Erro comum nas democracias é considerar que a legitimidade para governar decorre exclusivamente do resultado das urnas. Essa concepção tem em seu âmago a noção de que apenas o que é legal é legítimo.
Por Paulo Paiva (foto)
Erro comum nas democracias é considerar que a legitimidade para governar decorre exclusivamente do resultado das urnas. Essa concepção tem em seu âmago a noção de que apenas o que é legal é legítimo. Não é assim. Uma coisa é vencer outra, muito diferente é governar, como argumentou recentemente Roberto Brant (“A distância entre vencer e governar”).
Desta forma, destaco que, de um lado, está a legitimidade político-institucional derivada do resultado das eleições e garantida pelas leis que autorizam o eleito a exercer suas funções, dentro dos limites constitucionais, e, de outro lado, está a legitimidade político-social que resulta da confiança e respeito da sociedade nas atitudes e ações do governante e de seu governo.
No caso do presidente Lula, a legitimidade político-institucional é inconteste e reações para desconhecê-la devem ser punidas conforme estabelece a legislação. O principal desafio para o governo Lula será conquistar a legitimidade político-social em uma sociedade diversa e dividida politicamente. Precisa-se de ações concretas, não apenas de discursos, visando não à cooptar os adversários, mas a desarmar os espíritos de parte considerável dos segmentos da sociedade que não confiam no PT ou que discordam de muitas de suas políticas. O lavajatismo, os evangélicos, o agronegócios e os militares são casos exemplares.
Lavajatismo
Seu passado lhe condena. A principal chaga do governo Lula é seu passivo de corrupção. A soltura de Lula não significou sua absolvição na Justiça, tampouco sua eleição significou sua absolvição pela sociedade. O PT não tem a confiança da maioria dos eleitores.
Evangélicos
As esquerdas e a igreja católica não conseguiram dialogar com uma vasta proporção da população, residente nas periferias urbanas, com baixa escolaridade e baixa renda familiar, que é acolhida pelas igrejas evangélicas, como observou Juliano Spier (Povo de Deus).
Agronegócios
A questão central da resistência dos segmentos do agronegócios ao PT não está nas restrições ao desmatamento ou à preservação da Amazônia, mas na garantia ao respeito à propriedade da terra, ameaçada pelas invasões do MST e congêneres ou pelas demarcações de terras indígenas.
Militares
Aqui a questão é mais complexa, como analisa Fabio Victor (Poder Camuflado), pois tem raízes em conflitos históricos. Dois temas interdependentes dificultam a relação entre o poder civil e o poder militar: a tutela militar sobre o poder civil e o processo de anistia com suas feridas ainda abertas.
Não são questões fáceis. Lula precisa tratá-las sem preconceitos, com dialogo e boa fé de quem deseja, realmente, governar para todos os brasís. Com a falsa ideia de que existe apenas um Brasil, fiel à hegemonia petista, Lula jamais encontrará a paz e a confiança necessárias para restabelecer a legitimidade político-social de seu governo.
O Tempo