Carlos Chagas
A cada dia que passa mais dá saudade do Itamar. No caso, o Franco, mesmo. Ao primeiro sinal de denúncia contra qualquer de seus auxiliares, o então presidente da República mandava que se exonerasse. Caso contrário, seria exonerado. Que fosse defender-se em tempo integral. Inocentado, voltaria com toda pompa e circunstância. Aconteceu até com seu braço direito, o chefe da Casa Civil, Henrique Hargreaves, que por sinal voltou com direito a tapete vermelho, depois de provar serem infundadas as acusações contra ele.
No governo Lula tem sido diferente. Não sai ninguém, e, quando sai algum bisssexto indigitado, é sempre fora de hora, atrasado e desgastado, depois de desgastar e atrasar o chefe. Assim aconteceu com os ministros José Dirceu e Antônio Palocci.
A conta dessa tolerância deve chegar a outros personagens, além do presidente Lula. O exemplo que precisaria vir de baixo também não vem. A leniência atinge os ministros, sem exceção. Até Dilma Rousseff, quando chefe da Casa Civil, abrigou sob as asas a principal auxiliar, Erenice Guerra, por sinal sua substituta, hoje. Não se tratava de reconhecer qualquer acusação, todo mundo é inocente até que se lhe prove a culpa. Mas afastar é preciso, para apurar em nome da ética.
Tome-se o caso mais recente, do Secretário Nacional de Justiça, Romeu Tuma Júnior, acusado de ligações perigosas com o chefe da máfia chinesa em São Paulo. Caberia ao ministro da Justiça, Luiz Paulo Barreto, tê-lo afastado, até mesmo sem consultar o presidente Lula. Comprovada sua inocência, ou mesmo a existência de práticas político-eleitorais, como ele diz, até banda de música seria convocada para os jardins do ministério. E pouco importa o fato de Barreto ser um ministro-tampão, aliás os espécimes mais encontrados na Esplanada dos Ministérios. Se aceitou assumir, presume-se ter sido para exercer as funções em tempo integral.
O resultado, vale repetir, é o desgaste. Para o presidente da República, para o governo, para o ministro da Justiça e, acima de tudo, para o próprio Romeu Tuma Júnior. Ficando as denúncias inconclusas e mantendo o secretário seu cargo, condena-se a daqui a alguns anos, quando entrar num salão, ouvir murmúrios do tipo “não é aquele que andou envolvido com um chinês contrabandista?”
Inversão de valores
Peculiar é o raciocínio do deputado Flávio Dino, do PCdoB, relator da minireforma eleitoral em vigência desde o ano passado. Para ele, os candidatos à presidência da República só podem fazer o que está permitido em lei. Tudo o mais é proibido.
Trata-se de uma inversão completa do Direito. Dilma Rousseff, até três meses antes das eleições, pode comparecer a quantas inaugurações quiser, com ou sem a presença do presidente Lula. A proibição atinge apenas o período imediatamente anterior ao dia da votação, por tratar-se da campanha eleitoral propriamente dita.
Valesse a argumentação do deputado pelo Amazonas e a candidata estaria proibida, depois das inaugurações, de entrar num restaurante e pedir uma pizza. Porque não está prevista em lei a sua alimentação…
A importância da retaguarda
De Minas surgem ponderações favoráveis à decisão de Aécio Neves candidatar-se ao Senado e não à vice-presidência, na chapa de José Serra. O essencial para o ex-governador seria eleger Antônio Anastásia como seu sucessor. As portas do futuro estariam fechadas para ele caso, eleito vice-presidente ou mesmo senador, encontrasse um adversário no palácio da Liberdade. Ficaria pendurado no pincel, sem escada. Assim, precisando dedicar-se a Minas em tempo integral, como poderia acompanhar Serra pelo país inteiro sem descuidar-se de sua base congênita? Ou seria um mau companheiro de chapa ou perderia a sustentação para vôos maiores, em 2014…
Pode até haver lógica no raciocínio, mas, no reverso da medalha, pesam outros argumentos. E se a vitória do candidato tucano depender prioritariamente da presença de Aécio como vice-presidente? Carregaria ele a responsabilidade da derrota?
Gaúchos e pernambucanos
No início dos anos cinquenta, quando candidatou-se a governador de Pernambuco, e surpreendentemente venceu a eleição, o general Cordeiro de Farias utilizou um slogan imbatível para conquistar a maioria dos votos: “Antes um gaúcho escolhido por pernambucanos do que um pernambucano escolhido por gaúchos”.
A referência era para seu adversário, João Cleofas, ministro da Agricultura de Getúlio Vargas, pernambucano tradicional.
Essa historinha se conta a propósito da sucessão presidencial. Apesar de mineira de nascimento, Dilma Rousseff apareceu na política através do Rio Grande do Sul. E o presidente Lula, apesar de tudo o que deve a São Paulo, é pernambucano. Sendo assim, vai uma sugestão para os marqueteiros da candidata: “uma gaúcha escolhida por um pernambucano pode ser votada por paulistas e mineiros…”
Fonte: Tribuna da Imprensa