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quinta-feira, junho 02, 2022

Chuvas no Nordeste afetam mais de 1,2 milhão de pessoas em 6 meses




A forte chuva do fim de semana alagou vários pontos do Recife

Os efeitos do excesso de chuvas afetaram mais de 1,2 milhão de pessoas na região Nordeste desde dezembro de 2021 até agora, segundo levantamento da Confederação Nacional de Municípios (CNM) com base nos dados das Defesas Civis municipais.

A entidade aponta que, apesar dos desastres terem sido causados pelas chuvas, muitos dos problemas são resultado da falta de políticas públicas de habitação, saneamento básico e infraestrutura.

O levantamento considera o total de mortos e outras pessoas afetadas pelas chuvas, categoria que inclui tanto quem perdeu sua casa de forma definitiva quanto aqueles que precisaram deixar suas casas de forma temporária.

Houve 132 mortes por este mesmo motivo no mesmo período, que vai até 30 de maio.

A maioria delas ocorreu na última semana em Recife, capital de Pernambuco, na última semana, após o grande volume de chuvas que causou deslizamentos e alagamentos. Até o momento, ao menos 91 pessoas morreram e 26 pessoas estão desaparecidas.

Estados mais afetados

Nos últimos seis meses, 48.182 casas foram danificadas e 5.347 casas foram totalmente destruídas no Nordeste, aponta a CNM.

Segundo a confederação, além de Pernambuco — onde foram registradas mais mortes — os Estados mais afetados foram Bahia, Maranhão e Ceará.

"As chuvas do final de 2021 e o início deste ano na Bahia mataram ao menos 26 pessoas, desalojando quase 150 mil, com mais de 1 milhão de pessoas afetadas", diz a entidade.

O Maranhão teve mais de 20 mil desalojados e 158 mil pessoas afetadas. No Ceará, 53 mil pessoas foram afetadas.

'Mais de 90 pessoas morreram durante forte chuva na região metropolitana do Recife'

A região também teve pelo menos R$ 3 milhões em prejuízo nos últimos seis meses, com danos à pecuária, à agricultura, à indústria, ao comércio, aos sistemas de geração energia, de abastecimento de água, de esgoto, de limpeza, de segurança pública, de controle de pragas, de transportes e de telecomunicações, segundo cálculos da CNM.

410 mortes no país

O Brasil todo teve um total de 7,9 milhões de pessoas afetadas pela chuva até abril de 2022, segundo o levantamento nacional mais recente da confederação — ou seja, esse número não inclui as recentes chuvas de maio.

No final de 2021 e início de 2022, tempestades causaram 25 mortes em Minas Gerais, afetando 990 mil pessoas.

Em fevereiro, 233 pessoas morreram em Petrópolis, no Rio de Janeiro, devido a deslizamentos e alagamentos causados pela chuva.

O Rio de Janeiro também foi fortemente afetado em abril, quando as chuvas causaram deslizamentos que deixaram 11 mortos em Angra dos Reis, 7 em Paraty e 1 em Mesquita.

Se incluídas as 132 mortes no Nordeste, foram ao menos 410 mortes no país todo por causa de chuvas nos últimos seis meses.

'tabuna foi uma das dezenas de cidades do sul da Bahia atingidas por fortes chuvas em dezembro do ano passado'

Falta de políticas públicas

Segundo a CNM, apesar dos desastres terem sido causados por fenômenos da natureza, muitos dos problemas na verdade são resultado da falta de "políticas públicas de habitação, saneamento básico e infraestrutura eficazes".

"Os diversos desastres ocorridos, a despeito de sua natureza, como chuvas torrenciais e consequentes deslizamentos de terra e inundações, escondem muitas vezes a ausência de políticas públicas de habitação, saneamento básico e infraestrutura eficazes e deixam claro a precariedade da articulação de políticas de prevenção de desastres pelos entes federados", afirma a entidade no relatório.

Além dos desastres desencadeados pela chuva em alguns meses do ano, diversos municípios têm que lidar com a seca nos outros meses.

Segundo a CNM, a seca está "a cada ano mais intensa e duradoura", trazendo graves problemas aos municípios.

Embora o problema afete principalmente o Nordeste, ele também pode atingir outras regiões do país, diz a CNM.

"Por exemplo, desde 2019, a seca vem castigando a região sul do Brasil, com efeitos devastadores, colapso de abastecimento de água potável e grandes prejuízos econômicos e financeiros no agronegócio e na pecuária", afirma a confederação no relatório.

BBC Brasil

O inferno é pouco para punir Bolsonaro




Por José Nêumanne* (foto)

Pobres brasileiros são asfixiados em sistema aplicado por Hitler por guardas rodoviários beneficiados pelo desgoverno, afogados em casa e desprezados pelos favoritos à polarização nas urnas

A eleição no fim deste ano porá o cidadão brasileiro na terrível opção entre a angústia e o pânico, de acordo com basilar definição de Antônio Lavareda e Joaquim Falcão em entrevistas publicadas no canal José Nêumanne Pinto no YouTube. Os ilustres especialistas podem acrescentar a suas afirmações dois exemplos claros do conflito entre o rentismo financista do atual desgoverno da direita extremada e o pobrismo de migalhas do decênio de decadência sob a esquerda iletrada, conforme a definiu o professor Roberto Mangabeira Unger no mesmo espaço virtual.

