Segundo Jonah Goldberg, em Liberal Fascism (2008), a versão do progressismo de hoje consiste na tríade aborto, Estado de Bem-Estar e política identitária. Tudo isso está em perfeita sintonia com o histórico nefasto do progressismo.
Por Bruna Frascolla
Como vimos, o progressismo é uma ideologia surgida nos Estados Unidos lá pelo fim do século XIX; que prospera nas duas Guerras Mundiais; que muda de nome e passa a ser chamado de liberalismo (por pretender libertar o homem por meio do Estado); e que, quando Kennedy é assassinado por um comunista, passa a dizer-se “de esquerda”. Embora, historicamente, o progressismo sempre tenha estado mais próximo do nazismo, já que criara a eugenia e era obcecado por raça (Kennedy era um notório anticomunista, tratado como grande bicho papão pela esquerda latino-americana tradicional. Estou curiosa para ver quanto tempo leva para essa nova esquerda brasileira do pós-Lava Jato elogiar Kennedy).
Segundo Jonah Goldberg, em Liberal Fascism (2008), a versão do progressismo de hoje consiste na tríade aborto, Estado de Bem-Estar e política identitária. Tudo isso está em perfeita sintonia com o histórico nefasto do progressismo.
Planejamento familiar ontem
Hoje o baluarte da defesa do aborto como mecanismo de controle de natalidade é a organização Planned Parenthood, criada por Margaret Sanger (1879 – 1966). Esta era uma notória eugenista e pôs na ordem do dia a expressão “planejamento familiar”. Liberais clássicos desconfiam do planejamento quando aplicado à economia, ridicularizam o planejamento da língua quando aparecem os propositores de aberrações como o gênero neutro, mas ficam numa boa com a planificação da natalidade. E uma coisa curiosa, nos dias de hoje, é que, mesmo que existam países com uma natalidade alarmantemente baixa (vide a Europa e o Japão), a expressão “planejamento familiar” continua sendo usada somente com o propósito de reduzir o número de filhos.
No entanto, uma outra coisa curiosa – e que na certa é indício de uma degeneração moral – é que Margaret Sanger era contrária ao aborto. Ela nasceu num mundo em que as mulheres sonhavam em casar e ter filhos; depois do seu trabalho, as mulheres passaram a sonhar com sexo e dinheiro. A sua Planned Parenthood foi pioneira na divulgação e distribuição de métodos contraceptivos, tornando assim a gravidez uma consequência facultativa do sexo. Uma vez que é uma consequência facultativa, pode-se planejar quem tem mais filhos ou menos. “Sanger acreditava”, diz Goldberg, “que, se as mulheres compreendessem o sexo como, antes de mais nada, uma experiência prazerosa, e não um ato procriativo, elas abraçariam o controle de natalidade como uma ferramenta necessária para a sua própria gratificação pessoal”. Ela estava correta.
Vimos também que, antes do aborto, um mecanismo eugênico inaugurado pelo progressismo – depois continuado pelos nazistas e depois pela Suécia do Bem-Estar – era a esterilização forçada. Goldberg nos conta que ela, “sob a bandeira da ‘liberdade de reprodução’ […], buscou proibir a reprodução dos inaptos e regular a reprodução de todo o mundo. […] ‘Mais filhos dos aptos, menos filhos dos inaptos – essa é a questão central do controle de natalidade’, escreveu francamente em seu livro The pivot of civilization, de 1922 (o livro trazia uma introdução escrita por Wells, na qual ele declarava: ‘Queremos menos e melhores filhos… e, com as malnascidas, mal treinadas hordas de cidadãos inferiores que vocês nos impõem, não podemos criar a vida social e a paz mundial que estamos determinados a criar’.)”. H. G. Wells é aquele que defendia um fascismo liberal, um nazismo esclarecido. E segundo Goldberg teve um caso com Sanger, vendo-se que era tudo uma mesma panelinha. Para que não restem dúvidas, incluo ainda trecho de um código escrito por ela em 34: “Nenhuma mulher terá o direito legal de gerar um filho sem permissão… Nenhuma permissão será válida para mais de um filho”.
