e inteligência.
O Globo