O primeiro case, para usar a “categoria farialímica” dos financiadores das desventuras dos trabalhadores famintos sob a tirania dos capitalistas selvagens, relata a pena de morte cruel executada, segundo o Fantástico da Globo, pelos agentes da Polícia Rodoviária Federal (PRF) Kléber do Nascimento Freitas, Paulo Rodolpho Lima do Nascimento e William de Barros Noia. Sua vítima foi Genivaldo de Jesus Santos, afrodescendente, 38 anos, com deficiências mentais e sem antecedentes na polícia, numa rodovia federal por eles patrulhada, em Umbaúba, Sergipe. Os assassinos improvisaram no porta-malas da viatura uma câmara de gás lacrimogêneo e spray de pimenta, similar ao sistema usado por nazistas em campos de concentração. O pobre trafegava de moto sem capacete na estrada, foi levado à delegacia e ao hospital, onde morreu de “asfixia mecânica e insuficiência respiratória aguda”, segundo laudo oficial do Instituto Médico Legal (IML) de Sergipe.

No local do “incidente”, a PRF tratou o sobrinho do morto, Wallison de Jesus Santos, e outros parentes como lixo tóxico. E, depois, ainda teve o desplante de registrar em nota oficial: “Na data de hoje, 25 de maio de 2022, durante ação policial na BR-101, em Umbaúba-SE, um homem de 38 anos resistiu ativamente a uma abordagem de uma equipe PRF. Em razão da sua agressividade, foram empregadas técnicas de imobilização e instrumentos de menor potencial ofensivo para sua contenção e o indivíduo foi conduzido à Delegacia de Polícia Civil em Umbaúba”. Três dias depois, tropeçando em vídeos do crime, a comunicação de um dos núcleos mais bolsonaristas das forças estatais de segurança falou em “indignação”, ao comentar o caso. Mentira e hipocrisia, habituais nessa grei.

Nada, contudo, se compara com a reação do chefe das tropas de assalto do bolsonarismo oficioso. Informado do incidente, Sua Insolência usando suas notórias deficiências em empatia e vernáculo, disse que seus agentes da ordem fascistoide “abateram um marginal”. Sem informações confiáveis sobre o caso, Jair Bolsonaro recorreu a verbo usado para definir o tiro de misericórdia usado em cavalos com perna quebrada. E tornou a vítima ilibada agente da covarde execução de uma pena de morte, ilícita no Brasil até para punição de perigosos bandidos de verdade.

O capitão-terrorista fez essa declaração absurda num “bate-volta” a Recife no fim de semana, onde e quando sobrevoou bairros atingidos por deslizamentos provocados por mortíferas inundações. Aproveitou a ocasião para transferir para governadores e prefeitos toda a própria culpa na falta de planejamento para enfrentar dramas como aquele, que provocou mais de uma centena de óbitos na região metropolitana da capital pernambucana. “Faltou iniciativa”, pontificou, referindo-se ao governador de Pernambuco, Paulo Câmara, e ao prefeito de Recife, João Campos, ambos do Partido Socialista Brasileiro, engajado na campanha de reeleição de seu provável adversário em eventual segundo turno, Lula da Silva.

Ora, bolas, a responsabilidade pelos deslizamentos não é das vítimas, mas de péssimos gestores, que desgraçam há mais de um século, a República, Estados e municípios no Brasil. Inclusive aqueles que sob o comando de Lula e sua assecla, Dilma Rousseff, afundaram os pobres habitantes das periferias das metrópoles numa vala aberta de miséria, fome, inflação, desemprego, angústia e pânico. Se Bolsonaro é o cínico dos cínicos, o ex-dirigente sindical de uma nau que continua e continuará naufragando, caso se confirme o triunfo da polarização entre o rentismo e o pobrismo, é seu mais óbvio competidor. Seja no país como um todo, seja no Estado natal do petista, onde dispõe de folgada maioria. E, ainda assim, não se dignou ir até lá e exerceu o mutismo auto-piedoso, ao limitar seus comentários a uma solidariedade fajuta e inútil. E a um pedido para ser convocado a atuar pelas vítimas, sem explicar através de quem elas poderiam comunicar-se com essa sua nova encarnação de Pôncio Pilatos, que estende a bacia e diz: “lavo minhas mãos da falta de sorte de afogados e desabrigados”.

Habituado a mentir e a se regozijar da desgraça alheia, em particular de eleitores de inimigos, o capetão sem noção montou numa motocicleta e comandou uma motociata de inspiração mussoliniana, com a cabeça descoberta e um bajulador também sem capacte na garupa, o notório major Vitor Hugo. Assumiu postura “isonômica” à de Genivaldo, mas obviamente delituosa, pois fez campanha eleitoral fora de época, E gargalhou a dragonas despregadas da desgraça do asfixiado e dos inundados para celebrar uma improvável vitória futura. Ou seu iminente golpe. Com as mais obscenas manifestações de gáudio, ao comparecer ao sepultamento do que chama de “pátria amada” sob sua gestão de demolição absoluta e sem piedade alguma. Para um falso cristão, que, mesmo se chamando Messias, adula vendilhões do templo como se fossem monopolistas da fé e da virtude, rindo da morte de um Jesus pobre, como o de Nazaré, o inferno como pena é pouco. Muito pouco, convenhamos.

*Jornalista, poeta e escritor

Blog do José Neumanne

A guerra e a transição energética - Editorial




Invasão da Ucrânia pela Rússia eleva os preços de petróleo, algo que favorece tecnologias verdes e que pode criar oportunidades para o Brasil

A invasão da Ucrânia pela Rússia completa três meses sem sinal de acordo para um cessar-fogo por parte de Vladimir Putin, com consequências desastrosas em termos de vidas perdidas, cidades destruídas e uma economia devastada, com alguns dos maiores polos industriais e portuários ainda nas mãos dos russos. Para a economia mundial, o principal resultado do conflito tem sido a explosão das cotações de petróleo, com preços sustentadamente acima de US$ 100 pressionando a inflação e levando a reflexões acerca da redução no ritmo da transição energética e a um consequente aumento nas emissões de carbono.

