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domingo, janeiro 02, 2022

Vai passar ou piorar? Os cenários para a pandemia em 2022




Estamos mais perto do fim do que do começo da pandemia, avaliam especialistas

Por André Biernath, em São Paulo

Passados dois anos desde que o Sars-CoV-2, o coronavírus causador da covid-19, foi descoberto em Wuhan, na China, o mundo parece estar mais próximo do fim do que do começo da pandemia.

Mas, para que esse término realmente se torne realidade em 2022, é preciso reduzir a desigualdade na distribuição das vacinas e garantir que ao menos 70% da população global receba as doses do imunizante ao longo dos próximos meses.

Essa é a avaliação feita pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em uma série de comunicados recentes.

Em uma coletiva de imprensa no dia 22 de dezembro, o diretor-geral da entidade, o biólogo etíope Tedros Adhanom Ghebreyesus, projetou que "2022 tem tudo para ser o ano do fim da pandemia de covid-19".

Na avaliação dele, após dois anos de intensa crise sanitária e mais de 5,4 milhões de mortes, o mundo "já conhece o vírus muito bem e possui as ferramentas para combatê-lo".

Ao citar essas tais ferramentas, o representante da OMS se referia às vacinas, aos métodos preventivos (uso de máscara, distanciamento social, desincentivo a aglomerações), aos sistemas de vigilância epidemiológica e genômica do vírus e ao conhecimento acumulado sobre o tratamento da doença.

'Tedros Adhanom Ghebreyesus entende que o mundo tem as ferramentas para combater o coronavírus'

Especialistas ouvidos pela BBC News Brasil concordam com essas projeções e transmitem um otimismo cauteloso para os próximos meses.

"A tendência é que 2022 seja melhor do que 2021 e fique marcado como o ano em que essa pandemia vai se encerrar. Mas é claro que, até lá, precisamos continuar com todos os cuidados", diz o epidemiologista Pedro Hallal, professor da Universidade Federal de Pelotas.

"Vale esclarecer que 2022 pode marcar o fim da situação pandêmica, mas isso não é sinônimo de erradicar o coronavírus. Tudo indica que continuaremos a ter casos e mortes, mas eles não ficarão mais naquela situação de descontrole e de colapso dos hospitais", pondera a microbiologista Natalia Pasternak, presidente do Instituto Questão de Ciência.

Entenda a seguir como alguns aspectos relacionados à pandemia, como a vacinação, a disponibilidade de novos tratamentos e o surgimento de variantes, podem evoluir ao longo de 2022.

Vacinação: mais equidade global, terceira dose, campanhas periódicas e proteção para as crianças

Do ponto de vista global, o maior obstáculo a ser vencido no que diz respeito à vacinação contra a covid-19 é a desigualdade na distribuição e no acesso a esses produtos.

Enquanto alguns países, como Israel, já estudam aplicar uma quarta dose em sua população, outros sequer conseguiram proteger os grupos mais vulneráveis, como idosos e profissionais da saúde.

A situação é particularmente preocupante nos países mais pobres: Haiti, Chade, Burundi e Congo ainda não vacinaram nem 1% de seus cidadãos.

"E não basta doar lotes de vacinas. É preciso que os organismos internacionais ajudem esses locais a criar uma estrutura de distribuição e comunicação, para que as campanhas cheguem efetivamente às pessoas", chama a atenção a infectologista Nancy Bellei, professora e pesquisadora de doenças respiratórias virais na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

'Desigualdade na distribuição de doses de vacina pelo mundo fez com que muitos países, especialmente na África, sequer tenham começado a campanha de imunização contra a covid-19'

Nessa seara, a boa notícia é que não deve ocorrer escassez de doses em 2022. De acordo com os cálculos da Federação Internacional das Associações de Produtores Farmacêuticos, cerca de 24 bilhões de unidades dos imunizantes contra a covid devem ser fabricados até junho. Para se ter uma ideia, em 2021 foram entregues 12,5 bilhões.

Essa quantidade projetada para 2022 seria suficiente para resguardar toda a população mundial.

Buscar uma maior equidade na vacinação não é apenas uma questão de solidariedade entre os povos. Como o próprio nome já adianta, a pandemia é um problema global e, enquanto existirem pessoas desprotegidas, toda a humanidade segue em perigo.

"A variante ômicron veio justamente para nos dar um certo 'tapa na cara' e mostrar o que acontece quando não existe uma igualdade vacinal. Enquanto não houver uma proteção homogênea, estaremos sujeitos ao surgimento de novas versões do coronavírus", alerta Pasternak, que foi eleita pela BBC uma das 100 mulheres mais inspiradoras e influentes de 2021.

A microbiologista destaca que a chegada da ômicron também firmou a necessidade de dar três doses de vacina para garantir um bom nível de proteção contra as formas mais graves da covid-19.

"Isso mudou a nossa perspectiva: antes pensávamos em duas doses, agora sabemos que três são necessárias", diz.

O ano de 2022 também deve dar mais respostas em relação à necessidade de doses de reforço dos imunizantes contra a covid de tempos em tempos, a exemplo do que já ocorre com a vacinação contra a gripe.

"Ainda não temos certeza de como será a periodicidade da vacinação contra a covid, pois precisamos observar por mais tempo a dinâmica de circulação do vírus, a intensidade de novas variantes e o comportamento do sistema imune", raciocina o infectologista Julio Croda, da Fundação Oswaldo Cruz (FioCruz).

"Mas é provável que parte da população mais vulnerável precisará de reforços, como os idosos, os imunossuprimidos e os trabalhadores de saúde", complementa o médico, que também é professor da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul.

Em uma perspectiva brasileira, os meses de janeiro ou fevereiro de 2022 devem marcar o início da vacinação das crianças.

O imunizante desenvolvido pela Pfizer, inclusive, foi aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em dezembro para quem tem entre 5 e 11 anos.

E existem estudos em andamento para avaliar a segurança e a eficácia das doses em um público ainda mais jovem, de 6 meses a 4 anos. Os resultados são esperados para os próximos meses.