E falando em panelinha, Sanger estava de acordo com W. E. B. Du Bois quanto a uma suposta inferioridade dos negros. Este herói do racialismo negro centrava suas atenções nos “talentosos 10%” da raça negra – o que implicava um desprezo pelos 90%. Assim, o militante negro W. E. B. Du Bois foi um parceiro da feminista Sanger para colocar as comunidades negras na mira do planejamento familiar. Do lado branco, consideraria-se a redução populacional da raça "inferior"; do lado negro, abriria-se a perspectiva da criação, a partir dos 10%, de uma raça negra "tão boa quanto a branca" (do alto do século XXI, devo registrar que todas as décadas de eugenia e esterilização de “inaptos” na Suécia resultou na seleção de Greta Thunberg. Aí está o pináculo de décadas de eugenia). Em 1939, então, Sanger cria o Negro Project.
A última coisa que falta para passarmos ao presente é lembrar a justificativa moral do juiz Oliver Wendell Holmes para esterilizar Carrie Buck: devemos impedir de nascer aqueles degenerados que irão morrer na forca, executados pelos seus crimes, ou e fome, por sua própria inépcia.
Planejamento familiar hoje
Pois bem: essa mentalidade eugenista e utilitária está a pleno vapor, e inclusive voltada contra os negros. O aborto substituiu a esterilização, e a mesma justificativa moral utilitária da esterilização é dada para o aborto.
Segundo Goldberg, “depois que o Holocausto desacreditou a eugenia per se, nem os eugenistas, nem as suas ideias desapareceram. De fato, eles se ocultaram em áreas como planejamento familiar e demografia e em movimentos políticos como o feminismo”. Assim, os dados de 2008 mostravam que os esforços de Sanger foram recompensados, pois os negros, embora fossem 12% da população, eram 37% dos abortos. E os abortos de negros eram mais numerosos do que o somatório da morte de negros por violência, aids, doenças cardíacas, câncer e acidentes (e aqui bem se vê que a eugenia de Du Bois tampouco deu lá muito certo).
Goldberg menciona que Sanger sabia do extremismo das próprias ideias e temia que, se bem divulgadas, enfurecessem os negros. Em 2008, escrevia que o “bônus eugênico racial” advindo da liberação do aborto era um tabu até poucos anos atrás. A questão é simples: nos EUA, os negros têm altas taxas de criminalidade. Se menos negros nascem, então há uma redução da criminalidade. Em 2005, um pró-vida chamado William Bennet observou que, se a intenção for reduzir os crimes a qualquer custo, basta abortar todo e qualquer bebê negro. Foi chamado de racista por isso, quando o seu ponto era justamente argumentar contra o utilitarismo. No mesmo ano, o badalado economista Steven Levitt lançou o best-seller "Freakonomics", onde se lê: “O aborto legalizado levou à diminuição de filhos indesejados; filhos indesejados cometem mais crimes; o aborto legalizado, portanto, levou a menos crimes”. Goldberg observa que “Freakonomics removeu todas as referências à raça [que ele tinha feito num artigo de 99] e nunca correlacionou os fatos de que, como os fetos abortados eram desproporcionalmente negros, e os negros contribuem desproporcionalmente para a taxa de crimes, a redução do tamanho da população negra reduz os crimes. Ainda assim, a imprensa reconheceu essa realidade e não pareceu se importar” (não é curioso que essa política de segurança pública prescinda de polícia?).
Agora estamos assistindo à esterilização de menores por meio da ideologia trans e à defesa da interrupção da gravidez em prazos cada vez mais dilatados. O céu é o limite? Bom, Goldberg traz à lembrança um artigo do bondoso, altruísta, fofinho amante dos animais, papa do veganismo, o prof. Peter Singer, de Princeton. O título é “Nem sempre é errado matar bebês” e defende a legitimidade do infanticídio, já que a consciência demora a se formar e o mundo, segundo ele, está superpovoado. Vocês podem ver com seus próprios olhos, e, sim, ele é o bambambã acadêmico da disciplina Ética. E devo acrescentar que ele é judeu descendente de austríacos que fugiram de Hitler – ou seja, esse papo de que ser judeu impede alguém de ser igual a um nazista é conversa mole.
Bem-Estar social
Como o leitor pode ver no Washington Post, os suecos consideraram a eugenia uma condição para estabelecer o Estado de Bem-Estar, e o descontentamento com esse Estado fez com que os suecos mais novos publicizassem, em 97, a eugenia. A correlação é bastante intuitiva: tal como é difícil um chefe de família alimentar várias bocas, é difícil um Estado paternal alimentar vários cidadãos. Logo, é preciso reduzir o número de cidadãos dependentes de auxílios.
Mas os EUA estavam numa situação bastante diferente da Suécia e da Alemanha: eram um país cheio de raças diferentes, com negros, mestiços e brancos degenerados do Sul. Assim, a questão do Bem-Estar foi muito mais racializada do que em qualquer outro país.
