A capacidade de os Estados financiarem investimentos públicos atingiu o volume recorde de R$ 130 bilhões no final do ano passado, mas o governo do presidente Jair Bolsonaro e aliados no Congresso estão se aproveitando dessa "bonança" fiscal nos Estados para conduzir a política macroeconômica a seu favor em ano eleitoral.
Em novo estudo sobre as contas dos governos estaduais, o coordenador do Observatório Fiscal do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), Manoel Pires, traz detalhes da ofensiva do governo para adotar medidas que estão "consumindo" receitas dos Estados. A disputa deve parar nos tribunais.
A situação fiscal dos Estados melhorou com a pandemia e o aumento da inflação, que garantiu maior arrecadação do ICMS - principal fonte de arrecadação dos governadores. O resultado primário dos Estados (que mede as receitas menos despesas sem contabilizar o pagamento de juros da dívida) atingiu em janeiro o patamar de R$ 83 bilhões em 12 meses. Essa economia fiscal é suficiente para cobrir as despesas com juros das dívidas de modo a gerar um superávit nominal de R$ 48 bilhões, um resultado sem precedente histórico.
Perda de receitas
Entre as medidas que levam à perda de receitas está a redução de tributos federais compartilhados com os Estados e municípios, como IPI e a mudança no ICMS. Há pressão no Congresso também para a correção da tabela do Imposto de Renda e da tabela do Simples. São medidas que trarão mais perdas de arrecadação, se aprovadas.
"Se não fosse ano eleitoral, o sentido de urgência de alguns desses temas poderia ser outro", diz Pires. O economista, que foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, afirma que medidas como essas são legítimas e podem contribuir no esquema federativo brasileiro. Mas alerta que elas devem ser feitas de forma equilibrada para não invalidar o esforço fiscal dos últimos anos e esgotar a capacidade financeira dos Estados.
Segundo o economista, é preciso ter cuidado para que o conjunto das ações não crie riscos fiscais para os Estados.
Um ponto destacado no trabalho é que recentemente o Supremo Tribunal Federal decidiu pela inconstitucionalidade da aplicação de alíquotas majoradas de ICMS para telecomunicações e energia elétrica, cabendo decidir pela modulação dos efeitos. Os Estados alegam perdas com a decisão da ordem de R$ 26 bilhões e negociaram para que os efeitos sejam aplicáveis a partir de 2024.
A segunda fonte de disputa é a tributação dos combustíveis, cuja alta de preços tem elevado impacto na inflação. Depois que a União adotou uma série de medidas tributárias para conter o avanço dos preços, pressionou os Estados a adotarem medidas na mesma direção. Foi o caso do congelamento do ICMS por 90 dias, em novembro de 2021. A medida não evitou novas pressões políticas e o Congresso acabou aprovando uma lei que alterou o modelo tributário do ICMS sobre combustíveis.
Para atender à lei, os Estados adotaram alíquota fixa sobre o diesel. Para proteger a receita dos Estados, a regulamentação foi feita para evitar perda de arrecadação, mas como o preço está subindo haverá perdas. No caso do IPI, a perda para os Estados pode chegar a R$ 6 bilhões.
Guedes diz que governo garantiu aumento de repasses na pandemia
O estudo do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) mostra que a pandemia teve grande impacto nas finanças públicas. No caso dos Estados, a combinação de três fatores - ajuda federal, ajuste nas despesas e recuperação cíclica, principalmente, em setores que compõem a base de tributação do ICMS - explicam a melhoria das finanças estaduais apesar da pandemia.
Na defesa das medidas que estão sendo adotadas, o ministro da Economia, Paulo Guedes, cobra contribuição dos Estados depois dos aumentos dos repasses federais durante a pandemia. Ele repete também que o congelamento dos salários, proposto por ele em contrapartida ao socorro aos Estados, garantiu economia aos governadores.
Estadão / Dinheiro Rural