'Agências reguladoras e especialistas apontam que benefícios da vacinação infantil contra covid superam eventuais riscos'

"Nas últimas semanas, vemos um aumento importante na proporção de crianças internadas com covid-19 em várias partes do mundo", observa Croda.

"É essencial que a vacinação também avance nessa faixa etária", completa o médico.

Variantes: otimismo crescente com a ômicron e medo de surgirem novas versões do vírus

A detecção da ômicron na África do Sul no final de novembro representou um verdadeiro banho de água fria.

Classificada rapidamente como uma variante de preocupação pela OMS, essa nova versão do coronavírus chamou a atenção pela quantidade e pela variedade de mutações. Muitas delas indicavam uma maior capacidade de infecção e um potencial para driblar a imunidade prévia, obtida com um quadro anterior de covid-19 e pela vacinação.

Passado um mês e alguns dias da descoberta, parte dessas projeções mais pessimistas se mostrou verdadeira: a ômicron de fato se espalhou rapidamente por várias partes do planeta, se tornou dominante em muitos países e está por trás dos recordes recentes de novos casos — em 28 de dezembro, por exemplo, o mundo teve pela primeira vez mais de um milhão de infecções pelo coronavírus registradas em 24 horas.

Por outro lado, alguns estudos publicados nos últimos dias trazem a esperança de que a covid-19 provocada por essa nova variante possa ser mais branda e causar menos hospitalizações e mortes.

"Já podemos afirmar, com um bom grau de certeza, que a ômicron é muito mais infecciosa que o vírus original, mas parece ser menos agressiva, especialmente entre as pessoas que já foram vacinadas", interpreta Hallal, que também é professor visitante da Universidade da Califórnia em San Diego, nos Estados Unidos.

"Mas é necessário ponderar que essas informações ainda são preliminares e precisam ser confirmadas por outras pesquisas", complementa o epidemiologista.

'Ainda é cedo para entender completamente o impacto da ômicron, mas dados publicados recentemente trouxeram esperanças de que a infecção causada por essa variante possa ser mais branda'

"O que precisamos entender melhor agora é se essa variante apresenta alguma desvantagem e não consegue se replicar muito bem nos pulmões, o que levaria a quadros menos graves, ou se essa menor agressividade observada no momento é fruto de um artefato estatístico, já que indivíduos vacinados estão mais protegidos de hospitalização e morte", explica Pasternak.

E o fato de essa variante ser potencialmente menos agressiva também não significa que ela causará menos estragos no sistema de saúde. Com milhões de infectados, a procura por hospitais e pronto-socorros tende a subir, mesmo que em uma frequência menor em comparação com as ondas anteriores. Isso, por sua vez, pode desembocar em falta de insumos, leitos e profissionais da saúde.

Enquanto todas essas impressões não se confirmam, o próprio fato de ter surgido uma nova variante tão infecciosa serve de alerta para o mundo inteiro, apontam os especialistas.

Nada impede que outras versões virais ainda mais temerárias apareçam em 2022, principalmente se a vacinação continuar em marcha lenta nos países mais pobres do globo e em regiões das nações mais ricas onde há muitos cidadãos que se recusam a tomar as suas doses.

Remédios: enfim, um tratamento precoce de verdade (que precisa ficar mais acessível)

Em 2020 e 2021, os médicos que atuam na linha de frente precisaram aprender na marra a tratar os pacientes hospitalizados com covid.

Na experiência de vida real, eles entenderam a importância da oxigenação e de certos medicamentos anti-inflamatórios, ao passo que outras pesquisas comprovaram a ineficácia de algumas drogas contra a covid, como a hidroxicloroquina, a ivermectina e a nitazoxanida.

Nesse meio tempo, também chegaram ao mercado novas alternativas terapêuticas, como os representantes das classes dos anticorpos monoclonais e dos bloqueadores do receptor de interleucina-6. Mas eles só estão indicados para os casos mais graves e têm um preço bem elevado, o que dificulta seu acesso.

O cenário começou a se modificar recentemente, com a chegada dos primeiros antivirais desenvolvidos contra a covid-19. Alguns desses fármacos, produzidos por Pfizer e Merck (MSD, no Brasil), já foram liberados pelas agências regulatórias nos Estados Unidos e na Europa.

No Brasil, o medicamento da MSD foi submetido para análise da Anvisa, que deve dar uma resposta em breve, possivelmente no início de 2022.

'Molnupiravir será administrado duas vezes ao dia a pacientes recentemente diagnosticados com covid'

"Esses antivirais são bons e podem ter um papel importante, mas as próprias farmacêuticas tomaram o cuidado de deixar claro que eles não são milagrosos", pontua Pasternak.

Bellei, que também atua como consultora da Sociedade Brasileira de Infectologia, do Ministério da Saúde e da OMS, destaca que, para obter um desfecho satisfatório, esses novos remédios devem ser ofertados logo no início da infecção pelo coronavírus.

"Eles precisam ser administrados precocemente para alcançar um bom resultado", destaca.

A infectologista reforça que é primordial que os antivirais cheguem ao mercado com um preço acessível, para que eles realmente sejam usados em larga escala.

"Essas drogas não podem custar caro. Precisamos pensar em parcerias público-privadas, distribuição por programas como o Farmácia Popular, disponibilidade no Sistema Único de Saúde…", lista.

Diagnósticos: os testes evoluíram, mas Brasil continua às cegas

Desde o início da pandemia, a OMS orientou que um programa de testagem, isolamento de casos positivos e rastreamento de contatos era essencial para entender o nível de transmissão viral dentro de um país ou de uma região.

E diversas nações desenvolveram políticas sólidas para diagnosticar e isolar pacientes infectados, antes que eles passassem o vírus adiante.

Os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil avaliam que o nosso país não desenvolveu até agora nenhuma ação concreta para aumentar o diagnóstico e a vigilância de covid.

"O Brasil sempre tateou no escuro e nunca tivemos dados confiáveis sobre o número de casos porque não testamos o suficiente", critica Pasternak.

"Um símbolo dessa falta de controle é o fato de que a variante Gama, que surgiu em Manaus, foi detectada pela primeira vez no Japão", recorda a microbiologista.