Se antes da eclosão da guerra analistas projetavam o fim da era do petróleo em 30 anos, o avanço nos preços do barril no mercado internacional tem sido um incentivo para a retomada de leilões em diversos países. Reportagem do Estadão mostrou que 15 licitações para exploração de petróleo e gás devem ser realizadas ao longo deste ano em países como Indonésia, Malásia, Angola e Estados Unidos, segundo a Empresa de Pesquisa Energética (EPE). Para ter uma ideia, houve apenas seis leilões em 2021 – dois deles no Brasil. Na outra ponta, membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) se recusam a aumentar a produção mesmo com preços mais altos, uma maneira de sustentar as cotações elevadas e a própria exploração de óleo por mais tempo. Essa postura tem beneficiado Putin de forma direta – nos dois primeiros meses da guerra, as exportações russas de petróleo para a União Europeia renderam o dobro do valor faturado no mesmo período de 2021, ainda que os volumes vendidos tenham sido praticamente iguais.

No curto prazo, a União Europeia precisará enfrentar um inverno rigoroso sem poder contar com o gás natural russo. O pragmatismo europeu permitiu a reativação de usinas a gás, óleo e carvão – principal alvo dos ambientalistas – e até a uma maior aceitação da energia nuclear, alternativa que vinha sendo rejeitada após o acidente em Fukushima, em 2011. O bloco europeu, no entanto, não alterou sua meta para redução das emissões – a tendência é que apenas o prazo para atingi-la seja relativamente esticado – e dobrou a aposta nas renováveis. Prova disso é o RePowerEU, pacote de mais de 300 bilhões de euros lançado nos últimos dias para tornar a região independente da energia russa até 2027. O plano prevê 12 bilhões de euros para a construção de estruturas de escoamento de gás natural e infraestrutura de petróleo, mas a maior parte dos recursos será investida em energia limpa e ações de incentivo à racionalização do consumo. O objetivo do plano é que as fontes renováveis atinjam 45% da matriz do bloco até 2030.

A explosão dos preços do petróleo e de seus derivados tem sido um duro golpe para o bolso dos consumidores em todo o mundo, mas, paradoxalmente, ela também favorece a competitividade de tecnologias verdes. Quando tudo está caro, investimentos em baterias, eletrificação, hidrogênio e combustíveis sintéticos para a aviação e transporte marítimo deixam de ser alternativas inviáveis. Nesse sentido, há quem diga que a guerra entre Rússia e Ucrânia pode até mesmo impulsionar a transição energética.

Todo esse contexto traz oportunidades enormes para o Brasil, que tem uma posição de liderança em energia limpa entre as maiores economias do mundo. Em recente entrevista ao Estadão, o presidente da consultoria de energia PSR, Luiz Barroso, destacou que este potencial é uma alavanca que pode acelerar o rumo para uma economia de baixo carbono global. Segundo ele, novas tecnologias, como o hidrogênio e amônia verde, podem contribuir até mesmo para reduzir a dependência nacional de importações de fertilizantes. O hidrogênio é a principal aposta da Europa para substituir o gás russo e, eventualmente, pode se tornar um dos principais itens da nossa pauta de exportações. Com algum nível de planejamento e ações coordenadas, o País poderá aproveitar essa janela para finalmente retomar um crescimento econômico sustentável. Que, desta vez, ela não seja perdida. 

O Estado de São Paulo

Por que Sievierodonetsk se tornou o novo alvo da Rússia




Depois de Mariupol, Sievierodonetsk é o maior centro industrial do leste ucraniano. Cidade estratégica foi palco da primeira tentativa separatista da região, quase 20 anos atrás.

Por Roman Goncharenko

Quase duas semanas após os últimos soldados ucranianos em Mariupol terem se rendido na esperança de uma troca de prisioneiros, a Ucrânia corre o risco de perder a segunda maior cidade da região de Donbass, Sievierodonetsk. Há relatos de combates de rua e de que os militares russos já teriam chegado ao centro da cidade.

Sievierodonetsk e a vizinha Lysychansk são as duas últimas grandes cidades na região de Lugansk ainda sob o controle de Kiev. De acordo com o estado-maior ucraniano, a Rússia está concentrada na captura de Sievierodonetsk. Enquanto isso, tropas ucranianas que defendem a área correm o risco de ficarem encurraladas, como ocorreu em Mariupol.

Antes da guerra, Sievierodonetsk contava mais de 100 mil habitantes. A cidade surgiu durante a época soviética, a partir de uma vila próxima à fábrica de produtos químicos Azot, a maior da Ucrânia. Nos anos 1950, a nova cidade na fronteira das regiões de Lugansk, Donetsk e Kharkiv recebeu o nome do rio Seversky Donets.

O proprietário da Asot é o oligarca e magnata da mídia Dmytro Firtasch, que vive na Áustria desde 2014 e pode ser extraditado para os Estados Unidos devido a suspeitas de corrupção. A fábrica em Sievierodonetsk produz principalmente fertilizantes, a maior parte destinada à exportação.

Nos últimos anos, devido ao conflito no Donbass, a bacia do rio Donets, a fábrica, como muitas na região, teve que lidar com paralisações de sua produção. Além da Azot, há outras indústrias químicas na cidade. Em Lysychansk, há uma refinaria que antigamente pertencia a empresários russos, mas que não está em operação há tempos.

Separatismo no Donbass

Sievierodonetsk também é notória por ter sido palco da primeira tentativa de dividir a Ucrânia, há 18 anos. Em 28 de novembro de 2004, reuniu-se na cidade o Congresso Pan-Ucraniano dos Deputados de Todos os Níveis, de que participaram principalmente representantes do pró-russo Partido das Regiões.

A sigla surgiu no Donbass e dominou a região. Durante os protestos da Revolução Laranja, pró-Ocidente, na capital Kiev, o partido ameaçou proclamar uma região autônoma com Kharkiv como centro, que incluiria ainda as oitos regiões do sul e oeste da Ucrânia, além da Crimeia e Sebastopol.

