SÃO PAULO - O brasileiro hoje já pode comprar carro zero parcelado num prazo superior a oito anos ou 99 meses, pagando juros de 0,89% ao mês ou 11,21% ao ano. Essa taxa é inferior à Selic, a taxa básica de juros, que está em 11,25% ao ano. Desde a virada do mês, vários feirões de veículos oferecem essa condição facilitada de pagamento. Isso abriu as portas para que uma fatia expressiva da população de menor renda comprasse pela primeira vez um carro novo.
Pesquisa da MSantos, agência especializada em varejo automotivo, com 2,3 mil clientes em seis feirões de veículos, realizados entre julho e outubro, revela 43% dos compradores estavam adquirindo um carro zero quilômetro pela primeira vez. Em 2006, a participação desse tipo de cliente não passava de 20%. Um estudo da LatinPanel, uma das maiores empresas de pesquisa de consumo da América Latina que visita 8.200 domicílios no País semanalmente, confirma a tendência.
As famílias da classe C, com renda média mensal de R$ 1.384, ampliaram neste ano em 11% o gasto médio com financiamento para compra de veículos em relação a 2006. A variação supera o crescimento registrado no período para a média da população brasileira, que foi de 8%.
Os clientes de feirões que compraram um carro zero quilômetro pela primeira vez declararam que usaram o dinheiro da venda do carro velho para outras finalidades, como, por exemplo, cobrir dívidas do cheque especial, do cartão de crédito e até adquirir materiais de construção, observa Ayrton Fontes, economista da MSantos, responsável pela pesquisa.
Os planos de pagamento de longo prazo já preocupam os próprios executivos das montadoras veículos. Em recente entrevista, Ray Young, que deixou a presidência da GM do Brasil no começo deste mês, disse que o crédito farto para o financiamento de veículos, com prazos para pagamento, na época, de até sete anos, pode provocar uma crise financeira semelhante à que ocorre atualmente no mercado imobiliário de hipotecas de alto risco nos Estados Unidos (subprime). "Esse pode ser o nosso subprime", afirmou.
Essa preocupação também é compartilhada pelo seu sucessor, o colombiano Jaime Ardilla. Para o presidente da Associação Nacional das Empresas Financeiras das Montadoras (Anef), Luiz Montenegro, "cabe o alerta". "Existe uma euforia na venda de veículos", observa. Mas ele pondera que as condições atuais não configuram um cenário semelhante ao americano.
Ele destaca que existem fatores macroeconômicos que sustentam esse mercado, como o crescimento do emprego e da renda. Além disso, os bancos fazem uma análise criteriosa para aprovar o crédito e as camadas de menor renda pagam em dia porque precisam ter o nome limpo. "Estamos muito longe da crise do subprime", afirma o presidente da Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento (Acrefi), Érico Sodré Quirino Ferreira.
Ele diz que o consumidor americano tem um endividamento que supera a sua renda, o que não ocorre aqui. Prova disso que não houve aumento da inadimplência, apesar do alongamento dos prazos, observa. Os dados mais recentes do Banco Central (BC) mostram que o atraso acima de 90 dias no pagamento dos financiamentos de veículos encerrou setembro em 3,3% dos créditos a receber.
Desde o começo do ano, esse indicador tem se mantido, a despeito do alongamento dos prazos. Em 12 meses até setembro, o recuo é de 0,2 ponto percentual. Pesquisa da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac)aponta que, em outubro, o prazo médio, que estava em 42 meses, e o máximo, em 84 meses, foi alongado em 12 meses em relação ao mesmo período de 2006.
"Não acredito que os financiamentos de automóveis serão o nosso subprime", afirma o vice-presidente da Anefac, Miguel Ribeiro de Oliveira. Ele argumenta que o volume de empréstimos para compra de veículos é muito baixo. O estoque dos empréstimos em setembro atingiu R$ 76,1 bilhões, segundo o BC. Isso corresponde a 3% do produto Interno Bruto (PIB).
Apesar da pequena participação no PIB, nos últimos 12 meses o saldo cresceu 24% e quase 20% só este ano. Mesmo assim, destaca Ribeiro de Oliveira, a inadimplência até teve um pequeno recuo. "Isso demonstra que esses níveis não estão preocupando as instituições financeiras."
O economista ressalta que nos EUA os consumidores financiaram integralmente a moradia. Aqui, porém, é possível financiar 100% do veículo, mas um boa parte dá o carro usado de entrada, reduzindo o valor da compra. Ribeiro de Oliveira observa também que, no mercado americano, os contratos para compra de imóveis foram assinados tendo nos dois primeiros anos um valor mensal da prestação mais baixo.
Depois desse período, as mensalidades subiram muito, sem que a renda tivesse acompanhado esse crescimento. Aqui, no entanto, as parcelas dos financiamentos são fixas. Na análise dos presidentes da Anefac e da Anef, o que poderia provocar nos financiamentos dos veículos um problema semelhante às hipotecas de alto risco é se o País mergulhasse numa recessão, com a perda generalizada de emprego e renda. Como conseqüência, os consumidores não conseguiriam pagar os bancos e os ativos perderiam o valor.
Fonte: Tribuna da Imprensa
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