'Testagem é fundamental para saber como está a situação de momento da pandemia num país ou numa região'

Croda lembra que os recentes ataques aos sistemas de informática do Ministério da Saúde pioraram ainda mais a situação.

"Pelos relatos que recebemos de nossos colegas, há um aumento substancial de casos de covid acontecendo agora, mas isso não se reflete nos dados oficiais, que estão represados", informa.

"Estamos vivendo uma onda silenciosa de infecções de ômicron e nem notamos isso, porque não temos uma política de testagem adequada", concorda Hallal.

Máscara e distanciamento: medidas não farmacológicas (e novos hábitos) serão adaptados à realidade de cada momento

Hallal também lamenta que as medidas de prevenção da covid-19, como o uso de máscaras, o distanciamento social e a prevenção de aglomerações, tenham sido encaradas no Brasil como se fossem questões político-ideológicas.

"Isso deveria ser tratado do ponto de vista técnico e científico. Essas medidas vão ser mais ou menos necessárias a depender do estágio da pandemia", diferencia o epidemiologista.

"Há um mês, na Califórnia, os números de casos e mortes por covid eram bem baixos, então fazia sentido a orientação de que os vacinados não precisavam usar máscara. Agora, com o avanço da ômicron, voltar novamente com as máscaras é uma medida adequada", exemplifica.

Ou seja: a tendência é que, ao longo de 2022, restrições e liberações dependam cada vez mais do cenário epidemiológico — e é importante que as políticas públicas sejam atualizadas rapidamente, de acordo com a situação de momento.

'Usar máscaras de boa qualidade, como a PFF2 ou a N95, é uma das medidas mais eficazes para prevenir a covid-19'

Croda, da FioCruz, concorda. "O retorno de qualquer medida restritiva precisa estar relacionado a um aumento na taxa de hospitalizações e óbitos."

Mas o infectologista entende que, com o avanço da vacinação e o alto número de pessoas que tiveram covid, é difícil pensar que em 2022 teremos superlotação de leitos e até um colapso do sistema de saúde da mesma magnitude observada em alguns Estados brasileiros ao longo de 2020 e 2021.

"Com o espalhamento da ômicron pelo país e as festas de final de ano, podemos esperar um aumento de casos e de internações, mas nada como aquilo que vimos num passado recente", interpreta.

Os especialistas indicam ficar de olho nas recomendações das autoridades sanitárias e fazer uma avaliação de risco de cada situação e contexto. Enquanto a pandemia persistir, vale fugir sempre que possível de aglomerações, usar máscaras de boa qualidade ao sair de casa e priorizar encontros ao ar livre — além de, claro, tomar as duas ou três doses de vacina nos prazos estipulados.

Já Bellei, da Unifesp, espera que a experiência com a covid-19 tenha ensinado às pessoas sobre um hábito essencial: o isolamento solidário quando se está com sintomas de infecção respiratória.

"Quem está com sinais de gripe, resfriado ou covid, precisa ficar em casa para não transmitir o vírus para as outras pessoas", recomenda.

A médica também vê que a exigência do passaporte da vacina para entrar em alguns estabelecimentos pode virar uma prática cada vez mais comum daqui pra frente.

"As doenças respiratórias virais são doenças sociais. Se eu estou infectado, posso afetar a vida de muita gente ao meu redor", diz.

"Sou a favor da educação, mas falamos de uma doença para a qual existe vacina. Se a pessoa escolhe não tomar, ela tem maior risco de se infectar, incubar o vírus em seu organismo e pôr os outros em risco no simples ato de cantar ou conversar", completa a infectologista.

'Os passaportes de vacinação já são adotados, em maior ou menor intensidade, em várias partes do mundo'

De forma geral, os especialistas entendem que o ano de 2022 vai começar muito melhor do que 2021.

"A virada de 2021 foi péssima, talvez a pior de nossa história. Não tínhamos vacinas à disposição e estávamos com a variante gama se espalhando país adentro", relembra Hallal.

"O ano de 2022 se inicia com a disseminação da ômicron, mas agora temos os imunizantes como grandes aliados", complementa o epidemiologista.

"Pensa em tudo o que fizemos em apenas doze meses. Há um ano, a enfermeira Mônica Calazans era a primeira a receber a sua dose no país. Depois dela, outros 165 milhões de brasileiros foram tomar a vacina", compara Pasternak.

Croda reforça o recado de que o eventual término da situação pandêmica em 2022 não significa que o coronavírus deixará de ser um problema.

"Mesmo se a pandemia chegar ao fim, a covid não desaparecerá do mapa. Ela continuará a ser uma doença endêmica, com um impacto importante nos serviços de saúde, mas nada comparado ao que aconteceu em 2020 e 2021."

Já Bellei destaca que a experiência atual servirá de aprendizado para as outras doenças infecciosas com alto potencial de espalhamento. "Precisamos entender que outras pandemias virão. E vamos necessitar de mais agilidade nas ações e nas avaliações das políticas públicas", antevê.

"Tudo que a gente aprendeu nesses últimos dois anos vai servir para lidar com essa e com as futuras crises sanitárias que veremos pela frente", conclui a infectologista.

BBC Brasil

A impunidade e a fantasia das narrativas




A percepção da corrupção pelos famintos, miseráveis e pessoas que perderam a sua condição social causa indignação moral e a busca de uma saída social que possa ser politicamente viável. 

Por Denis Rosenfield (foto)

A corrupção no Brasil tornou-se um problema institucional, isto é, diz respeito às instituições, a seu modo de funcionamento e ao cumprimento ou não de sua finalidade própria, a de estarem voltadas para o bem público. Estamos diante da acepção de República, de bem coletivo, e não de seu aparelhamento por grupos estamentais, corporativos, quando não diretamente criminosos. Não importa que uns se digam de esquerda ou de extrema direita, quando isso nada mais significa senão narrativas ideológicas utilizadas para justificar o crime e/ou o aparelhamento das instituições.

