Bruno BoghossianFolha
Num pedido meio esfarrapado de desculpas, Eduardo Bolsonaro disse que não existe “qualquer possibilidade” de edição de um novo AI-5, como ele mesmo havia sugerido numa entrevista. “Esse não é o ponto que nós vivemos hoje”, afirmou.
É preciso ter boa vontade de sobra para crer que o filho do presidente cometeu um lapso. Eduardo disse com todas as letras que, se o governo for ameaçado pela esquerda, pode repetir a medida da ditadura militar que fechou o Congresso e abriu caminho para prisões e torturas.
AGRAVANTES – Antes de se retratar, ele publicou um vídeo para defender o AI-5 e reforçar a tese conspiratória de que as manifestações do Chile são financiadas por regimes socialistas. Divulgou também uma gravação em que o pai exalta um torturador e acrescentou: “Não tenhais medo!”.
Eduardo não está só. Sua bravata é um produto da essência do bolsonarismo, em que medidas de exceção são tratadas como cartas na manga.
Depois da declaração de Eduardo sobre o AI-5, o general Augusto Heleno comentou a ideia como se fosse uma hipótese razoável. “Não ouvi ele falar isso. Se falou, tem de estudar como vai fazer, como vai conduzir. Acho que, se houver uma coisa no padrão do Chile, é lógico que tem que ser feita alguma coisa para conter”, disse o ministro.
SONHO MEU – O próprio Jair Bolsonaro passou a última semana ameaçando acionar os militares para reprimir protestos que possam ocorrer no Brasil. Em sua carreira política, o presidente elogiou o AI-5 em pelo menos sete discursos registrados na Câmara. Agora, diz que quem fala sobre o assunto “está sonhando”.
Se não há golpe à vista, a naturalidade com que saídas autoritárias são tratadas mostram uma disposição do bolsonarismo em testar os limites das relações democráticas.
Governantes interessados em ampliar seus poderes costumam explorar crises para se livrar dos limites impostos pela lei. O mero risco de repetição dos protestos chilenos no Brasil é abordado apenas como pretexto para essas formulações.