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sexta-feira, outubro 28, 2022

Vale tudo: candidato com sequelas de derrame x médico da televisão.




É triste ver o democrata que disputa o Senado pela Pensilvânia mostrar dificuldades de fala e garantir que está plenamente apto para o cargo. 

Por Vilma Gryzinski

Nada consegue competir com as eleições brasileiras, mas a campanha nos Estados Unidos também tem seus casos estranhos. Um dos maiores envolve a disputa entre o democrata John Fetterman, um gigante tatuado que defende a liberação da maconha, e o republicano Mehmet Oz, que ganhou fama como “o médico de Oprah”, por suas apresentações no extinto programa da apresentadora.

Fetterman, que é casado com a brasileira Gisele Barreto, sofreu um derrame em maio e ficou com sequelas de audição e de fala, que procura superar usando um programa de computador que replica numa tela o que o interlocutor fala. Mas suas dificuldades ficaram dolorosamente evidentes no debate que fez com o adversário na terça-feira.

Sua assessoria vinha conseguindo bloquear questões a respeito, inclusive invocando o “capacitismo”, nome do reprovável preconceito por condição física. Mas o debate indicou que ele luta para se expressar, o que é obviamente um obstáculo para um candidato a senador, um posto que exige capacidade para processar dados, entender legislações complexas e se comunicar na tribuna – ou, mais realisticamente, em entrevistas de TV.

Esta é justamente a especialidade do Doutor Oz, como seu adversário de ascendência turca ficou conhecido na época do programa de Oprah Winfrey. Oz é milionário e novato na política. Mesmo assim, é difícil demolir um candidato acostumado com as câmeras. Nas tentativas feitas até agora, já desenterraram vários episódios em que ele fala bem realisticamente sobre um tema recorrente, o funcionamento intestinal.

Também o acusam de crueldade no tratamento de cães de laboratório na época em que foi pesquisador num instituto médico de Columbia. Ou de elitismo por causa de um vídeo feito para apontar a alta nos preços de produtos alimentícios, no qual mostrou os legumes que sua mulher havia encomendado para fazer crudités – a pernóstica palavra em francês para os palitinhos de cenoura e assemelhados que certamente não consta do vocabulário das massas.

Perder a eleição por causa de palitinhos de legumes? Vale tudo no momento, embora Oz, que é cirurgião cardíaco, tenha que tomar cuidado para não parecer tirar vantagem justamente de uma pessoa afetada por um coágulo decorrente da condição chamada fibrilação atrial.

À mediadora que perguntou se estava apto a servir no Senado, o candidato democrata, que é vice-governador da Pensilvânia, tropeçou nas palavras e acabou respondendo que estava pronto para “ser servido”. Quem sofre ao ver participantes de debates tropeçar nas palavras ou no raciocínio não deve ver esse episódio.

Para aumentar a aflição, a diferença entre os dois candidatos agora oscila entre 1% e 2%.

A eleição do próximo dia 8 envolve 35 das 100 cadeiras no Senado e todos os 435 lugares na Câmara dos Representantes. E, obviamente, o futuro dos planos do governo de Joe Biden. Sem maioria no Congresso, o presidente faz muito pouco, como no Brasil.

A aprovação ao presidente também conta. Tradicionalmente, as eleições dessa época são uma espécie de plebiscito: se o presidente vai bem, seu partido melhora no Congresso; se não, leva “uma sova”, como reconheceu Barack Obama quando isso aconteceu com ele.

Biden corre o risco de apanhar também. Na média, 58% dos americanos desaprovam a condução econômica; 53%, a política externa; 60%, a questão da imigração; 62%, o combate à inflação.

As dificuldades de fala de John Fetterman evocam em algumas circunstâncias os tropeços de Joe Biden. No mais recente dele, o presidente se mostrou desorientado depois de um pequeno ato no jardim da Casa Branca. Tomou exatamente o lado contrário que deveria seguir e foi gentilmente corrigido pelos seguranças. Antes, tinha chamado o novo primeiro-ministro britânico, Rishi Sunak, de Rashid Sanuk.

O momento não está para otimismo. A eleição vem precedida pela tensão pré-FED, que decide na próxima semana se aumenta a taxa de juros em 0,75%, o que “custaria 1,5 milhão de empregos aos americanos”, segundo escreveu na Fox o empresário e dono de um instituto de pesquisas Mark Penn.

A “quimioterapia econômica” envolve optar por dizimar empregos ou salvar a aposentadoria futura de milhões de americanos.

“Ninguém mais está falando em Teoria Monetária Moderna, segundo a qual déficits estratosféricos eram sustentáveis”, disse Penn.

A campanha eleitoral reflete isso? Apontar a malignidade da inflação é um trunfo dos candidatos republicanos e defender o governo é o ônus dos democratas.

Uma tarefa dura mesmo para quem não tem as dificuldades de um candidato como John Fetterman, que deve ser, obviamente, respeitado, inclusive pelos que apoiaram a manutenção de sua candidatura.

Revista Veja

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