O espetáculo dos últimos meses é, nesse sentido, aterrador. Todos os condenados pela Lava Jato estão sendo “inocentados”, “absolvidos” ou como se queira chamar a anulação de condenações pelas mais diferentes razões, sempre em busca de uma justificativa formal, qualquer que seja. O objetivo parece ser um só: a anulação da Lava Jato e da luta contra a corrupção. Para que isso seja feito, basta a contratação de caras bancas de advogados, que, por intermédio de incessantes recursos, conseguem, ao fim, a “absolvição”de seus clientes. As provas terminam na cesta de lixo. A Justiça tarda, mas sob a forma da mais severa das injustiças. Réus confessos são soltos, seus processos são anulados, delatores são “inocentados”.

Ministros de tribunais superiores chegam a essas “conclusões” após vários anos, frequentemente contra sentenças anteriores deles mesmos, em uma espécie de revelação religiosa de profundas repercussões terrenas. Repercussões morais, pois os tribunais superiores são tidos por inconstantes, contraditórios, sem nenhuma adesão a princípios; repercussões institucionais, pois mostram que o crime compensa; e repercussões políticas, pois alteram profundamente o cenário eleitoral, com um ex-presidiário ocupando hoje uma posição central no tabuleiro partidário. A confusão é total e a insegurança jurídica é completa.

Estabeleceu-se uma identidade fictícia, obediente a interesses partidários, entre a Lava Jato e a luta contra a corrupção. Não houvesse o PT perdido a memória, poderia se lembrar que liderou a luta contra a corrupção, apregoando a ética na política. Enquanto tirou dela proveito, guardou as aparências até ser alvejado pelo mensalão, pelo petrolão e julgado pela Lava Jato. Não houvesse o presidente Bolsonaro traído suas “ideias” e “promessas”, como o combate ao toma lá dá cá, à corrupção e ao “sistema político”, e sucumbido ao Centrão e às suas negociações, o país seria outro.

Petistas e bolsonaristas, ao se insurgirem contra a Lava Jato, na verdade sinalizaram o que fizeram: a renúncia à luta contra a corrupção. Agora, procuram normalizar essa atitude que, a bem dizer, tem tudo de anormal. Os seus advogados certamente dirão que a operação não seguiu os seus devidos trâmites legais; seus parlamentares de distintos horizontes se insurgem contra os seus supostos excessos, não sem antes apostarem em candidaturas que lhes tragam tranquilidade em suas operações. Ou seja, a Lava Jato não está sendo negada por supostos ou eventuais excessos, mas para ser relegada a uma posição secundária na luta contra a corrupção. Não faltará quem diga que essa bandeira não faz hoje parte da pauta eleitoral. Não aparece entre as prioridades pelo fato de a pandemia ter tido resultados desastrosos e de a atual política econômica estar provocando fome, baixa renda e subemprego, além de baixo crescimento. Contudo, essa sua posição secundária é, ela também, fruto do ocultamento intencional do qual foi objeto. 

Basta que atores políticos saibam enfrentar essa questão, para que ela volte ao proscênio.

Note-se que, do ponto de vista político, o escamoteamento dessa falta de moralidade pública, de desvio de recursos públicos, foi deslocado para o embate eleitoral, sendo o ex-juiz Sergio Moro o seu alvo, precisamente por postular a Presidência da República. Procura-se não falar da corrupção, mas em atacar o juiz que foi o seu símbolo. É como se o problema da corrupção estivesse, assim, magicamente resolvido. Tem-se, dessa maneira, o objetivo de neutralizar politicamente qualquer veleidade moral, como se a ética não fosse atualmente um problema político. Curioso nesse processo é que se atribui a um juiz de primeira instância a responsabilidade completa de um processo judicial que teve nele um pontapé inicial.

Na verdade, ele se situa no início de toda uma apuração que envolveu promotores, procuradores, outros juízes, desembargadores e ministros dos tribunais superiores. O TRF-4, um dos mais sérios e ágeis tribunais do país, reiterou e confirmou as sentenças das etapas iniciais. Aprofundou mesmo algumas penas. O STJ seguiu no mesmo diapasão, assim como o STF. Se houve posteriormente mudanças nos tribunais superiores, com algumas decisões monocráticas, tais atitudes não apenas puseram em questão o ex-juiz Moro, mas todo o edifício da Justiça brasileira. É ela que sai desacreditada. E por mais inacreditável que isso pareça: em nome da Justiça.

Evidentemente, para os pobres e desfavorecidos, tal “Justiça” não vale. Eles não possuem recursos para bancar ricos advogados durante anos. São muito frequentemente presos por qualquer crime menor, não podendo nem apresentar recursos de forma conveniente. Sucumbem nas primeiras instâncias! O que dirão eles lendo, vendo e ouvindo as “absolvições” dos ricos e privilegiados, esses aos quais a lei não se aplica? O crime para eles compensa, enquanto para aqueles, não há recompensa nenhuma senão a condenação e o cárcere. E não deixa de ser tampouco paradoxal que o partido dito dos trabalhadores faça com afinco esse jogo contra os trabalhadores.

Imaginem o que pode bem sentir uma mãe ou pai de família, com seus filhos passando fome aos seus olhos, não podendo ir à escola ou o fazendo muito precariamente, sem vislumbrar qualquer futuro, vendo na televisão bilhões serem desviados, parlamentares abocanhando milhões em emendas parlamentares e um presidente dizendo que nada pode fazer, perdido em moinhos de vento contra as vacinas, as urnas eletrônicas, e lutando pelo armamento da população, que nem dinheiro tem para comprar coisa nenhuma, muito menos revólveres e munições. Claro que o presidente não tem o charme e a ironia de Dom Quixote, nem a sabedoria de Sancho Pança.

A percepção da corrupção pelos famintos, miseráveis e pessoas que perderam a sua condição social causa indignação moral e a busca de uma saída social que possa ser politicamente viável. No entanto, muitas vezes a urgência da fome, da doença e do abandono dos filhos é de tal monta que os cantos de sereia do populismo encontram acolhida. Pelo prato do dia, sem saberem, hipotecam o seu futuro. A luta contra a corrupção permanece, porém, um problema precisamente por suas implicações sociais e sanitárias. Até recentemente, a CPI da Covid, com senadoras e senadores engajados nas averiguações, mostrou a corrupção se infiltrando em decisões políticas graças à ação de meliantes de fora e de dentro do aparelho estatal – uma das senadoras, Simone Tebet, devido a seu posicionamento, surgiu também candidata a presidente da República.

