Caso levanta debate sobre estratégia ideal para fazer reforma
Por Fernando Exman (foto)
Autoridades do governo federal acreditam que está aberta uma segunda frente na disputa de forças com o Poder Judiciário. Agora, somando-se aos embates no campo político, estaria ocorrendo uma batalha econômica.
Elas se referem às recentes decisões tomadas, no Supremo Tribunal Federal (STF), sobre a cobrança de ICMS e IPI.
É um ponto de vista. E ele está longe de ser unânime. Entre ministros do Supremo, a avaliação é que foi necessário agir em defesa dos princípios federativos, uma vez que o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços é fonte importante de receitas dos entes subnacionais, e na proteção dos dispositivos constitucionais que tratam da Zona Franca de Manaus.
Em relação às questões criminais e eleitorais existentes entre o Executivo e o Judiciário, front aberto há mais tempo devido aos ataques do presidente Jair Bolsonaro e seus apoiadores a ministros do STF e às urnas eletrônicas, o enredo já é conhecido. Mas existe a possibilidade de haver desdobramentos importantes nestes campos nos próximos dias.
O ministro Alexandre de Moraes, do STF, encaminhou para o plenário virtual do tribunal uma série de recursos para a análise dos demais integrantes da Corte. Um deles foi apresentado no inquérito que apura o vazamento de dados sigilosos, por Bolsonaro, de uma investigação sobre um ataque hacker ao sistema do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) durante o pleito de 2018.
Além disso, estarão em pauta dez agravos apresentados no inquérito das “fake news”, o qual tramita sob sigilo. Foram liberados, ainda, recursos relativos ao caso em que o chefe do Poder Executivo é investigado por divulgar notícias falsas a respeito das vacinas contra covid-19. Este inquérito foi instaurado por Moraes, a pedido da CPI da Covid, depois que o presidente falou que a imunização poderia elevar a chance de contrair o vírus do HIV.
Será um período sensível. Os recursos terão que ser analisados entre os dias 12 e 19 de agosto. Neste ínterim, no dia 16, Alexandre de Moraes tomará posse na presidência do TSE. Ele é um dos principais alvos dos ataques bolsonaristas, ao lado dos ministros Edson Fachin e Luís Roberto Barroso.
Porém, enquanto aguarda para ver como será a conduta de Moraes à frente do processo eleitoral, o governo se mobiliza para tentar reverter algumas decisões recentes tomadas no Supremo na seara tributária.
O primeiro exemplo citado é um esforço para manter a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados, medida considerada estratégica para promover a reindustrialização do país. Uma iniciativa nesse sentido foi tomada no começo do ano, quando ocorreu uma diminuição linear de 25% no IPI. Na sequência, houve um corte adicional de 10%.
Foi quando o ministro Alexandre de Moraes proibiu essa redução. O IPI zero na Zona Franca de Manaus é o principal atrativo do polo, ou seja, um imposto menor em outras áreas reduz a competitividade do local. Mas a intenção das autoridades federais é dar um impulso a segmentos da indústria como um todo, aquecer a atividade econômica, promover a geração de empregos e, claro, combater a inflação. A redução da carga tributária já é uma bandeira da campanha de Bolsonaro.
Não houve acordo. Diante do impasse, no fim do mês passado novo decreto foi publicado, numa tentativa de viabilizar a redução de 35% no IPI da maioria dos produtos fabricados no Brasil e, ao mesmo tempo, cumprir a decisão judicial. Por meio dele, cancelou-se o corte de impostos de alguns produtos para incluir quase tudo que é produzido na Zona Franca de Manaus. Agora, será preciso ver se Moraes irá considerar cumprida a sua ordem. O Executivo aguarda.
O outro exemplo citado por interlocutores de Bolsonaro é o embate entre o governo federal e Estados em relação à compensação pela redução, para 17% a 18%, da cobrança do ICMS que incide sobre combustíveis e outros produtos que foram considerados essenciais, como energia, telecomunicações e transporte coletivo. Ministros do Supremo, como o próprio Moraes, têm atendido governos estaduais que pedem compensações financeiras após as mudanças na cobrança do imposto. A nova regra foi aprovada pelo Congresso, numa articulação da base governista para impulsionar a candidatura de Bolsonaro à reeleição. E os governadores alcançados pelas decisões liminares - de Maranhão, São Paulo, Piauí e Alagoas - não darão palanque ao presidente nas eleições.
Neste contexto, quem proveu o governo com uma notícia positiva foi o ministro Gilmar Mendes. Antes de perder disputa na indicação de um integrante para o Superior Tribunal de Justiça (STJ), ele criou uma comissão especial para buscar uma conciliação entre as partes em relação ao ICMS, com prazo para conclusão dos trabalhos até 4 de novembro. Ou seja, depois das eleições.
Argumenta-se, no entorno de Bolsonaro, que essas decisões estariam prejudicando os esforços do governo federal para realizar, silenciosamente e a um passo de cada vez, uma reforma tributária. Alguns especialistas no tema podem discordar, mas é inegável que nesta legislatura ficou de novo evidente a complexidade de aprovar uma reforma tributária ampla no Congresso Nacional.
Com o início da campanha eleitoral, será possível comparar as propostas de cada candidato na área. E a oposição pode até discordar do mérito das medidas adotadas pela atual administração, mas, pelo jeito, não parece ser refratária à estratégia adotada.
Recentemente, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou que as discussões sobre uma reforma tributária são “complexas” e defendeu a possibilidade de realizar mudanças no sistema de forma pontual. “Eu não sei se a gente tem que continuar falando em reforma tributária, que é uma coisa muito complexa. Quem sabe a gente pega os pontos cruciais e, ponto por ponto, a gente consiga fazer com que aconteça no Brasil um modelo de tributação que a gente possa satisfazer a todas as pessoas”, destacou, durante evento da Confederação Nacional do Transporte (CNT). O Supremo desempenhará papel fundamental no desfecho desse debate.
Valor Econômico