Judiciário tem combatido risco de ruptura institucional, mas precisa agir com transparência
Por Vera Magalhães (foto)
Quando o então presidente do Supremo Tribunal Federal Dias Toffoli abriu o inquérito das fake news, em 2019, e entregou, sem sorteio, a relatoria a Alexandre de Moraes, a então procuradora-geral da República, Raquel Dodge, oficiou a Corte pedindo seu arquivamento, por solapar atribuição do Ministério Público Federal.
Citada por Jair Bolsonaro no Jornal Nacional para justificar seus ataques a Moraes e o que considera perseguição do ministro contra si, a ex-PGR era entrevistada do Roda Viva horas depois e disse, em resposta, que reviu sua posição. Para ela, a palavra final nesses temas tem, sim, de ser do Supremo Tribunal Federal (STF). E as instituições, avalia, estão vivendo um processo de ressignificação de seu papel para atuar na nova demanda que existe de defesa do Estado Democrático de Direito.
Essa reacomodação de papéis tem gerado alguns dos grandes solavancos institucionais que temos visto com maior intensidade no governo Jair Bolsonaro, dada sua insistência em negar princípios elementares da democracia, mas já se faz sentir desde ao menos o auge da Lava-Jato.
Não se sabe em detalhes o que motivou Moraes a determinar a operação de busca e apreensão contra oito empresários bolsonaristas flagrados pelo jornalista Guilherme Amado defendendo a preferência por um golpe de Estado a um novo governo do PT. Colegas próximos ao ministro do STF e presidente do TSE afirmam que ele não se baseou apenas numa conversa jogada fora no WhatsApp.
O financiamento é o ponto-chave de inquéritos como o das fake news e o das milícias digitais, em que a operação desta terça-feira está inserida. Também é fundamental para desbaratar novos atos como o do 7 de Setembro de 2021, no momento em que a efeméride se aproxima cercada de incitações do presidente a que seus apoiadores voltem às ruas.
Empresários não deveriam defender golpe de Estado nem à toa no WhatsApp, mas, caso decidam ir além e custear atos golpistas, estão cometendo crimes. É preciso investigar e agir preventivamente, defendem os “alexandristas”.
Não é menos enfática a ala dos que veem arbítrio do ministro em várias medidas e na forma como coloca seu bloco na rua, neste caso, de novo, à revelia do MPF. Tanto poder dado a alguém, ainda que sob a justificativa meritória de conter uma escalada autoritária, pode resultar noutro tipo de autoritarismo e se tornar difícil de retirar depois, argumentam juristas sem inclinação bolsonarista.
“O aperfeiçoamento das instituições democráticas é parte de um processo de erros e acertos, de aderência com a posição majoritária da sociedade civil”, disse Dodge nesta segunda, ao justificar medidas como o inquérito das fake news. A ameaça permanente de Bolsonaro à democracia — reiterada no JN quando prometeu aceitar uma eventual derrota caso haja eleições “limpas e transparentes” segundo seus critérios particulares — levou essa posição majoritária da sociedade e do establishment a endossar a postura dura de Moraes. Isso ficou evidente no apoio maiúsculo que ele angariou em seu eloquente discurso de posse.
Combater o risco de ruptura institucional é dever do Judiciário, que tem feito isso quase sozinho, diga-se. Esse combate, no entanto, não dá aos seus integrantes poderes excepcionais, à revelia da Constituição. É bem recente, aliás, a revisão que o próprio STF fez em decisões da Lava-Jato sob a justificativa de que limites foram extrapolados pelos procuradores e pelo ex-juiz Sergio Moro.
Que se aprimorem os mecanismos necessários a conter autocratas em formação e seus apoiadores dispostos a financiar o arbítrio em nome de sua ideologia e de seus interesses. Mas que se faça isso com clareza e transparência.
O Globo