A corrupção corrói a moralidade pública, fazendo com que a percepção dos cidadãos os faça desacreditar dos políticos. Assim, soluções autoritárias para os incautos e desfavorecidos pode terminar como um caminho de efeitos nefastos. A corrupção produz o desvio dos recursos públicos que poderiam ser utilizados em programas sociais e sanitários, aliviando os mais necessitados. A corrupção destrói o tecido constitucional, esgarçando os seus valores e produzindo a corrosão da democracia. A corrupção e o seu sucesso pela não punição mostram que o crime, infelizmente, compensa para os ricos e privilegiados.

Pode, dessa maneira, uma sociedade encontrar o seu futuro? Pode ela enfrentar os problemas do seu presente?

Revista Crusoé

Entrevista - Fukuyama: "A decadência dos EUA vai aumentar nos próximos anos".




Para o intelectual conservador Francis Fukuyama, pode surgir uma "nova cepa" do populismo de direita no mundo. Ele afirma, também, que a reeleição de Bolsonaro seria "destrutiva" para o Brasil, assim como a volta de Lula. 

Três décadas após decretar “o fim da História”, o especialista em relações internacionais Francis Fukuyama, da Universidade Stanford, uma das vozes conservadoras mais conhecidas da academia americana, vê um 2022 marcado pela crescente decadência dos EUA, pelo avanço do totalitarismo representado pela aproximação de China e Rússia, pelo aumento da polarização política na América Latina e pela emergência de uma nova cepa do populismo de direita, alimentada por um conceito enviesado de liberdade de expressão, como reação à indefinição sobre o fim da pandemia da Covid-19.

“O fim da História e o último homem” foi escrito logo após o desmonte do comunismo na Europa Oriental, com a tese de que as democracias liberais se solidificariam mundo afora, o que não aconteceu. Como vê os EUA no atual tabuleiro político planetário?

Houve um inegável declínio da influência americana. As razões são muitas, mas as principais se relacionam com os erros políticos cometidos por Washington de lá para cá, especialmente a invasão do Iraque e a crise financeira global de 2008. Foram dois momentos históricos que desacreditaram nossas elites e as ideias que as guiavam. Hoje a maior fonte de fraqueza dos EUA é o grau jamais visto de polarização política em um país cada vez mais partido. A política externa, especialmente, carece do mínimo de consenso entre democratas e republicanos, crucial para a defesa de uma ordem global democrática. Nosso retrato como país hoje é o de uma entidade anômala e isso me faz crer que a decadência americana vai aumentar nos próximos anos.

Quais serão os maiores pontos de tensão no planeta em 2022?

Certamente Ucrânia e Taiwan, e não apenas no próximo ano. Estes serão os dois centros nervosos da disputa entre as democracias liberais e os regimes totalitários. Se os EUA nada fizerem para proteger Kiev, a decadência americana será ainda mais acelerada. O que deveríamos fazer no caso da Ucrânia é parar de considerar uma possível entrada do país na Otan e tornar mais difícil uma invasão russa, com ações concretas, com apoio militar que ofereça aos ucranianos a possibilidade de se defenderem de uma agressão militar. Pequim está prestando enorme atenção a como o mundo ocidental responderá a uma possível invasão. Se não enfrentarem Putin, uma invasão de Taiwan se torna mais possível. A conexão Pequim-Moscou é definitivamente um movimento chave no xadrez global. Ficou mais nítido o quilate de ordem mundial que eles gostariam de estabelecer.

Depois de quase dois anos de pandemia, o que devemos esperar de 2022?

O efeito mais palpável da pandemia foi o aumento de nossa dependência do universo digital, nos negócios, na educação, nas conexões pessoais, e estas mudanças vieram para ficar. A verdade é que aprendemos e gostamos da tela entre nós. Observaremos uma pressão cada vez maior para que esta extensão de nossos corpos e mentes se perpetue, com suas consequências, positivas e negativas. Mas o que não sabemos ao certo, especialmente do meu ponto de observação [com um forte movimento antivacina, os EUA ainda convivem com alto número de mortes por Covid-19], é quando a pandemia irá de fato acabar. O que posso cravar de antemão como uma das características de 2022 é justamente essa incerteza. A pandemia está se estendendo mais do que os mais pessimistas previam. O que mais me preocupa são as consequências políticas dessa indefinição.

Pode dar exemplos?

A extensão da pandemia pode desestabilizar politicamente países, incluindo os nossos. Precisamos observar o efeito que ela terá no curso dos populismos. Constatou-se numericamente uma relação clara entre governos comandados por populistas e a dimensão da tragédia da Covid-19. Houve, como consequência, o enfraquecimento de governantes como Donald Trump e Jair Bolsonaro. Porém, não me iludo: 2022 seguirá seu curso, as pessoas se esquecerão, mês a mês, semana a semana, da tragédia. O Ano Novo começa com um sentimento de esgotamento e ansiedade compreensível: passamos 2020 e 2021 usando máscaras, isolados, nos vacinando. O que temo é que a reação, especialmente à direita, contra as medidas sanitárias, modifique o cálculo político, oferecendo a oportunidade de um novo tipo de populismo, calcado em uma falsa ideia de liberdade de expressão.

A discussão em torno da vacinação de crianças contra a Covid-19 que se vê hoje no Brasil já é um reflexo desta nova cepa de populismo de direita?

Sim. É legítima a preocupação dos pais em o Estado usar a emergência sanitária para interferir em decisões que afetam as famílias. Mas a realidade é bem outra e mais sinistra. Cultua-se a desconfiança do conhecimento científico e há a invenção e divulgação de teorias da conspiração sobre agências de vigilância e a indústria farmacêutica.

Em 2018, o senhor argumentou em “Identidades: a exigência da dignidade e a política do ressentimento" que há uma conexão direta entre a defesa feita por progressistas das políticas identitárias e a ascensão do populismo de direita. As democracias liberais seguirão em risco?