O então prefeito de Moscou Yuri Lujkov, que trabalhou na fábrica da Azot quando jovem, foi um dos oradores do evento. Posteriormente recebeu o título de cidadão honorário de Sievierodonetsk, embora as autoridades ucranianas tivessem proibido sua entrada no país devido a suas declarações separatistas sobre Sebastopol.

'Azot produz principalmente fertilizantes'

Em 2004, os organizadores do evento ficaram apenas na ameaça. Para muitos observadores, no entanto, o Congresso é considerado a primeira tentativa, embora sem sucesso, de dividir política e formalmente a Ucrânia.

A segunda tentativa ocorreu dez anos depois, em 2014. Depois que o Kremlin anexou a península da Crimeia, separatistas locais armados juntos com cossacos vindos da Rússia tomaram o poder em Sievierodonetsk, Lysychansk e Rubizhne.

Na segunda quinzena de julho de 2014, porém, o exército ucraniano libertou a região e Sievierodonetsk se tornou seu centro de administração civil-militar. Várias instituições e universidades de Lugansk se mudaram para a cidade. Agora, elas mudaram suas sedes novamente para o oeste ucraniano.

Importância estratégica

Sievierodonetsk e Lysychansk têm importância estratégica por serem a ligação para outras regiões da Ucrânia. A atenção principal é dada a uma rodovia entre Lysychansk e Bachmut, em Donetsk, por onde é feito o abastecimento dos militares ucranianos. Até recentemente rota de evacuação de civis, hoje a rodovia é considerada perigosa demais, devido aos bombardeios.

A conquista de Sievierodonetsk e Lysychansk possibilitaria ao exército russo chegar à fronteira administrativa da região. Além disso, de lá os militares russos poderiam lançar uma ofensiva para o oeste, em direção a Kramatorsk, um outro centro administrativo de Donetsk. Kramatorsk é uma das últimas grandes cidades industriais no Donbass ainda totalmente controlada por Kiev.

Deutsche Welle 

"Todos sabem quem são os responsáveis por essa guerra"




Em entrevista à DW, procuradora-geral da Ucrânia destaca a importância da punição de Putin para evitar que conflitos como o atual voltem a se repetir, e salienta que os ucranianos lutam por justiça.

A procuradora-geral ucraniana, Iryna Venediktova, defendeu a punição do presidente russo, Vladimir Putin, e seus ministros pela guerra pelas atrocidades que estão sendo cometidas na Ucrânia, a fim de evitar que conflitos e invasões como os enfrentados por seu país se repitam. Em entrevista à DW, a jurista ressalta que seria um processo simples vincular os crimes cometidos em território ucraniano ao Kremlin.

"Temos agora uma guerra enorme, agressiva e brutal na Ucrânia. Talvez não seja a hora de somente parar essa guerra, somente punir os responsáveis, mas de prevenir que situações como essa voltem a se repetir no futuro. Porque se falamos de imunidades, entende-se que essas pessoas estarão prontas para fazer o mesmo no futuro", afirmou Venediktova à DW nesta terça-feira (31/05) após participar de um evento em Haia.

Venediktova e sua equipe preparam atualmente centenas de acusações por crimes de guerra cometidos por militares russos na Ucrânia e investigam outros milhares de denúncias.

A procuradora afirmou que, em três meses de guerra, mais de 5 mil civis foram mortos e 6 mil ficaram feridos. No entanto, esses números não incluem as vítimas das regiões de Lugansk e Donetsk e dos territórios atualmente ocupados por tropas russas.

"Todos sabemos quem são os responsáveis por essa guerra e por essas mortes. O presidente da Rússia e seu gabinete, de fato, iniciaram essa guerra, começaram a matar civis, estuprar e torturar civis. Todas essas atrocidades que agora temos na Ucrânia", destacou.

Punição dos responsáveis

Na entrevista, Venediktova salientou que o objetivo principal de seu trabalho é a punição dos responsáveis pela guerra. Ela contou que os procuradores trabalham há três meses sem pausa para documentar as atrocidades e recolher provas para os inquéritos.

Segundo a procuradora, embora Kiev tenha conseguido identificar centenas de suspeitos em várias regiões do país, a Ucrânia ainda não está processando Putin e seus ministros, pois eles possuem imunidade enquanto estiverem ocupando os atuais cargos.

Ao ser questionada sobre a possibilidade de Putin e funcionários russos do alto escalão serem processados, devido à Rússia não atender a pedidos de extradição e não fazer parte do Tribunal Penal Internacional (TPI), Venediktova afirmou que seria um processo simples vincular os crimes cometidos em território ucraniano ao Kremlin.

"Quando falamos de crimes de guerra e contra a humanidade, falamos de responsabilidade comum. Quando soldados cometem atrocidades e seu chefe ou comandante tem conhecimento, significa que ele tem responsabilidade comum por isso", acrescentou.

Apoio internacional

A procuradora agradeceu ainda o apoio da comunidade internacional nas investigações. Segundo ela, esse auxílio é fundamental para dar credibilidade e sentido de imparcialidade aos inquéritos, além de reforçar a equipe local.

"Se falo de atrocidades é uma coisa, pois sou promotora ucraniana. Mas se você fala com a equipe francesa que esteve em Bucha ou com a equipe lituana, trata-se de cidadãos de outros países que viram os fatos e estão fazendo esse trabalho."

Venediktova conta que cada caso é uma tragédia individual e alguns ficaram gravados em sua memória. "É impossível esquecer. É impossível perdoar. Basta falanr dos civis que tentavam deixar Kiev, em carros com animais de estimação e crianças, escrito com letras enormes 'Crianças no carro', e eles foram alvejados mesmo assim".

À DW, a procuradora também destacou que os ucranianos lutam no momento por justiça e para ter a liberdade de viver como escolheram: "Para nós, é muito importante vencer. Vencer na frente militar, na frente judicial e na frente diplomática."

