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quarta-feira, janeiro 21, 2009

A grande lição do caso Cesare Battisti

Celso Lungaretti*

Na etapa inicial, a luta em prol de Cesare Battisti foi travada basicamente via internet, ao longo de 2007 e dos primeiros dez meses de 2008, enquanto a grande imprensa a ignorava ou minimizava.

A CartaCapital se destacou negativamente: quando mais difícil era obter apoios para a causa, produziu uma matéria tendenciosa, 100% alinhada com as razões do governo italiano, sem qualquer consideração pelo outro lado.

Ao apresentar Battisti como criminoso comum, afugentou pessoas que, se tivessem um quadro mais completo do caso, tenderiam a simpatizar com sua causa. Reforçou os preconceitos que, desde o compromisso histórico, a esquerda ortodoxa italiana dissemina a respeito dos ultras.

Só as revistas piauí e Caros Amigos concederam ao caso Battisti o destaque merecido nessa fase, dando voz à vítima das perseguições rancorosas do governo Berlusconi.

Mesmo assim, o trabalho infatigável do jornalista Rui Martins ia produzindo seus efeitos na internet, com seus textos sendo reproduzidos por portais e sites jornalísticos, além de disseminados nos circuitos de e-mails.

Em novembro de 2008, o Conselho Nacional para os Refugiados negou por três votos a dois o refúgio humanitário para Cesare Battisti. Essa decisão, um cavalo de batalha para os italianos e os brasileiros alinhados com as posições italianas, deve ser relativizada: o ministro Tarso Genro confessou à Folha de S.Paulo ter instruído o secretário-executivo do Conare, Luiz Paulo Barreto, a, ocorrendo empate, dar o voto de minerva contra Cesare ("Não quero que pensem que eu não tenho coragem política e decência moral para decidir um assunto conflituoso como esse", disse o ministro).

Decisão soberana

O certo é que os cidadãos solidários a Cesare Battisti passamos a ver o recurso a Genro como a última chance de evitar-se a extradição do perseguido político italiano. O trabalho de redação de artigos e sua difusão na internet foram intensificados ao máximo, com a minha participação e de Laerte Braga, dentre outros.

Na semana decisiva, uma digna matéria de duas páginas da revista Época apresentou o assunto como se deve, sem viés ideológico, com todos os prós e contras expostos.

Mesmo assim, a consistente decisão de Tarso Genro, justificada de forma impecável num arrazoado de 12 laudas, foi sucedida por um verdadeiro rolo compressor midiático tentando forçar o recuo do governo brasileiro.

A destemperada e arrogante reação italiana foi literalmente encampada por O Globo, O Estado de S.Paulo, Folha de S.Paulo e o Jornal Nacional (na sua primeira abordagem do assunto, pois, quando ficou evidenciado o fracasso da articulação reacionária na mídia, voltou à sua habitual postura de bajular governos).

No olho do furacão, Rui Martins, eu e Laerte Braga reagíamos aos enfoques tendenciosos, provando que, pela Lei do Refúgio, Tarso Genro tinha pleno direito de decidir como decidiu; que era justa sua crítica às aberrações jurídicas cometidas pelo Estado italiano contra os ultras, em meio à onda de indignação causada pelo assassinato de Aldo Moro, gerando uma histeria punitiva em que foram atropelados os princípios mais sagrados do Direito; e que as autoridades italianas estavam flagrantemente atingindo a soberania nacional.

Coincidência ou não, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ao dar um xeque-mate na questão ("A decisão do Brasil neste episódio é soberana", disse), foi bem na linha sugerida pelo meu artigo do dia anterior, intitulado "Somos um país soberano ou uma república das bananas?", no qual escrevi: "Cabe ao governo Lula colocar as coisas no seu devido lugar, fazendo a Itália entender que não está lidando com uma república das bananas, daquelas que se borram de medo das potências centrais e estão sempre prontas para acatar ultimatos velados" (leia mais).

A posição de Gilmar Mendes

E as boas práticas jornalísticas continuaram sendo olimpicamente ignoradas.

Rui Martins mandou mensagem à Folha de S.Paulo contestando o editorial "Assunto da Itália", principalmente por sua insistência em exigir que o Brasil acatasse sem reflexão alguma as decisões da Justiça de outros países ("Pode haver divisões políticas dentro de um país, porém, por mais agudas que sejam, os contendores não podem recorrer ao argumento de uma superioridade jurídica de um julgamento estrangeiro... Esse ato de sobrepor as leis italianas às nossas seria uma afronta à nossa soberania"). Ignorada.

Eu enviei carta à seção de leitores de O Estado de S.Paulo respondendo ao editorial "Decisão desastrada", que questionei, dentre outros motivos por ter concedido "espaço descomunal" à "choradeira" e às "ameaças italianas", sem, em momento algum, lamentar "as agressões às instituições brasileiras". Ignorada.

Rui Martins lançou uma carta aberta a Mino Carta, chamando-o às falas: "Sua influência como editor da revista CartaCapital poderia ter sido bastante nefasta e significar para um homem, batido pela vida, em nada diferente dos ‘subversivos’ brasileiros que você tanto entendeu, o retorno à Itália na condição de um condenado a apodrecer na prisão". Mino a colocou como mero comentário no seu blog, não respondeu e depois tirou do ar.

Finalizando, a luta pró-Cesare deixa uma grande lição: a de que, mesmo na contramão da grande imprensa, hoje é possível vencerem-se batalhas políticas a partir da acumulação de forças na internet, preparando o terreno para a entrada em cena dos cidadãos influentes e da mídia convencional no momento decisivo.

E foi evitada a abertura de um precedente odioso, uma verdadeira cunha que o STF de Gilmar Mendes queria fincar na Lei do Refúgio, limitando a acolhida de perseguidos políticos estrangeiros apenas àqueles que não pegaram em armas na defesa de suas causas. É a mesma posição que ele já manifestou a respeito dos resistentes brasileiros: por piores que tenham sido o extermínio e as atrocidades cometidos pelos usurpadores do poder que governavam sob terrorismo de Estado, Gilmar Mendes nega aos militantes da luta armada o direito de se defenderem. Considera que quem respondeu ao fogo inimigo (em situação de extrema inferioridade de forças!) não passou de criminoso comum.

O Brasil entendeu de maneira diferente.

* Celso Lungaretti, 58 anos, é jornalista e escritor. Mantém os blogs O Rebate, em que publica textos destinados a público mais amplo; e Náufrago da Utopia, no qual comenta os últimos acontecimentos.
Fonte: congressoemfoco

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