Sim. Em abril lanço “Liberalism and its discontents”, examinando como as pessoas foram ficando mais infelizes com o modelo de democracia liberal nos últimos 50 anos. A nova esquerda combate diversos tipos de desigualdade, não apenas os de classe e econômicos, mas os de gênero, raciais e de orientação sexual. E isso seguirá alimentando uma direita decidida a enfrentar o que percebe ser um ataque a suas tradições culturais e religiosas.

O Brasil irá às urnas este ano e as pesquisas indicam uma polarização entre forças que representam, também, estas tensões. Como o senhor vê uma disputa entre Bolsonaro e o ex-presidente Lula?

A reeleição de Bolsonaro seria o equivalente a uma segunda Presidência de Trump nos EUA, a celebração coletiva de um líder muito fraco e incompetente. Um segundo mandato de Bolsonaro será ainda mais destrutivo para a democracia brasileira. A escolha oferecida, no entanto, me parece estar longe do ideal: faz todo sentido votar em qualquer pessoa que não se chame Bolsonaro, mas Lula representa um passado recente que inclui escândalos sérios e volumosos de corrupção. A disputa também parece acentuar a diminuição da importância dos centros e o fortalecimento da polarização, dos extremos, como aqui nos EUA, que parece ser uma tendência na América Latina para os próximos anos, como observamos no Peru e no Chile. Isso me preocupa muito.

Mas Gabriel Boric se aproximou do centro no segundo turno das eleições chilenas e a política ambiental teve protagonismo em seu programa de governo. A consciência verde não terá o poder de aproximar os extremos?

Ela deveria, mas ainda não vejo no horizonte o combate lógico e urgente ao aquecimento global como fator na redução da polarização política. Em 2022, estaremos distantes de um consenso sobre como preservar a natureza sem explorar de forma irracional as riquezas naturais. E muito ocupados discutindo tópicos como o aumento de impostos, se é direito ou dever sermos vacinados e o culto à desinformação para nos unir na defesa do verde.

Sobre a disseminação de fake news, o senhor acredita que haverá mais pressão pela vigilância das big tech?

Este é um processo inevitável e não se refere apenas às redes sociais, mas a todo universo digital. Houve uma multiplicação de universos alternativos em que as pessoas discordam não apenas a respeito de conceitos mas de fatos. Precisamos encontrar uma maneira de regular o mundo livre das redes sem bater de frente com valores intensificados pelas próprias características centrais do mundo digital, como a liberdade de expressão. Tão importante quanto denunciar as fake news será construir uma maneira legal para fazê-lo sem assumir o manto do censor, do totalitário. Este ser á um dos desafios centrais de 2022 e dos próximos anos.

O Globo

Neste ano novo, o país decidirá se quer democracia e se vai para pobreza crônica

Publicado em 1 de janeiro de 2022 por Tribuna da Internet

Charge Erasmo Spadotto - Pobreza Assintomática - Portal Piracicaba Hoje

Charge do Erasmo (Portal Piracicaba Hoje)

Vinicius Torres Freire
Folha

O ano novo será uma longa agonia. Antes que comece, o mais importante será saber como termina. Em primeiro lugar, o país decidirá se ainda quer democracia. As alternativas mais ou menos autoritárias já são evidentes, como uma autocracia com traços de militarismo, religião e política mafiosa, a depender da conjuntura.

Em segundo lugar, o novo governo decidirá se vai ao menos tentar a grande mudança necessária para que se evitem mais anos de pobreza, talvez pobreza crônica, o que deve ter consequências políticas graves.

SISTEMA APODRECIDO – Desde 2013 há sinais evidentes de revolta contra o sistema político apodrecido e fechado e com as mudanças socioeconômicas pouco profundas do regime de 1988.

Escreveu-se que o “novo governo decidirá” se vai tentar a grande mudança. Tendo o eleitor dado um mandato genérico para que se faça “alguma coisa”, estará nas mãos do novo governo decidir se vai propor o choque necessário, coisa de que a maioria do eleitorado não faz ideia.

Supondo que o governo tenha consciência do drama e capacidade técnica, quais serão as condições políticas de mudar? Não é apenas questão de acordão no Congresso. Há ilusões sociais, mito de volta aos “bons tempos” e resistência forte a mudanças –ricos entrincheirados mesmo contra “reformas” (liberais).

MUITAS MUDANÇAS – A desarticulação social e política é grande. Que forças podem apoiar um programa de mudança tão grande e imediato? Um novo governo sensato qualquer terá, sim, de fazer mudanças que criem o básico de uma economia de mercado funcional, até para tornar possível novos modos de intervenção do Estado.

Isso quer dizer fazer uma reforma tributária que dê cabo das distorções que levam ao uso improdutivo de capital e trabalho. Quer dizer abertura comercial. Quer dizer mudanças adicionais que facilitem o investimento privado.

A mudança exige também dar um sinal crível de que o endividamento relativo do governo (relação dívida/PIB) vá se estabilizar. Se o leitor acha que o governo pode continuar a se endividar sem limite e pagar a taxa de juros que quiser, convenientes (sem fazer a explodir a inflação), por favor mande cartas para a redação com o argumento.

GASTOS PÚBLICOS – A mudança implica conter gastos ineficientes com funcionalismo. Implica mais impostos sobre ricos, de modo que paguem para conter o endividamento, em vez de ganhar juros com isso, e que se recupere alguma capacidade de investimento público.

Implica remanejar gastos sociais (mais nisso, menos naquilo). Implica obter dinheiro para urgências (miséria aumentada, um plano de educação infantil, reforma do SUS). De início, não vai sobrar mais nada para “o social” – se tanto.

Tudo isso tem de ser proposto logo de cara e exige grande acordo. Desconversa, hesitação e procrastinação vão fazer com que o governo perca o ímpeto, que o PIB se arraste, que a insatisfação com mais empobrecimento ferva: crise feia.

EMBALO NA ECONOMIA – Um plano de mudanças grande e crível, por outro lado, pode dar um embalo de curto prazo na economia. O país pode crescer um biênio a 3% ao ano só pela mudança de expectativa –a julgar pelas contas dos economistas, há recursos ociosos bastantes para tanto. Com mudanças andando, dá para crescer mais, no médio prazo, afora desastres no mundo lá fora.