Deutsche Welle

Presidente Biden: O que a América fará e não fará na Ucrânia




Joseph R. Biden Jr. é o 46º presidente dos Estados Unidos.

A invasão que Vladimir Putin pensou que duraria dias está agora em seu quarto mês. O povo ucraniano surpreendeu a Rússia e inspirou o mundo com seu sacrifício, coragem e sucesso no campo de batalha. O mundo livre e muitas outras nações, lideradas pelos Estados Unidos, uniram-se ao lado da Ucrânia com apoio militar, humanitário e financeiro sem precedentes.
 
À medida que a guerra continua, quero deixar claro os objetivos dos Estados Unidos nesses esforços.
 
O objetivo da América é simples: queremos ver uma Ucrânia democrática, independente, soberana e próspera com os meios para dissuadir e se defender contra novas agressões.
 
Como disse o presidente Volodymyr Zelensky da Ucrânia, em última análise, essa guerra “só terminará definitivamente por meio da diplomacia”. Cada negociação reflete os fatos no terreno. Agimos rapidamente para enviar à Ucrânia uma quantidade significativa de armamento e munição para que ela possa lutar no campo de batalha e estar na posição mais forte possível na mesa de negociações.
 
É por isso que decidi que forneceremos aos ucranianos sistemas de foguetes e munições mais avançados que lhes permitirão atingir com mais precisão os principais alvos no campo de batalha na Ucrânia.
 
Continuaremos cooperando com nossos aliados e parceiros nas sanções russas, as mais duras já impostas a uma grande economia. Continuaremos fornecendo à Ucrânia armamento avançado, incluindo mísseis antitanque Javelin, mísseis antiaéreos Stinger, artilharia poderosa e sistemas de foguetes de precisão, radares, veículos aéreos não tripulados, helicópteros Mi-17 e munição. Também enviaremos mais bilhões em assistência financeira, conforme autorizado pelo Congresso. Trabalharemos com nossos aliados e parceiros para enfrentar a crise alimentar global que a agressão da Rússia está piorando. E ajudaremos nossos aliados europeus e outros a reduzir sua dependência dos combustíveis fósseis russos e acelerar nossa transição para um futuro de energia limpa.
 
Também continuaremos a reforçar o flanco oriental da OTAN com forças e capacidades dos Estados Unidos e de outros aliados. E recentemente, dei boas-vindas aos pedidos da Finlândia e da Suécia para ingressar na OTAN, um movimento que fortalecerá a segurança geral dos EUA e transatlântica ao adicionar dois parceiros militares democráticos e altamente capazes.
 
Não buscamos uma guerra entre a OTAN e a Rússia. Por mais que eu discorde de Putin e ache suas ações um ultraje, os Estados Unidos não tentarão provocar sua deposição em Moscou. Enquanto os Estados Unidos ou nossos aliados não forem atacados, não estaremos diretamente envolvidos neste conflito, seja enviando tropas americanas para lutar na Ucrânia ou atacando forças russas. Não estamos encorajando ou permitindo que a Ucrânia ataque além de suas fronteiras. Não queremos prolongar a guerra apenas para infligir dor à Rússia.
 
Meu princípio ao longo desta crise tem sido “Nada sobre a Ucrânia sem a Ucrânia”. Não vou pressionar o governo ucraniano – em público ou privado – a fazer concessões territoriais. Seria errado e contrário a princípios bem estabelecidos fazê-lo.
 
As negociações da Ucrânia com a Rússia não estão paralisadas porque a Ucrânia deu as costas à diplomacia. Eles estão paralisados ??porque a Rússia continua a travar uma guerra para assumir o controle do máximo possível da Ucrânia. Os Estados Unidos continuarão a trabalhar para fortalecer a Ucrânia e apoiar seus esforços para alcançar um fim negociado para o conflito.
 
Agressões não provocadas, o bombardeio de maternidades e centros culturais e o deslocamento forçado de milhões de pessoas fazem da guerra na Ucrânia uma profunda questão moral. Encontrei-me com refugiados ucranianos na Polônia – mulheres e crianças que não tinham certeza de como seriam suas vidas e se os entes queridos que ficaram na Ucrânia ficariam bem. Nenhuma pessoa de consciência poderia ficar indiferente à devastação desses horrores Apoiar a Ucrânia em sua hora de necessidade não é apenas a coisa certa a fazer.

É do nosso interesse nacional vital assegurar uma Europa pacífica e estável e deixar claro que o poder não dá certo. Se a Rússia não pagar um alto preço por suas ações, enviará uma mensagem a outros possíveis agressores de que eles também podem tomar território e subjugar outros países. Colocará em risco a sobrevivência de outras democracias pacíficas. E poderia marcar o fim da ordem internacional baseada em regras e abrir a porta para a agressão em outros lugares, com consequências catastróficas em todo o mundo.
 
Eu sei que muitas pessoas ao redor do mundo estão preocupadas com o uso de armas nucleares. Atualmente, não vemos indicação de que a Rússia tenha intenção de usar armas nucleares na Ucrânia, embora a retórica ocasional da Rússia para sacudir o sabre nuclear seja perigosa e extremamente irresponsável. Deixe-me ser claro: qualquer uso de armas nucleares neste conflito em qualquer escala seria completamente inaceitável para nós, assim como para o resto do mundo, e acarretaria graves consequências.
 
Os americanos manterão o rumo com o povo ucraniano porque entendemos que a liberdade não é gratuita. Isso é o que sempre fizemos sempre que os inimigos da liberdade procuram intimidar e oprimir pessoas inocentes, e é o que estamos fazendo agora. Vladimir Putin não esperava esse grau de unidade ou a força de nossa resposta. Ele estava enganado. Se ele espera que vamos vacilar ou fraturar nos próximos meses, ele está igualmente enganado.

