Campanha eleitoral deve causar problemas para quem assumir o governo no ano que vem
Por Vinicius Torres Freire
A campanha eleitoral, fantasias econômicas ou demagogias descaradas podem causar problemas sinistros para quem vai governar a partir de 2023. Alguém pode acreditar que, a partir do ano que vem, vai voltar a correr leite e mel de cofres sem fundo do governo ou que a "força de vontade política" vá resolver as penúrias e falta de investimento que ajudam a encalacrar o país desde 2014, pelo menos. Acho que não.
A campanha mal começou e já há planos de aumentos de servidores, ideias ruinosas para a Petrobras e reduções malucas de impostos, um jogral cantado pelo governo e por candidatos a presidente que detestam o governo.
Considere-se o caso da Petrobras. Suponha-se que as ideias de tabelar seus preços e obrigar a empresa a construir novas refinarias à matroca não sejam em si um problema para a companhia (sim, estamos no reino da fantasia). Bem administrada, a Petrobras é uma vaca leiteira, rende muito dinheiro para o governo, assim como o negócio do petróleo inteiro. Se a empresa parar de render, de dar lucro (isso se não der prejuízo), o governo perde dezenas de bilhões de receita. Apenas os dividendos de 2021 vão render R$ 37,3 bilhões para o governo.
É o equivalente a 42% da despesa deste ano com o Auxílio Brasil. Por falar nisso, o Auxílio Brasil, ora em R$ 400, cai pela metade em 2023. Será preciso arrumar dinheiro para pagar esse dinheirinho que evita a fome de 18 milhões de famílias. De onde?
A grande discussão eleitoral até aqui é o preço de combustíveis (fala-se menos de botijão de gás, que é coisa de pobre mesmo). A fim de baixar o preço de gasolina e diesel em cinquenta centavos, seria necessário dar um subsídio de pelo menos R$ 52 bilhões de reais por ano, cerca de metade do lucro da Petrobras em 2021, provavelmente extraordinário.
Uma emenda constitucional rola sorrateiramente no Congresso. Permite a volta do quinquênio, um reajuste automático a cada cinco anos, para o pessoal da Justiça e do Ministério Público, que não ganha exatamente mal. Já apareceram emendas para estender o benefício a todos os servidores. Juízes em geral, estaduais e federais, fazem lobby por algum reajuste.
Funcionários do Banco Central decidiram fazer greve a partir de Primeiro de Abril. Algumas carreiras do Ministério da Economia pensam em parar. Jair Bolsonaro havia prometido aumento para policiais federais. O favor para a sua base eleitoral nas polícias irritou os demais servidores, sem reajuste faz tempo, mas que andavam calados desde a epidemia.
Não há previsão orçamentária para reajustes. Dado o limite do teto de gastos, mesmo desmoralizado, não é possível fazer gambiarra que permita aumentos. Talvez nem dê tempo, considerado o calendário político, eleitoral e legal, embora os cúmplices de Bolsonaro no comando do Congresso possam aprovar mesmo a reforma da natureza, de um dia para outro, em uma madrugada de tratoragem no plenário.
Bolsonaro diminui impostos: IPI, PIS/Cofins de combustíveis etc. Diz que "devolve recursos à sociedade", pois a arrecadação do governo aumentou além do previsto. É uma idiotice. Não há dinheiro sobrando. O governo tem déficit e vai pagar juros de pelo menos 12% ao ano para financiá-lo (a ricos, aliás).
Em 2023, um governo prestante teria de fazer mudança profunda na despesa e na receita do governo: gastar menos nisso, mais naquilo (fome, saúde, escola, algum investimento, ciência), aumentar impostos, mudar vários deles, criar regras fiscais novas e críveis. Para sair da lama, precisamos de mudanças imensas. No reino da fantasia, governo e candidatos planejam apenas criar um problema fiscal que terá consequências sinistras
Folha de São Paulo