Publicado em 14 de junho de 2021 por Tribuna da Internet
Gabriel Brito
Correio da Cidadania.
Em meados de abril, a direção da Petrobras anunciou o sexto aumento do preço dos combustíveis e seus derivados apenas em 2021, a despeito do desemprego e da carestia que voltam a assolar o país. Nesta entrevista ao Correio Cidadania, Felipe Coutinho, engenheiro da Petrobras, explica o arranjo político e ideológico que tomou conta da empresa desde 2015 e, a partir da política de desinvestimentos e da paridade aos preços de importação, produziu a permanente alta de preços.
O maior plano de privatização da história da companhia foi apresentado em 2015, no governo Dilma Rousseff e está em andamento, na contramão da tendência mundial.
“As maiores companhias de petróleo do mundo são estatais; das cinco maiores, são quatro estatais. Enquanto das 25 maiores, as estatais são 19. Controlam mais de 90% das reservas e cerca de 75% da produção de petróleo. As petrolíferas estatais são companhias integradas verticalmente e que aumentam sua importância relativa ao longo do tempo”, diz Coutinho.
Como analisa os aumentos no preço do diesel e da gasolina, anunciados pela Petrobrás em 15 de abril? Quais as causas que levaram a mais este reajuste?
Desde outubro de 2016, a Direção da Petrobras adotou a inédita política de Preços Paritários aos de Importação (PPI). Segundo esta política, os preços dos combustíveis vendidos nas refinarias da companhia têm preços arbitrados como se tivessem sido importados. Ou seja, se estima o preço do combustível numa refinaria estrangeira e se soma os custos logísticos de importação, as taxas e seguros, além das margens de risco e de lucro dos importadores. Parece absurdo, mas é isso que acontece, apesar de a Petrobrás e do Brasil serem superavitários na produção de petróleo cru e de termos capacidade de refino para o petróleo brasileiro, que é compatível com nosso parque de refino e com o mercado nacional de diesel e de gasolina, por exemplo. E apesar de a Petrobrás ter custos inferiores aos Preços Paritários de Importação (PPI) e capacidade de abastecer nosso mercado com menores preços, são arbitrados preços como se os combustíveis precisassem ser importados, desde 2016.
Como avalia a política de subordinação de preços ao mercado internacional? Qual o benefício à sociedade brasileira?
Com preços relativamente altos, os combustíveis da Petrobrás perdem competitividade e ficam encalhados nas suas refinarias. Assim, os importadores têm lucros garantidos e tomam o mercado da Petrobrás que fica com suas refinarias ociosas em até 30%, desde 2016. Ganham os produtores de diesel, gasolina e etanol dos Estados Unidos, origem da maior parte dos combustíveis importados. Ganham os importadores e os distribuidores privados, assim como os produtores de etanol no Brasil.
E quem perde?
Perde a Petrobrás, com a redução da sua participação no mercado. Perde o consumidor brasileiro, direta e indiretamente, com preços desnecessariamente altos dos combustíveis que refletem na elevação de preços em toda a economia. Perde a economia nacional, com a redução da produtividade do trabalho e maior dificuldade para promover o desenvolvimento humano e econômico, o que é consequência da energia mais cara do que poderia ser garantida pela Petrobrás.
Este aumento tem relação com a política de desinvestimentos dos últimos anos? Que balanço você faz dessa política?
A Petrobras, enquanto integrada vertical e nacionalmente, ou seja, enquanto atua desde a procura do petróleo ao seu refino e distribuição, é muito eficiente, tem custos baixos e capacidade de abastecer com preços inferiores aos de importação e preservar sua capacidade de investir, administrar a dívida etc. O capital estrangeiro, ao adquirir refinarias, não tem capacidade de competir com a Petrobrás. Assim, precisa ter a garantia de que a Petrobras não exercerá seu potencial competitivo. Por isso, para vender as refinarias, a Petrobras precisa cobrar os preços do petróleo importado e não seus preços reais, que são bem mais baratos. Com a atual política de preços, é mais fácil atrair o capital estrangeiro para comprar refinarias da Petrobras e ter acesso privilegiado aos mercados regionais e decidir qual a maneira mais lucrativa de abastecê-los, não necessariamente com combustíveis produzidos no Brasil.
