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Conversas entre empresário Ricardo Santana e suposto lobista Marconny Ribeiro foram obtidas em inquérito do MPF e enviadas à Comissão após requerimento do ex-senador Ciro Nogueira.
Por Marcela Mattos, Gustavo Garcia e Sara Resende
Senadores da CPI da Covid tornaram públicas nesta quinta-feira (26) uma série de mensagens telefônicas nas quais há indícios do envio de um “passo a passo” para fraudar uma licitação de testes contra a Covid-19. Os textos foram trocados entre o ex-funcionário da Anvisa Ricardo Santana e o suposto lobista Marconny Albernaz Ribeiro.
As mensagens foram obtidas em inquérito do Ministério Público Federal do Pará, que investiga a atuação de Marconny, e enviadas à CPI após requerimento apresentado pelo ex-senador Ciro Nogueira (PP-PI), hoje ministro da Casa Civil. O material foi apresentado durante o depoimento de Santana.
Nas tratativas, há referências a pessoas envolvidas, direta ou indiretamente, nas tratativas ou que demonstravam proximidade com Marconny, entre elas: a médica Nise Yamaguchi; a advogada do presidente Jair Bolsonaro, Karina Kufa; o ex-assessor do Ministério da Saúde e o coronel da reserva Marcelo Blanco e Francisco Maximiano, dono da Precisa.
As negociações tratadas nas mensagens envolveriam o ex-diretor de Logística do Ministério da Saúde Roberto Dias, e a Precisa Medicamentos, empresa que vendeu testes a estados e intermediou a aquisição da vacina indiana Covaxin com o governo brasileiro.
A relação entre Dias e a Precisa também é objeto de investigação da CPI no âmbito da suposta pressão feita pelo ex-diretor pela liberação da importação da Covaxin.
"As investigações do Ministério Público Federal do Pará apontam que o Marconny Albernaz de Faria é um lobista, que atuava defendendo e argumentando os interesses da Precisa Medicamentos", afirmou o vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP).
Com base nas mensagens obtidas, a cúpula da CPI ainda suspeita sobre a possibilidade de vazamento da operação Falso Negativo que apurou as irregularidades em vendas de testes e mirou a Precisa.
Uma mensagem foi enviada às 5h16 ao dono da empresa tratando da ação. De acordo com Omar Aziz (PSD-AM), presidente da CPI, neste momento a operação ainda não havia sido divulgada.
Houve, ainda, a menção a um senador que teria participado de uma das reuniões – o nome do parlamentar não foi revelado.
Confira trechos das mensagens abaixo:
‘Passo a passo’
Em 10 de junho de 2020, Marconny encaminhou a Ricardo Santana uma mensagem na qual diz constar a “arquitetura ideal para o processo dos kits prosseguir”. O primeiro item faz referência à DLOG (abreviação ao Departamento de Logística), com menção a “Bob ou sucessor”. Senadores acreditam que o Bob citado seja Roberto Ferreira Dias, então diretor do departamento.
O primeiro passo seria que o DLOG solicitasse a devolução do processo, com a possibilidade de alegar a necessidade de revisão de atos. Ao todo, são dez itens citados como uma tramitação “ideal” do processo dentro do Ministério da Saúde.
“Talvez seja a primeira vez que alguém descreve o caminho do crime. É um documento inédito, histórico”, afirmou o relator da CPI, senador Renan Calheiros (MDB-AL).
“O teste era para as pessoas não morrerem, e vocês fraudando. Não era o valor humano, era o valor que ia entrar no bolso deles. Nunca foi a vida”, disse Omar Aziz (PSD-AM), presidente da comissão.
Karina Kufa
Também foi apresentada, durante a sessão, uma mensagem enviada por Ricardo Santana ao suposto lobista em 23 de maio do ano passado. No texto, o ex-secretário da Anvisa escreve a Marconny: “Foi um prazer te conhecer hoje na casa da Karina. Aliás, ela me passou seu telefone. Obrigado pelo bate-papo agradável. Se eu puder te ajudar em algo, conte comigo. Boa noite”.
Vice-presidente da CPI, o senador Randolfe Rodrigues afirmou que nesta data foi realizado um evento na casa de Karina Kufa, advogada do presidente Jair Bolsonaro e de seu filho, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP). Para o senador, o texto indica que foi Karina quem apresentou o lobista a Ricardo Santana.