O grande acordo vai muito além da conversa de politólogos sobre coalizões parlamentares ou de “vices confiáveis”; vai além das ilusões da esquerda e seu redistributivismo primário. É preciso enfim cooptar frações da elite, dessa elite em boa parte colaboracionista, que faz qualquer negócio, como o bolsonarismo, e que faz de conta que quer “reformas”.

Vai ser uma agonia.

Celebrado no mundo inteiro, Celso Furtado foi impedido de impulsionar o progresso do país

Publicado em 1 de janeiro de 2022 por Tribuna da Internet

Círculo de Giz - Há 100 anos nascia Celso Furtado, em Pombal (PB). Em  agosto de 1997 foi eleito para substituir Darcy Ribeiro na ABL e ocupar a  cadeira 11, cujo patronoJosé Carlos Werneck

Se o Brasil tivesse seguido as diretrizes de Celso Furtado, estaria hoje em uma posição de vanguarda no cenário internacional e, principalmente, os brasileiros viveriam em melhores condições. Furtado foi considerado um dos sucessos de John Maynard Keynes, defendendo a necessidade de uma participação ativa do Estado para dinamizar a economia e alcançar uma melhor distribuição, reduzindo a desigualdade social, que até hoje continua a desafiar políticos e economistas.

Este notável homem público formou-se em Direito e depois, em 1947, foi para a Inglaterra e se especializou em Economia na London School of Economics. Retornando ao Brasil, foi trabalhar na Fundação Getúlio Vargas. Em seguida, transferiu-se para Santiago do Chile, onde trabalhou na recém-criada Comissão Econômica para a América Latina (Cepal).

CEPAL E SUDENE – Em 1953 voltou ao Rio de Janeiro, convidado para presidir o Grupo Misto de Estudos criado a partir de um convênio celebrado entre a Cepal e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE). Em outubro de 1955 retornou à sede da Cepal, em Santiago do Chile, para dirigir um estudo sobre a economia mexicana, o que acabou resultando em nova mudança, desta vez para a Cidade do México, em 1956.

No governo de Juscelino Kubitschek, quando houve grave crise decorrente da seca no Nordeste, Celso Furtado apresentou ao presidente da República os resultados dos estudos que vinha realizando e recebeu a incumbência de elaborar um plano de política econômica para aquela região.

Surgiu, assim, a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), Furtado foi seu primeiro superintendente e cumpriu o plano de JK, de jamais ocorrer nova seca com a região ao desamparo.

NO PLANEJAMENTO – Nos governos de Jânio Quadros e João Goulart, o economista foi mantido na Sudene, até ser nomeado ministro do Planejamento em 1962, incumbido de elaborar, em dois meses, um novo plano de política econômica, que foi divulgado oficialmente em 30 de dezembro com o nome de Plano Trienal de Desenvolvimento Econômico e Social.

A política econômica do governo Goulart baseou-se nas diretrizes traçadas pelo Plano Trienal, executado sob a direção de Celso Furtado e San Tiago Dantas, dois notáveis intelectuais brasileiros.

Em fins de junho, Furtado deixou o cargo de ministro e voltou a Recife para dedicar-se novamente à Sudene até 31 de março de 1964, quando eclodiu o movimento político-militar que depôs o presidente João Goulart e instaurou a ditadura no país.

CASSADO EM 1964 – Com a edição do Ato Institucional nº 1, Celso Furtado teve seu nome incluído na primeira lista de cassados. Em meados de abril embarcou no Rio de Janeiro para Santiago do Chile, a convite do Instituto Latino-Americano para Estudos de Desenvolvimento, ligado à Cepal.

Em setembro, mudou-se para New Haven, nos Estados Unidos, assumindo o cargo de pesquisador graduado do Instituto de Estudos do Desenvolvimento da Universidade de Yale.

Daí em diante, dedicou-se a atividades de ensino e pesquisa nas universidades de Yale, Harvard e Colúmbia, nos EUA, de Cambridge, na Inglaterra, e da Sorbonne, na França, onde assumiu a cátedra de professor efetivo a convite da Faculdade de Direito e Ciências Econômicas da Universidade de Paris.

Durante toda a década de 1970, dedicou-se intensamente a atividades acadêmicas e à publicação de livros sobre economia.

VOLTA AO BRASIL – Beneficiado pela anistia, em agosto de 1981 filiou-se ao Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB). Três anos depois, participou intensamente da campanha de Tancredo Neves à Presidência, inclusive integrando a comissão que elaborou o plano de ação do governo.

Em março, com a morte de Tancredo Neves, foi indicado pelo presidente José Sarney para embaixador do Brasil junto à Comunidade Econômica Europeia sediada em Bruxelas. Em fevereiro de 1986 substituiu o ministro Aluísio Pimenta na pasta da Cultura, onde permaneceu até agosto de 1988.

Fora do governo, voltou-se novamente para suas atividades literárias e acadêmicas.

RENOME MUNDIAL – Morando seis meses por ano no Rio de Janeiro e outros seis meses em Paris, Celso Furtado era considerado um dos maiores economistas do mundo e passou a integrar, como membro permanente, a Comissão de Desenvolvimento e Cultura da Organização das Nações Unidas (ONU). Em 1997, tornou-se membro do Comitê de Bioética da Unesco e no mesmo ano tomou posse na Academia Brasileira de Letras.

Como se vê, em nome de um anticomunismo infantil e inconsequente, desde o regime militar o Brasil tornou-se especialista em desperdiçar ideias brilhantes de homens de talento e competência, como Celso Furtado, que poderia ter colaborado de maneira mais efetiva para levar o país a um estágio de desenvolvimento que pudesse amenizar a discrepância de tentar a convivência pacífica entre a miséria absoluta e a riqueza total, algo impossível de existir e que explica a situação absurda que o país hoje atravessa, em termos de atraso econômico e criminalidade crescente.