NYT / DefesaNet

Entrevista: "Os defensores do capitalismo perderam a luta ideológica", diz sociólogo alemão

 



Para Rainer Zitelmann, colaborador do Instituto Liberal, apesar da resiliência do sentimento anticapitalista a história mostra que o sistema de livre mercado – e não o socialismo – é o maior responsável pela redução da pobreza no mundo.  

O historiador e sociólogo alemão Rainer Zitelmann, de 64 anos, seguiu à risca a velha máxima atribuída a Georges Clemenceau (1841-1929), ex-primeiro-ministro francês, de que “um homem que não seja um socialista aos 20 anos não tem coração e um homem que seja um socialista aos 40 não tem cabeça”.

Militante maoísta na juventude, Zitelmann se tornou um defensor entusiasmado do sistema de livre mercado e um crítico implacável do socialismo e do pensamento anticapitalista. Ex-jornalista, ex-empresário e investidor do mercado imobiliário, ele escreveu uma série de livros sobre o capitalismo e sobre os multimilionários, que se tornaram referências nas respectivas áreas.

Nesta entrevista ao Estadão, Zitelmann – que dará uma palestra na I Conferência Internacional da Liberdade, na sexta-feira, 3, em São Paulo, com transmissão ao vivo pelo YouTube – fala sobre seu livro "O capitalismo não é o problema, é a solução" (Ed. Almedina), lançado recentemente no Brasil. Ele apresenta casos concretos e argumentos em favor do livre mercado, em comparação com as experiências fracassadas do chamado “socialismo real”, e analisa a resiliência das ideias socialistas após a queda do Muro de Berlim, em 1989. Discute também as questões da desigualdade e da redução da pobreza, em meio a farpas disparadas contra intelectuais e acadêmicos que, em sua visão, reforçam o sentimento anticapitalista no mundo.

O sr. afirma que o capitalismo não é o problema, é a solução. O que o leva a dizer isso de forma tão categórica?

Vou lhe dar só um dado, mas posso lhe dar outros. Há 200 anos, por volta de 1820, antes do capitalismo, 90% da população mundial viviam na pobreza extrema. Hoje, são menos de 10%. Mais da metade da queda se deu nos últimos 35 anos. Veja o que aconteceu na China. No fim dos anos 1950, 45 milhões de pessoas morreram como resultado do chamado “Grande Salto para a Frente” empreendido por Mao Tsé-Tung. Em 1981, cinco anos depois da morte de Mao, 88% da população chinesa ainda viviam em extrema pobreza. Foi mais ou menos quando eles começaram a introduzir a propriedade privada e as reformas pró-mercado no país. Hoje, menos de 1% estão nesta situação. Isso nunca aconteceu na história. Nunca tantas pessoas saíram do estado de extrema pobreza em tão pouco tempo como resultado de reformas pró-mercado.

O economista francês Thomas Piketty afirma em seu livro “O capital no século 21”, lançado em 2014, que o capitalismo levou ao aumento da desigualdade no mundo, especialmente nas últimas décadas. Como o sr. analisa a questão da desigualdade e as críticas de Piketty ao capitalismo?

Antes de mais nada, é preciso considerar que o próprio Piketty reconhece que, na maior parte do século 20, a desigualdade diminuiu. Agora, ele diz que, a partir dos anos 1980, 1990, tempos ruins prevaleceram, levando em conta principalmente o que aconteceu nos Estados Unidos e em alguns países europeus. Ironicamente, foi justamente neste período que houve o maior progresso na luta contra a pobreza extrema no mundo. Para mim, a desigualdade não é o ponto principal. A prioridade é a redução da pobreza. No caso da China, que mencionei há pouco, a desigualdade obviamente aumentou nas últimas décadas, com as reformas pró-mercado. Hoje, a China tem muito mais bilionários do que tinha antes. Nos tempos de Mao não havia um único bilionário na China. Hoje, há centenas de bilionários, tantos quanto nos Estados Unidos. Em Pequim, há mais bilionários do que em Nova York. Mas ninguém na China está pedindo para voltar aos tempos de Mao, porque havia mais igualdade naquela época.

Ironicamente, mesmo que a desigualdade tenha aumentado nos Estados Unidos, como diz Piketty, milhões de pessoas estão tentando imigrar para lá, em busca de uma vida melhor. Como o sr. vê esta questão?

Este é um dos meus principais argumentos em favor do capitalismo. É importante olhar para onde os imigrantes vão. Eles sempre vão de países com menos liberdade econômica para países com mais liberdade econômica. Na época do comunismo, ninguém falava que queria ir da Alemanha Ocidental para a Alemanha Oriental. Hoje, ninguém vai dizer que quer ir de Miami para Cuba. Talvez para passar umas férias, por umas duas semanas, e olhe lá. Ninguém diz também que quer ir da Coreia do Sul para a Coreia do Norte. Ou que quer “escapar” do capitalismo do Chile para o “paraíso socialista” da Venezuela.

Além da China e do Chile, que outros exemplos o sr. poderia citar de países que prosperaram nas últimas décadas, a partir da adoção ou do fortalecimento do sistema de livre mercado?

No Vietnã, por exemplo, eles fizeram um grande progresso econômico nos últimos 30 anos, com o aumento da liberdade econômica. As pessoas lá estão muito melhor hoje. A Polônia é um dos países que mais aumentaram a liberdade econômica no mundo nas últimas décadas. É incrível o que aconteceu lá desde a queda do comunismo. Então, na prática, o que a gente vê é que o capitalismo funciona.

O sr. mencionou o caso do Chile, mas lá a esquerda, que defende maior intervenção do Estado na economia, venceu as últimas eleições. Se o sistema era tão bom no Chile, como o sr. afirma, por que a esquerda ganhou a eleição?