Goldberg aponta dois nomes acadêmicos do racismo científico engajados na discussão do salário mínimo e do Bem-Estar: E. A. Ross e Sydney Webb. Ambos presumiam que os arianos eram a raça superior, e, se hordas de imigrantes e de negros chegavam ao Norte para tirar empregos dos brancos, isso era um problema a ser sanado. Dizia Ross: “O coolie [peão oriental] não pode superar o americano, mas pode reduzir o salário dele”. Moral da história: há que se criar um salário mínimo e colocá-lo tão alto que só trabalhadores qualificados, brancos, encontrem quem pague. E o que fazer com os coolies, os negros etc.? “Royal Meeker, um economista de Princeton e assessor de Woodrow Wilson, explicou: ‘É melhor que o Estado sustente totalmente os ineficientes e impeça a multiplicação de sua linhagem, em vez de subsidiar a incompetência e a imoderação e permitir que continuem reproduzindo outros iguais a eles’”.
Ou seja: a história do Bem-Estar (que Goldberg coloca como surgida na Prússia de Bismarck com o nome de Wohfahrstaat) se confunde com a da eugenia e do controle populacional. Tratava-se de tirar a liberdade de trabalho dos pobres e colocá-los sob o controle do Estado.
Nem sempre as consequências são todas como o planejado; não é porque alguém recebeu auxílio que vai ficar dependente por toda a vida. De todo modo, é necessário estudar os efeitos do Bem-Estar. Nos EUA, é obsessão de Sowell a degradação das famílias negras desde o início do Estado de Bem-Estar – isso e a importância da cultura, já que os orientais escaparam da mesma sina. Entre nós, cabe avaliar se a “falta de saída” de programas como o Bolsa Família é consequência intencional ou não, já que o projeto é de um grupo político mestre em importar progressismo. É preocupante a fato de todos os acadêmicos endeusarem o programa. De minha parte, já apontei que o programa deve ter possibilitado a chegada do crack aos rincões rurais do país.
Política identitária
Como o livro é de 2008, não fala dos LGBTQuiabo. Fala de raça. E corrobora aquilo que o brasileiro comum pensou ao ver o nosso tradicional antirracismo ser posto abaixo desde o imbróglio das cotas raciais nas universidades: que o identitarismo é uma legitimação do racismo; uma troca do racismo antinegro pelo racismo antibranco.
Goldberg traz como um ícone do racismo negro Leonard Jeffries, pai do afrocentrismo e defensor da teoria da melanina. Observa também que a crítica da “lógica branca” pelos supremacistas negros é idêntica à crítica da “ciência judia” pelos nazistas. Ambos não creem na universalidade do conhecimento humano e querem racializar tudo na academia.
O legado Iluminista foi jogado fora; Martin Luther King, idem. A diversidade não teria mais nada a ver com a ausência de preconceitos. Pelo contrário, seria apenas mais um pretexto para engenharia social.
Em 2008, Goldberg escrevia usando o tempo futuro: “a busca da diversidade se transformará numa autorização permanente para que administradores ultraminuciosos da engenharia social discriminem contra qualquer grupo que queiram a fim de alcançar o ‘equilíbrio’ desejado. Por exemplo, o uso de quotas mantém judeus (e asiáticos) injustamente fora de universidades para ajudar negros e hispânicos. O que é diferente é que agora os liberais estão seguros de que tais políticas são um sinal de progresso racial”.
E é o que está acontecendo. É a perpetuação do racismo por novos meios. Para piorar, quem é a favor da neutralidade é chamado também de racista – assim, as pessoas são coagidas a serem racistas para escapar da acusação de racismo.
Bom senso e canja de galinha
Contra tudo isso, cultivar o bom-senso é fundamental. Valem os versos “uma esmola a um homem que é são/ ou lhe mata de vergonha, ou vicia o cidadão”. E se o povo não tiver vergonha de receber auxílio ou pensão alimentícia quando pode trabalhar, nem de abortar por levar uma vida desregrada, nem de pedir privilégios pela cor da pele, resta ficar de quatro e esperar o Planejador montar em nós. Mas se tivermos bom-senso e coragem, não há planejador que nos segure.
Todo esse lobby progressista mira nos brasileiros há anos, e não há como reclamar só do governo, se essa ideologia vive da corrupção dos costumes dos cidadãos. Há propaganda, é verdade; mas há também a liberdade individualíssima para não sucumbir a ela.
Gazeta do Povo (PR)