São os novos radicais, uma herança de Bolsonaro
Por José Casado (foto)
Desde o Natal, em três semanas aconteceu o seguinte: tentaram explodir um caminhão de combustível no Aeroporto de Brasília e sabotaram doze torres de transmissão de energia nos estados de São Paulo, Paraná e Rondônia — quatro foram derrubadas. O explosivo no caminhão foi acionado, mas falhou. O sistema antiapagão na rede elétrica funcionou.
O nome disso é terrorismo, em qualquer idioma. No século passado, o Brasil conheceu duas formas de terror organizado. Uma emergiu dos porões do Estado, nas ditaduras de Getúlio Vargas e dos generais de 1964. Outra floresceu nos subterrâneos da política, entre ativistas que apostavam na luta armada como atalho para a tomada do poder. Nos dois casos pairavam influências externas.
Os fatos das últimas semanas sugerem um embrião de terrorismo doméstico em formato inédito. Até agora, mostra-se desorganizado e restrito a indivíduos, delinquentes primitivos na radicalização em massa, amparados pelo sentimento de impunidade que é impulsionado pela retórica de uma liderança de extrema direita, com base nacional e popular.
A sequência de atentados frustrados no Aeroporto de Brasília e no sistema elétrico nacional ocorreu em ambiente condimentado pela frustração com a derrota eleitoral de Jair Bolsonaro, em outubro.
Nas semanas seguintes, organizaram-se manifestações nas portas do quartéis em mais de uma centena de cidades. Agruparam-se aposentados de classe média, servidores públicos, ambulantes e até moradores de rua seduzidos pela oferta de viagem, acampamento e comida grátis. Seguiram um roteiro padronizado de incitação às Forças Armadas a um golpe de estado.
Por omissões calculadas e conivências oportunistas, autoridades civis e hierarcas de caserna guardaram silêncio eloquente e se esforçaram na proteção aos acantonados nas áreas de jurisdição militar.
Três semanas depois da eleição, ainda em novembro, o governo Bolsonaro estimulou um de seus líderes no Congresso a apresentar (PL nº 2858/22) garantias de anistia ampla, geral e irrestrita aos “manifestantes, caminhoneiros e empresários”.
Já na segunda-feira 12 de dezembro, dia da certificação da vitória de Lula, uma turba qualificada como “pacífica e ordeira” deixou o acampamento no Setor Militar Urbano e vandalizou o centro de Brasília, depois de tentar invadir a sede da Polícia Federal. Protestava contra a prisão de um ativista à saída do ritual diário de homenagem a Bolsonaro no Palácio da Alvorada.
Nos dez dias seguintes aconteceram três movimentos — quase simultâneos, aparentemente sem coordenação — para impelir a radicalização em massa. A meta era presentear Bolsonaro com novo mandato.
No Ministério da Justiça foi recebido o rascunho de um decreto presidencial para instituir “estado de defesa” na Justiça Eleitoral. Previa prisão de juízes e designação de uma junta militar para impor outro resultado na eleição presidencial: Bolsonaro derrotado seria declarado vencedor. O papel, evidência coletada pela polícia na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres, é tragicômica caricatura dos atos institucionais da ditadura militar. Essa “minuta do golpe” contém uma gama de crimes contra a Constituição, as noções elementares de direito e, sobretudo, ao idioma.
Enquanto isso, o vice-líder do governo na Câmara apresentava um aditivo (PL nº 2954/2022) ao projeto de anistia. Assegurava perdão às empresas “financiadoras” da mobilização bolsonarista.
Não muito longe do Congresso, numa tenda plantada diante do Quartel-General do Exército, um eletricista de Mato Grosso, um empresário do Pará e um jornalista do Ceará combinavam explodir o Aeroporto de Brasília e uma subestação de energia na madrugada do Natal. Na sequência, previam retornar ao acampamento para distribuir armamento comprado via internet e estocado num apartamento alugado — dinamite, fuzis, pistolas automáticas e munição. Preso, um deles confessou: o caos na capital foi planejado para provocar intervenção e impedir a posse de Lula.
Duas semanas depois, no domingo 8 de janeiro, ocorreu a invasão organizada, coordenada e financiada do Palácio do Planalto, Congresso e Supremo Tribunal Federal. Desde então, contam-se doze torres de energia sabotadas.
Um novo terrorismo doméstico está na praça, incitado pela retórica fundamentalista contra um Brasil liberal, que alguns traduzem como “esquerdista”.
Revista Veja