Às vezes, as pessoas esquecem a razão pela qual eram bem-sucedidas. O Chile alcançou um grande progresso econômico, em termos de PIB (Produto Interno Bruto) per capita e também de outros indicadores, nas últimas décadas. Muita gente não sabe, mas a desigualdade diminuiu no Chile, nos últimos 10 anos. Só que as pessoas votaram num candidato socialista. Isso não acontece só no Chile, mas em muitos países, inclusive nos Estados Unidos, na Alemanha. Na China, está ocorrendo a mesma coisa. Eu tenho um amigo na China que diz que eles foram tão bem-sucedidos não por causa do Estado, mas apesar do Estado. Hoje, tem pessoas na China querendo voltar a ter mais Estado e menos mercado. Elas esqueceram a razão que as levou a ser bem-sucedidas.

Agora, no Chile, parece que havia também um desejo de mudança e uma grande rejeição pelo candidato da direita, que era pró-mercado, mas mostrava certa nostalgia pelos governos militares. Isso também não deve ser levado em conta?

Com certeza. Minha namorada, que é do Chile e vive há três anos e meio em Berlim, votou no Gabriel Boric, o candidato da esquerda, que venceu as eleições presidenciais. Votou nele porque achava que o (José Antonio) Kast, o outro candidato, era muito de direita, talvez como o Bolsonaro, no Brasil. Ela esperava que Boric fosse meio moderado. Mas agora já tem dúvidas de que tomou a decisão certa. Está vendo que ele não era tão moderado quanto imaginava e claro que ela não quer ver o Chile voltar aos tempos do (Salvador) Allende, nos anos 1970. Muita gente está tendo a mesma percepção. Há um desapontamento com o Boric. No ano passado, 78% dos eleitores do Chile votaram em favor da adoção de uma nova Constituição no país. Hoje, segundo as últimas pesquisas, a maioria se declara contra a nova Constituição, que é defendida pela esquerda e será votada em 4 de setembro.

No Brasil, está acontecendo algo parecido. O ex-presidente Lula, que é o principal candidato da esquerda nas eleições presidenciais e aparece na frente nas pesquisas, também está buscando alianças de centro, para mostrar uma face mais moderada ao eleitor. Como o sr. vê esta estratégia?

Isso não me surpreende. É sempre assim: antes das eleições, eles tentam se mostrar mais moderados, dizem que não são de esquerda, para conquistar os eleitores de centro. Eles sabem que os esquerdistas vão votar neles de qualquer jeito, mas tentam atrair, como sempre, as pessoas do centro. A minha impressão é de que o Lula está tentando fazer a mesma coisa agora no Brasil, procurando mostrar que mudou um pouco, que não é tão de esquerda e ficou mais moderado. Pode ser também que seja uma questão de falta de alternativa. O Bolsonaro, especialmente na pandemia, não foi bem, cometeu muitos erros. Acredito que o caso do Bolsonaro no Brasil é muito parecido com o do Kast, no Chile. Algumas pessoas só votaram no Boric porque não gostavam de Kast, porque ele era da direita radical.

Após a queda do Muro de Berlim, em 1989, muita gente acreditava que o socialismo ficaria para trás. Mas hoje, 33 anos depois, o que se vê é que as ideias anticapitalistas não apenas sobreviveram, como se revigoraram. Em sua visão, o que explica esta resiliência do socialismo, mesmo com o fracasso do “socialismo real”?

Nos anos 1990, ninguém acreditava no socialismo, porque a derrocada do comunismo era muito recente. Mas, com o tempo, as pessoas esqueceram o que aconteceu e o anticapitalismo se tornou mais forte de novo. Mesmo na Alemanha. Nós tivemos um plebiscito no ano passado para decidir sobre a expropriação de propriedades de companhias imobiliárias com mais de 3 mil apartamentos. 56% dos eleitores em Berlim votaram pela expropriação e pela nacionalização dos apartamentos excedentes. Na Alemanha Oriental eles tinham imóveis de propriedade do Estado. Foi um desastre. Adolf Hitler congelou os aluguéis. Os comunistas fizeram a mesma coisa. Foi outro desastre. Os aluguéis eram muito baratos na Alemanha Oriental, mas, quando o Muro de Berlim caiu, 26% da população não tinham o próprio banheiro. Tinham de sair de casa para ir ao banheiro. Na Alemanha Ocidental, mesmo sem congelamento de aluguéis, todo mundo tinha o seu banheiro em casa. Quando houve a reunificação da Alemanha, foi preciso fazer um investimento de 80 bilhões de euros (R$ 408 bilhões) para construir novas casas e renovar e modernizar as antigas casas da antiga Alemanha Oriental. Mesmo assim, agora, o último governo de Berlim congelou os aluguéis e a população votou pela nacionalização dos imóveis. O filósofo (Friedrich) Hegel (1770-1831) disse certa vez que “a única coisa que você pode aprender com a história é que as pessoas não aprendem nada com ela”. É uma afirmação muito pessimista, mas ele tem um ponto aí.

O anticapitalismo parece ter um grande apelo em setores influentes da sociedade e um espaço imenso no debate. Até que ponto isso também ajuda a entender a reabilitação das ideias socialistas?

