Eduardo Fagnani
Idade para a aposentadoria: o que é bom para a Dinamarca é bom para o Brasil?
Qual seria a idade mínima de aposentadoria adequada para a realidade brasileira? No debate em curso no Fórum Nacional da Previdência Social alguns autores preconizam que para os novos ingressantes no mercado de trabalho a idade mínima seja elevada para 67 anos. Seguiríamos a regra adotada nos EUA para 2027 que já vigora em países como Dinamarca, Islândia e Noruega. Argumentam que essa mudança nos prepararia para o que se espera que seja o perfil demográfico do país em 2050 (ver, especialmente, artigo de Fábio Giambiagi, Valor, 22/10/07). Planejar o futuro é necessário. Todavia, no caso brasileiro, esse planejamento ainda depende da correção de equívocos do passado. A proposta acima não leva em conta uma questão crucial: as atuais regras de idade mínima para a aposentadoria já são extremamente elevadas para a realidade brasileira. A reforma da Previdência Social realizada em 1998 (Emenda Constitucional 20) enterrou parcialmente o legado da Constituição de 1988 e adotou duas alternativas para a aposentadoria: a) aposentadoria “por idade” – 65 anos para homens e 60 anos para mulher, além da exigência de contribuição mínima por 15 anos; e b) a aposentadoria “por tempo de contribuição” – 35/30 anos e idade mínima de 53/48 anos. Nesse caso, até que os contribuintes atinjam 65/60 anos, passou a incidir o chamado “fator previdenciário”, criado posteriormente (1999), que suprime parcela expressiva do valor do benefício. No caso da “aposentadoria por idade”, conseguiu-se transpor para este nosso país de miseráveis, padrões semelhantes ou superiores aos existentes em países desenvolvidos. Em 1998, a idade mínima de 65 anos não era adotada sequer em países como a Bélgica, Alemanha, Canadá, Espanha, França e Portugal (60 anos) e os EUA (62 anos), por exemplo; e equivale ao parâmetro seguido na Suécia, Alemanha e Áustria (65 anos), por exemplo. No caso da “aposentadoria por tempo de contribuição”, além do injusto Fator Previdenciário, passou-se a exigir a comprovação de 35 anos para os homens e de 30 anos para as mulheres. Esse patamar é superior ao estabelecido, por exemplo, na Suécia (30 anos) e na Finlândia (30 a 39); e se aproxima do nível vigente em outros: EUA (35 anos), Portugal (36), Alemanha (35 a 40) e França (37,5), dentre vários. A vigência dessas regras mostra-se paradoxal, se consideramos que não há como demarcar qualquer equivalência entre esses países e o nosso contexto socioeconômico e demográfico de capitalismo tardio. Em trabalhos anteriores já mencionei o oceano que nos distancia dos países desenvolvidos no tocante ao PIB per capita, à concentração da renda, à desigualdade social e à expectativa de vida. Aqui pretendo destacar que as características do nosso mercado de trabalho tampouco podem ser comparadas aos países ricos. Observe-se, por exemplo, que o jovem brasileiro (homem) entra no mercado de trabalho com 16,5 anos; nos países desenvolvidos, essa entrada ocorre depois de completado o ensino superior, aproximadamente aos 25 anos. Portanto, o tempo de trabalho (e de contribuição para a previdência) é, aqui, quase 10 anos mais longo. O mercado de trabalho brasileiro é estruturalmente injusto (baixos salários, amplo leque salarial, alta rotatividade etc.). Essa característica é perceptível mesmo nas fases de crescimento econômico. Nos últimos 27 anos de estagnação econômica, esses traços se acirraram e novos sintomas da crise social emergiram: estancamento da mobilidade social, queda do emprego formal e dos rendimentos e aumento do desemprego e da concentração funcional da renda. A elevada informalidade, problema tradicional do país, tem sido agravada pelo escasso crescimento da economia nas últimas décadas. Em 2006, o emprego formal (empregados contratados segundo a Consolidação das Leis do Trabalho ou pelo Estatuto dos Servidores Públicos) abrangia somente 39% das pessoas ocupadas em todas as atividades econômicas do país e respondia por 79% dos contribuintes da Previdência Social. As outras posições na ocupação (emprego não-formal, trabalhador doméstico, trabalhador por conta própria, empregador e não-remunerados), que absorviam 61% das pessoas ocupadas, eram responsáveis por apenas 21% dos contribuintes da Previdência Social. A informalidade existente é a principal causa da elevada parcela de pessoas ocupadas que não contribuem para a Previdência Social e terão proteção limitada na velhice (Leone e Baltar, 2007). Outro indicador de o quanto esse quadro é dramático é o enorme contingente de pessoas desempregadas. Segundo os dados da PNAD, em 2006 a população desempregada continuava representando parcela expressiva dos trabalhadores (mais de 10% da PEA; em termos absolutos eram 11,5 milhões de pessoas). Esses números oficiais camuflam situações graves de