Gustavo Maia, Carolina Brígido e Daniel Gullino
O Globo
Após um período de trégua, decisões de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) voltaram a entrar na mira do presidente Jair Bolsonaro. Nas últimas semanas, ele reclamou de “interferências” em questões relacionadasà tributação sobre a importação de armase ao combate à Covid-19.
As manifestações públicas apontam para o fim de um “cessar-fogo” iniciado em meados do ano passado, quando a prisão de Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) e amigo da família, forçou o presidente a selar um armistício com o Poder Judiciário.
CASTRADO PELO STF – Na sexta-feira, em meio ao colapso do sistema de saúde de Manaus, Bolsonaro disse que foi “castrado” pelo Supremo e que estava “desobedecendo” a Corte ao ajudar a capital amazonense. Mas, na verdade, o que o tribunal decidiu, em abril de 2020, foi que estados e municípios teriam autonomia para tomar decisões locais.
Ou seja, o governo federal segue podendo realizar ações, mas de abrangência nacional. No mesmo dia, declarou que não fica satisfeito com muitas decisões do tribunal. Disse ainda que há pautas no STF que, caso sejam aprovadas no futuro, vão representar uma “catástrofe” para o Brasil.
O presidente acrescentou ainda que, se dependesse da Corte, ele tinha que “estar na praia agora, tomando uma cerveja”, além de ter chamado os ministros de “velhinhos” que ficaram “apavorados” após uma visita do então ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta.
IMPORTAÇÃO DE ARMAS – No fim do ano passado, outro tema gerou reclamações do presidente: a decisão do ministro Edson Fachin de suspender a alíquota zero para a importação de revólveres e pistolas, que havia sido determinada pela Câmara de Comércio Exterior (Camex), do Ministério da Economia.
Na ocasião, Bolsonaro disse que o assunto “não tem nada a ver com o Supremo” e que Fachin estava decidindo sobre legislação tributária. Na quinta-feira, voltou ao assunto e classificou a decisão como uma “sentença esfarrapada”.
Embora as ofensivas de Bolsonaro contra o STF tenham voltado a acontecer, ainda não houve reação da Corte — quando o presidente voltou a levantar, sem provas, a hipótese de fraudes nas urnas eletrônicas, Fachin e o ministro Luís Roberto Barroso retrucaram, mas sob as condições, respectivamente, de vice e presidente do Tribunal Superior Eleitoral.
SEM BATE-BOCA – O presidente do Supremo, Luiz Fux, não considerou necessário dar uma resposta, para evitar bate-boca entre os Poderes. Na visão dele, essa necessidade existiria apenas se houvesse algum excesso.
— A relação do STF com o Palácio do Planalto é hoje de independência e harmonia — resumiu Fux.
Desde que tomou posse na presidência do STF, ele tem mantido mais distância em relação a Bolsonaro, em comparação com a relação que Dias Toffoli tinha com o presidente. Fux se limitou a fazer uma visita de cortesia, no dia 23 de dezembro, e a cumprimentar Bolsonaro em eventos públicos. Já Toffoli chegou a receber o presidente da República para uma pizza em casa e costumava frequentar o Palácio da Alvorada.
“DIÁLOGO SAUDÁVEL” – Um auxiliar próximo a Bolsonaro, ligado à área jurídica do governo, disse ao GLOBO, em reservado, que hoje existe “um natural e saudável diálogo institucional”. Segundo ele, o tom pode variar, mas, o que importa, é que os canais de diálogos prossigam sempre abertos.
Até mesmo uma “vitória” rendeu críticas do presidente ao STF. Nas últimas semanas, Bolsonaro comentou mais de uma vez o resultado de julgamento sobre o direito de amantes a pensão e partilha de bens após a morte de um cônjuge, o que foi vetado pela Corte por 6 votos a 5. Ele aproveitou para criticar Celso de Mello, seu desafeto. Para o presidente, o ex-ministro “com toda a certeza” teria votado do outro lado, “contra a família”.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – É uma matéria interessante, mas a gente fica em dúvida se o pacto entre os três Poderes acabou ou não, porque já se sabe que tanto Arthur Lira quanto Baleia Rossi não pretendem pautar a volta da prisão após segunda instância. E certamente também não pretendem pautar as restrições ao foro privilegiado, já aprovadas no Senado. (C.N.)