Os defensores do livre mercado perderam a guerra das ideias, a guerra ideológica. Os inimigos do capitalismo são muito mais fortes na comunicação. As pessoas que deveriam defender o capitalismo, como os empreendedores, não fazem isso. Os socialistas comparam o capitalismo real com a utopia de uma sociedade perfeita. Isso seria o equivalente a comparar o casamento de alguém não com o de outras pessoas, mas com um casamento ideal do qual se fala em algum livro. Não é justo. Se a gente comparar o nosso casamento com os de nossos amigos, talvez ele não seja tão ruim quanto pode parecer. Eu sou um historiador. Levo em conta os fatos históricos. No meu livro, não falo sobre teorias, mas de fatos, evidências. Comparo o capitalismo com o que é possível comparar, com exemplos concretos da história: Chile X Venezuela, Coréia do Sul X Coreia do Norte, Suécia nos anos 1970 X Suécia depois, o Reino Unido antes e depois da (Margaret) Thatcher. Quando você fala dos problemas que existiam na União Soviética e em outros países comunistas, eles dizem: “Nós não queremos nada parecido com o que foi a União Soviética ou a Alemanha Oriental. Queremos algo diferente, queremos socialismo de verdade”. Os socialistas tentaram de tudo. Tentaram um modelo na China diferente da União Soviética, um modelo na Iugoslávia diferente da Romênia, e assim por diante. Quando os regimes fracassam, eles não entendem que a ideia é que estava errada e não a forma como o socialismo foi implementado.

No livro, o sr. fala sobre o sentimento anticapitalista de intelectuais e acadêmicos. Em sua visão, por que eles criticam tanto o capitalismo?

Este é o meu capítulo preferido. É meio complicado, mas vou tentar explicar brevemente. Eu venho de uma família de background acadêmico. Então, estou à vontade para falar do assunto. Na visão acadêmica, quanto mais livros você lê, quanto mais conceituados são seus diplomas universitários, mais do alto você olha para as pessoas e para um homem de negócios que não leu tantos livros. Muitos intelectuais veem, talvez, que aquele vizinho pobre, que talvez fosse um mau aluno na escola e que não leu tantos livros quanto eles, hoje tem um negócio próprio ou uma franquia do McDonald’s e ganha mais dinheiro do que eles. Tem um carro melhor e uma casa maior. Isso para eles é uma prova de que o mercado falhou, porque se o mercado estivesse certo eles é que deveriam estar nesta posição. Fiz dezenas de entrevistas com os super-ricos, para um livro que escrevi sobre o tema, e me dei conta de que há o aprendizado implícito e o explícito. O aprendizado ou conhecimento implícito é o que podemos chamar de “escola da vida” ou intuição. É um jeito diferente de aprender. O aprendizado explícito é aquele baseado nos livros e no aprendizado acadêmico. Os intelectuais não entendem como funciona o aprendizado implícito. Acham que são superiores aos empreendedores, porque têm diplomas universitários ou a sabedoria dos livros e eles, não. Outro ponto importante é que, em geral, os intelectuais pensam em teorias e escrevem sobre teorias. Para o capitalismo, você não precisa de tanta teoria. É tudo desenvolvido de forma mais espontânea e não de acordo com um plano. Lênin disse que o movimento dos trabalhadores não viria das teorias socialistas e que os intelectuais é que tinham de levar o socialismo para os trabalhadores. Os intelectuais têm um papel no socialismo que não têm no capitalismo.

O sr. diz que após a queda do comunismo o pensamento anticapitalista adquiriu novas formas de expressão. A que formas exatamente o sr. se refere?

A mais importante é a defesa da ecologia e a luta contra a mudança climática. Eu não faço parte dos grupos que dizem que a mudança climática é uma mentira. Eu acredito que se trata de um problema real. Mas, para muitos dos que levantam essa bandeira, a questão ambiental não é o grande problema. Para eles, o inimigo é o mesmo, o capitalismo. Se fossem falar sobre fome e pobreza, não teriam argumentos, porque está claro que o capitalismo melhorou a vida das pessoas. Então, mudaram de foco. Outro dia li um livro da economista anticapitalista Naomi Klein. O título era Capitalismo vs. Mudança Climática. No prefácio, ela diz que não se importa tanto com a mudança climática, mas que é uma ferramenta muito importante na luta contra o capitalismo. Ao ler o livro, você vê que as ideias dela são totalmente anticapitalistas, contra o livre mercado e em defesa da economia planificada. Essas pessoas dizem que o que causa o problema ambiental é o capitalismo. Mas, se você pegar o Indice de Performance Ambiental, da Universidade Yale, e compará-lo com o Índice de Liberdade Econômica da Heritage Foundation, verá que os países mais livres são os que têm os melhores resultados ambientais. Em relação ao PIB, as emissões de carbono da Alemanha Oriental eram 3 vezes maiores do que as da Alemanha Ocidental. Não havia nenhum país com piores índices ambientais do que a União Soviética.

Fora a questão ambiental, o sr. afirma no livro que o movimento contra o capitalismo incorporou também a luta contra a globalização. O que o sr. pode falar sobre esta questão?

Frequentemente, a postura contra a globalização, é claro, é relacionada com o pensamento de esquerda, mas nem sempre é assim. Também é ligada ao pensamento de direta. Você tem isso na esquerda, na direita populista e na direita radical. O (Donald) Trump é um exemplo perfeito da direita contra a globalização. Na Alemanha, também tem gente de direita contra a globalização. Muitas vezes, os argumentos da direita e da esquerda são diferentes, mas no fim o resultado, o protecionismo, é o mesmo.

Na sua avaliação, considerando tudo que o sr. falou, por que o capitalismo gera tanta oposição e tantas críticas?

Eu considero o sentimento anticapitalista como um tipo religião política. No passado, há séculos, a religião era muito forte na Europa. No mundo moderno, o anticapitalismo se tornou uma nova forma de religião. O papel do diabo hoje é desempenhado pelo capitalismo. Você pode culpar o capitalismo por todos os problemas do mundo: pobreza, fome, mudanças climáticas, guerras, sexismo, racismo e até a escravidão, que foi adotada muito antes do capitalismo. Até os seus fracassos pessoais na vida você pode atribuir ao capitalismo. A diferença entre a religião e o anticapitalismo é que a religião promete o paraíso depois da morte e o socialismo promete em vida.

O Estado de São Paulo

O Cafezinho

 


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