Como analisa a gestão de Castello Branco à frente da Petrobrás, que saiu gabando-se de ter “feito a Petrobrás menor”?
Foi exatamente o que ele fez, reduziu a Petrobrás com a diminuição dos investimentos e com a venda de ativos rentáveis e estratégicos da companhia.Desde a década de 1960, os investimentos anuais médios da Petrobrás foram de cerca de US$ 20 bilhões, em termos atualizados. Entre 2009 e 2014, foram US$ 50 bilhões por ano. Castello Branco deixa plano quinquenal com média de investimento projetado de cerca de US$ 11 bilhões por ano. Em 2020, foram investidos apenas US$ 8 bilhões.
E as privatizações já feitas?
Em 2015, ainda no Governo Dilma e sob a administração Bendine, a Petrobras apresentou o maior plano de privatização da sua história, mais de US$ 57 bilhões em vendas de ativos para cinco anos. O plano foi mantido e executado pelas administrações subsequentes de Temer/Parente, Temer/Monteiro e Bolsonaro/Castello Branco. Entre 2015 e 2020 foram privatizados US$ 35,5 bilhões em ativos. Sob Castello Branco, em 2019 e 2020, foram US$ 17 bilhões.
Quais os danos à Petrobras?
Os valores, por si só, não refletem os danos causados à Petrobrás, a desintegração da companhia traz riscos desnecessários porque aumenta custos operacionais, reduz eficiência e compromete a geração de caixa para preços moderados ou baixos do petróleo. Enfim, prejudica o potencial de investimentos da Petrobrás, assim como sua capacidade de abastecer nossa economia com preços moderados de combustíveis e de energia. Trata-se da subordinação do país e da sua maior empresa aos interessas financeiros estrangeiros. Trata-se da entrega do mercado brasileiro, da desindustrialização e do boicote ao potencial de crescimento e desenvolvimento brasileiro que precisa contar com significativa e decisiva liderança estatal.
A visão neoliberal brasileira tem amparo real ou prevalece no mundo uma forma mais estatista de controle do petróleo?
As maiores companhias de petróleo do mundo são estatais; das cinco maiores, são quatro estatais. Enquanto das 25 maiores, as estatais são 19. Controlam mais de 90% das reservas e cerca de 75% da produção de petróleo. As petrolíferas estatais são companhias integradas verticalmente e que aumentam sua importância relativa ao longo do tempo.
E as alternativas energéticas?
As energias de origem fóssil – carvão, petróleo e gás natural – representam cerca de 85% da matriz energética mundial há décadas e não há perspectiva de mudança em curto ou médio prazos. O Brasil deve optar pelo uso do seu petróleo, agregar valor a ele e não permitir sua exportação em estado cru. Devemos investir no desenvolvimento das energias potencialmente renováveis, conhecendo seus limites e utilizando nossas vantagens naturais e inteligência para produzi-las aos menores custos possíveis.
Qual a importância da Petrobras para o Brasil, em termos gerais?
O petróleo é uma mercadoria especial, na medida em que não tem substitutos em equivalente qualidade e quantidade. Sua elevada densidade energética e a riqueza de sua composição, em orgânicos dificilmente encontrados na natureza, conferem vantagem econômica e militar àqueles que o possuem. A sociedade que conhecemos, sua complexidade, sua organização espacial concentrada, sua produtividade industrial e agrícola, tudo isso depende do petróleo. Para desenvolver o país, é necessário garantir a propriedade do petróleo e operá-lo no menor preço possível, que seja lucrativo para os acionistas e não provoque inflação e recessão. É isso que a Petrobras pode fazer, mas o governo não permite.