Aos senadores, o ex-secretário da Anvisa confirmou que conhece a advogada, mas disse não se lembrar o “contexto” no qual conheceu Marconny Ribeiro.
Senador
O senador Humberto Costa (PT-PE) exibiu uma troca de mensagens de 2 de junho do ano passado em que Santana diz a Marconny Ribeiro que teria uma reunião no Ministério da Saúde com o objetivo de “desatar um nó” e que trataria sobre 12 milhões de testes rápidos.
Santana afirmou ainda que “meu amigo aqui estará às 8h com o senador”. “Fechou agora na minha frente. Daí explico direito para eles. O coronel Blanco está aqui, estamos aguardando eles”, afirmou.
O coronel Marcelo Blanco atuou no Departamento de Logística com Roberto Dias. Ele também participou de jantar no qual teria havido cobrança de propina.
Ao ser questionado sobre quem seria o senador, afirmou: “Não lembro, senador. E, com todo respeito, por orientação do meu advogado, permanecerei em silêncio”.
‘Operação vazou’
Também foi apresentada mensagem enviada por Marconny em 2 de julho, às 5h16, para Francisco Maximiano, dono da Precisa Medicamentos, na qual dizia: “Operação vazou”.
Neste dia, a Operação Falso Negativo, que apurou a compra superfaturada de testes de Covid-19 de baixa qualidade, foi deflagrada. Entre as empresas atingidas estava a Precisa.
Na sequência, houve ligações entre os dois e também constam que mensagens entre eles foram apagadas. Mais tarde, Ricardo Santana encaminha a Marconny notícia sobre a operação. "Já tinha visto, o Max me avisou", respondeu o suposto lobista.
Para a cúpula da CPI, há indícios de vazamento. “Uma operação da Polícia Federal só quem sabe é a Polícia Federal ou o Ministério Público Federal. Uma operação não começa às 5h16, horário de Brasília, porque, por regra, tem que o sol nascer para iniciar. Antes da operação iniciar, o senhor Marconny e o senhor Maximiano conversam sobre a operação. Este é um outro dado instigante: de onde vaza a notícia da operação? De onde chega para Maximiano? Que forças tão poderosas levam a uma ação da Polícia Federal vazar e chegar ao senhor?”, disse Randolfe.
O presidente da CPI, Omar Aziz apontou ainda que houve conivência dos órgãos de controle. “Se o Ministério Público Federal e a Polícia Federal tinham as informações todas, como é que o Roberto Dias continuou no Ministério da Saúde?”, perguntou.
Em nota, a Polícia Federal informou que não deflagrou Operação Falso Negativo. A ação foi realizada pelo Ministério Público.
Nise Yamaguchi
Em 14 de junho de 2020, Santana enviou uma mensagem de voz a Marconny Ribeiro relatando que havia encontrado Nise Yamaguchi. A médica já participou de reuniões no Palácio do Planalto e é investigada pela CPI por integrar um suposto gabinete paralelo de aconselhamento ao presidente da República.
No texto, o ex-secretário da Anvisa diz que passou “boa parte do tempo” com Yamaguchi e que eles haviam passado a noite “trabalhando num plano que é fruto de visitas ao ministério”. Santana disse que a médica ficou de entregar um “plano” para o ministro – à época, a pasta era comandada por Eduardo Pazuello – e para o presidente da República.
O plano conteria uma “força-tarefa” focada na comunicação de uma “nova abordagem” sobre resultados do governo, “medidas para a retomada econômica” e um trabalho de prevenção.
Santana também afirma que um dos exemplos seria justamente os testes da doença.
“Nós não estamos testando, estamos praticamente há um mês com o processo de compra parado. São esses pontos que a gente vai trabalhar para destravar e avançar numa agenda positiva. A ideia é que amanhã, domingo, isso seja apresentado ao presidente da República para que ele olhe esse material, modifique se for o caso, reforce alguns pontos que entenda que são mais importantes, e a gente está nessa toada. Tudo pelo Brasil. Conto com você em algum momento para você nos ajudar a colocar isso em pé, você é fundamental nisso”, afirmou Santana ao suposto lobista.
G1