precariedade do trabalho, como o desemprego oculto pelo desalento. Note-se que o desemprego de longa duração (acima de uma semana) representava 40% do total de desempregados (Maia, 2007).Mais crítica ainda é a situação do desemprego juvenil (16 a 24 anos). Entre 2001 e 2005, esse contingente aumentou de 3,5 para 4,2 milhões. Em 2005, a taxa de desemprego juvenil era mais de três vezes superior que a taxa dos trabalhadores com 25 anos ou mais; e, um em cada cinco jovens estava procurando emprego. O desemprego dos jovens assumiu uma dimensão numérica equivalente ao desemprego “adulto”. Era particularmente crítica a taxa de desemprego das pessoas na faixa de 16 e 17 anos (maior aumento na taxa de desemprego no período). No caso dos jovens que estão ocupados, observa-se a má qualidade dos postos de trabalho, pelo peso excessivo do trabalho sem remuneração e pelos baixos valores auferidos (Proni e Ribeiro, 2007).Esse quadro tem implicação óbvia para a proteção social: com as atuais regras de aposentadoria, a maior parte dos trabalhadores brasileiros dificilmente terá condições de comprovar tempo de contribuição para o sistema de previdência. O ministro da Previdência e Assistência Social de FHC, Waldeck Ornélas, um dos artífices da reforma de 1998, reconhece esse fato de forma sombria e inusitada: “Apesar disso tudo (êxito da reforma), é preciso reconhecer que a previdência social não vem cumprindo, em toda a plenitude, o seu papel social. É que (...) a previdência social protege apenas 43% dos trabalhadores brasileiros! Por isso, de cada dez pessoas que trabalham no Brasil, seis não vão se aposentar nunca, por não terem vínculo com o INSS. São, no presente, 38 milhões de brasileiros que se encontram nessa situação. São desassistidos da Previdência. Refiro-me, principalmente, aos contratados sem carteira assinada, aos que trabalham por conta própria, aos trabalhadores domésticos, aos que vivem no campo” (Ornélas, 2000:1). Essa mesma perspectiva, também já se reconheceu em recente documento do Ministério da Previdência Social: “Estima-se que existem em 2001 cerca de 40,7 milhões de pessoas sem vínculo empregatício com a previdência social. Embora a Previdência Rural cubra uma parcela dessa população, trata-se de enorme passivo social e que exige, portanto, uma política de inclusão social e expansão da cobertura previdenciária” (MPAS, 2004:21).Em suma, a questão central hoje é como incluir os excluídos – e não tornar o sistema previdenciário brasileiro ainda mais excludente. Fundamentalmente, esse desafio requer o crescimento da economia a taxas mais vigorosas. Essa é a alternativa mais promissora e justa para ampliar a inclusão digna via o mercado de trabalho e, ao mesmo tempo, potencializar as fontes de financiamento da Previdência Social. São visíveis os sinais de positivos sobre o mercado de trabalho e as finanças públicas, conseqüências da melhor performance da economia em 2007. Sem crescimento econômico não há saídas civilizadas para a Previdência Social – nem para o país. Para enfrentar esse desafio, é preciso revisar as regras de aposentadoria brasileira. Nesse sentido, é fundamental enterrar de vez o fator previdenciário e estabelecer idade mínima compatível com a nossa realidade socioeconômica e demográfica que, do meu ponto de vista, não pode exceder 60 anos. A própria Organização Mundial de Saúde (FIBGE, 2002:9) estabelece clara diferença entre a população idosa nos países desenvolvidos (acima de 65 anos) e nos países em desenvolvimento (acima de 60 anos).
Referências:LEONE, Eugenia T. e BALTAR, Paulo. (2007). Contribuição à Previdência Social e informalidade do mercado de trabalho. Carta Social e do Trabalho, 6. Campinas: IE/Unicamp: Cesit, 2007 (http://www.zedirceu.com.br//mambots/editors/tinymce/www.eco.unicamp.br).MAIA, Alexandre G. (2007). Perfil do desemprego no Brasil nos anos 2000. Carta Social e do Trabalho, 6. Campinas: IE/Unicamp: Cesit, 2007 (http://www.zedirceu.com.br//mambots/editors/tinymce/www.eco.unicamp.br).PRONI, Marcelo W. e RIBEIRO, Thiago F. A Inserção do jovem no mercado de trabalho brasileiro. Carta Social e do Trabalho, 6. Campinas: IE/Unicamp: Cesit, 2007 (http://www.zedirceu.com.br//mambots/editors/tinymce/www.eco.unicamp.br).FIBGE (2002). Perfil dos idosos responsáveis pelos domicílios no Brasil – 2000. Rio de Janeiro: Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. MPAS (2002). O Livro Branco da Previdência Social. Brasília: Ministério da Previdência e Assistência Social. ORNELAS, W. (2000). Prefácio. In: SOLON de FRANÇA, Álvaro. Previdência social e a economia dos municípios. Brasília: Anfip.
Eduardo Fagnani é economista, é professor doutor do Instituto de Economia da Unicamp e pesquisador do Cesit (Centro de Estudos Sindicais e do Trabalho).
Fonte: www.zedirceu.com.br/
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