Publicado em 16 de junho de 2021 por Tribuna da Internet
Pedro do Coutto
Um levantamento da Fundação Getúlio Vargas sobre a área social, coordenado por Marcelo Neri, revela que o salário médio dos brasileiros no período de janeiro a março recuou 11,3%. Mas isso de modo geral. Para as classes de menor renda a perda significou um recuo de 20,8%.
A diferença é o resultado relativo ao peso dos preços da alimentação, pois quanto mais baixa for a renda mensal maior é o peso dos alimentos no plano percentual. Eis aí, portanto, a consequência de os preços estarem subindo e os salários descendo, o que na parcela de maior carência significa enfrentar diariamente o desafio da fome.
DESAFIO – As famílias mais pobres estão expostas a esse desafio. É preciso comer e dar comida às crianças. Mas como pode ser feito isso se o desemprego passa de 14% sobre a mão-de-obra ativa brasileira ? A reportagem sobre o assunto é de Leonardo Vieceli, Folha de São Paulo desta terça-feira.
O resultado era previsto e pessoalmente acho até que o índice inflacionário é maior, pois em alguns casos, sobretudo focalizando a classe média, entraram no cálculo as passagens aéreas que não subiram e nem poderiam subir com os aviões trafegando com um percentual muito menor do que o verificado em momentos de maior equilíbrio inflacionário. Passagem aérea é algo que não pode ser projetado sobre os grupos E e D da sociedade brasileira.
A pesquisa da FGV Social dividiu a população em diversos segmentos e confrontou o primeiro trimestre de 2020 com o primeiro trimestre de 2021. Os resultados foram péssimos para os que vivem de salário no Brasil, e sem perspectivas de melhora porque o governo não se mostra disposto a corrigir os salários pela taxa de inflação que acarreta o aumento de preços generalizado.
DESIGUALDADE – O resultado da pesquisa também conduz a um novo rebaixamento no Brasil no Índice de Gini, em cuja escala, zero significa igualdade de renda. Quanto mais próximo de um, maior é a desigualdade. Na prática, uma alta no indicador sinaliza piora nas condições socioeconômicas.
Hostilizar quem trabalha, e é o que o governo Bolsonaro tem feito, significa cair tanto o consumo quanto a poupança, a começar pela caderneta tradicional. Isso de um lado. De outro, com o consumo em queda, a arrecadação tributária acompanha a tendência negativa porque, na verdade, todos os tributos no fundo da questão terminam sempre no grau de consumo da população.
CONCENTRAÇÃO DE RENDA – Não é possível arrecadar mais se os assalariados ganham cada vez menos. O salário médio brasileiro que era em 2020 de R$ 1200, recuou agora em 2021 para R$ 995. Com isso, é claro, a concentração de renda aumentou, ao contrário do que seria de se esperar caso houvesse um avanço salarial mais expressivo e um preço menor para os produtos de consumo obrigatório.
O resultado que está em destaque era fácil de ser previsto, conforme tenho escrito neste site. Mas o que é difícil ainda é estimar que a situação de recalque a que estão expostos os celetistas e o funcionalismo público possa ser revertida em curto prazo. O que podemos esperar é que o resultado das urnas contribua para mudar o quadro geral e social brasileiro.
PROJETO PARA AS ESQUERDAS – Em artigo assinado na edição de ontem da Folha de São Paulo, Guilherme Boulos, que foi bem votado nas eleições para prefeito de São Paulo, quando o vitorioso foi Bruno Covas, defende uma união dos segmentos considerados de esquerda para enfrentar o bolsonarismo nas urnas de 2022. Novamente a questão ideológica será colocada, e atualmente, quem era do centro e que defendia justiça social, base da mensagem cristã, passou a ser considerado esquerdista, quando na realidade a justiça social é uma questão importante para o progresso de qualquer país.
Não adianta alguém dizer-se cristão e não levar em consideração o combate à pobreza, à miséria e à fome, pontos básicos para um progresso efetivo não só no Brasil, mas no planeta. A esquerda assim, a meu ver, significa somente um pensamento liberal para a sociedade. Nada mais justo do que dignificar os valores do trabalho humano.
Rússia e China tornaram-se potências capitalistas : não confundir o sufocamento da liberdade com a acumulação de capital para investimentos que reduzam o desemprego com o extremismo de ontem, hoje restrito à Coreia do Norte e à Cuba. Claro que nem a Rússia ou a China praticam a liberdade para suas populações. A extrema esquerda revolucionária desapareceu na névoa do tempo. Mas a extrema direita continua em movimento, o que é um perigo para todos nós. Sobretudo porque ela visa a supressão de direitos humanos e só tem a violência como resposta para as reivindicações cristãs e legítimas.
FAKE NEWS – Reportagem de Patrícia Campos Mello, Folha de São Paulo, incluindo uma entrevista com Fabrício Benevenuto, da Universidade Federal de Minas Gerais, chama atenção para uma forte onda de fake news nas redes sociais produzida por apoiadores do presidente Jair Bolsonaro.
O sistema Telegram, por exemplo, assinala que faltam providências por parte do Facebook, do WhatsApp e do Instagram sobre o problema, embora todos eles tenham reformulado conceitos para a publicação de matérias. O Telegram é apontado como o setor de maior risco porque não tomou iniciativa alguma visando rejeitar a prática de notícias e pensamentos falsos e falsificados. Na minha opinião, o tema é complexo, mas não se pode aceitar a premissa de que a liberdade de expressão seja acompanhada pelo anonimato.
Não há relação de uma coisa com outra. As pessoas têm liberdade de se exprimir, mas não podem se eximir da responsabilidade sobre as afirmações feitas ou usar o anonimato como escudo de ferro contra o direito social de não ser iludido pela publicidade comercial usada no plano político.