Cúpula do PSB se irrita com intransigência do PT e abre negociação com PDT de Ciro


PSB 40

Carlos Siqueira não aceita que PSB seja “reboque” do PT

Vera Rosa
Estadão

Diante do impasse para fechar aliança com o PT em Estados definidos como “joias da coroa”, a cúpula do PSB decidiu fazer um movimento paralelo. Quer filiar o ex-governador Geraldo Alckmin, mas pode agora oferecê-lo como “dote” ao PDT de Ciro Gomes. Dirigentes do PSB procuraram o comando pedetista e marcaram um almoço para a próxima semana, em São Paulo, na tentativa de abrir novo canal de negociação.

Sem partido desde que deixou as fileiras tucanas, no último dia 15, Alckmin prefere entrar no PSB e ser vice na chapa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao Palácio do Planalto, em 2022. Mas, como a cada semana surge um problema, tanto ele como os líderes da sigla saíram em busca de alternativas.

CANDIDATOS PRÓPRIOS – A ideia é dar um ultimato ao PT e mostrar que os socialistas não estão dispostos a abrir mão de candidaturas próprias em Estados como São Paulo e Rio Grande do Sul, por exemplo.

Nas conversas, acenam com a hipótese de montar uma federação e casar de papel passado com o PDT, o PV e a Rede até as eleições de 2026. Fundadora da Rede, a ex-ministra Marina Silva, que amargou derrotas na últimas três disputas presidenciais, tem se aproximado de Ciro, embora deteste o marqueteiro da campanha, João Santana, autor de agressiva estratégia contra ela em um passado não muito distante.

O movimento do PSB é visto com ceticismo pelos petistas, para quem tudo não passa de um jogo de cena do grupo do presidente do partido, Carlos Siqueira, para valorizar o passe. Siqueira tem dado declarações duras desde o último encontro com Lula, há 11 dias.

PT INDEFINIDO – O presidente do PSB disse, por exemplo, que o PT precisa decidir se seu objetivo é “formar uma frente ampla” para derrotar o presidente Jair Bolsonaro (PL) e eleger Lula ou se é “disputar os governos nos Estados” e tratar como adversário quem pode ser seu principal aliado.

“Esse negócio do PSB com o PT não tem como dar certo, mesmo porque Lula, com 46% (das intenções de voto), acha que já está com a mão na taça”, disse ao Estadão o presidente do PDT, Carlos Lupi. “Nós vamos conversar. Acho que o PSB tem muito mais afinidades com o PDT.”

Não está claro, ainda, qual papel Alckmin desempenharia em um arranjo assim. Motivo: há, nos bastidores, forte pressão da bancada de deputados federais do PDT para que Ciro desista da candidatura à sucessão de Bolsonaro, caso não consiga decolar até março. O ex-ministro enfrenta dificuldades para se mostrar competitivo no pelotão da terceira via, principalmente depois da entrada do ex-juiz Sérgio Moro (Podemos) no páreo presidencial.

‘INDESISTÍVEL’ A portas fechadas, parlamentares do PDT observam que, ao invés de ter candidato próprio ao Planalto, o partido deveria privilegiar a distribuição de recursos para os concorrentes à Câmara. O tamanho da bancada influencia na divisão do fundo eleitoral entre as legendas.

“Eu não sei o que o PSB vai querer, mas Ciro não desiste e eu também sou ‘indesistível’. Para não ter mais esse tititi, quero deixar claro: não estamos gastando esse dinheiro todo com o João Santana para nada”, afirmou Lupi.

Para frear o aumento das especulações sobre a retirada de Ciro, principalmente após a operação da Polícia Federal que o alvejou, a cúpula do PDT decidiu criar um fato político.

LEMBRAR BRIZOLA – Em uma estratégia antecipada, o partido fará o pré-lançamento da candidatura de Ciro, em Brasília, no dia 21 de janeiro de 2022. No ato, o PDT vai apresentar a nova marca da campanha, que pretende transformar o estilo brigão e explosivo do ex-ministro em ativo eleitoral.

Um dia depois, em 22 de janeiro, o partido homenageará o ex-governador Leonel Brizola, que completaria 100 anos na data.

O PDT precisa de um palanque forte para Ciro em São Paulo e também está conversando com Guilherme Boulos, do PSOL, partido que sempre se opôs a Alckmin. Pode apoiá-lo na disputa ao Palácio dos Bandeirantes.

CIRO E ALCKMIN – O ex-governador e Ciro, por sua vez, se dão muito bem e têm uma afinidade regional: os dois são de Pindamonhangaba, cidade do interior paulista. Uma aliança para que Alckmin seja vice nessa chapa, porém, é considerada difícil.

O ex-tucano também já foi convidado para se filiar ao Solidariedade, ao PSD do ex-ministro Gilberto Kassab, ao União Brasil e ao próprio PDT, mas continua preferindo o PSB. Só que os embaraços para a formação da federação de partidos com o PT – um casamento que precisa durar no mínimo quatro anos – têm atrapalhado o avanço das negociações.

Ao oferecer Alckmin como vice de Lula, o PSB exigiu o apoio do PT a seus candidatos aos governos de São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Pernambuco, Rio Grande do Sul e Acre. Os petistas não aceitam esse acordo.

DISPUTA PAULISTA – Os dirigentes do PT avaliam que, pela primeira vez, o partido tem chances de derrotar o PSDB na corrida ao Bandeirantes, com Fernando Haddad. Irritada com as exigências do grupo de Siqueira, a direção petista também decidiu esticar a corda e lançar o senador Humberto Costa ao governo de Pernambuco.

“O Brasil não pode ficar submisso a vontades pessoais”, argumentou o ex-governador de São Paulo Márcio França, amigo de Alckmin e pré-candidato do PSB ao Bandeirantes. Na prática, a aliança entre o PT e o PSB para montar a dobradinha dos sonhos de Lula tem sido comparada agora a um jogo de estratégia.

Trata-se de uma batalha na qual todos querem conquistar territórios. “Mas precisamos encaixar as engrenagens partidárias”, avisou França. Como se vê, 2022 bate à porta e a nova temporada, na política, ainda é de muitas incertezas.

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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG
 – Como dizia Machado de Assis, a confusão é geral. Por enquanto, está tudo no ar, em matéria de coalizões. (C.N.)

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