Por Carlos Andreazza (foto)
Paulo Guedes não chega fortalecido à reta final do governo Bolsonaro por haver imposto suas ideias — na hipótese de que as palestras motivacionais contivessem algo de programa econômico. Nem no mercado o levam a sério. Guedes vai ora forte porque, na hipótese de que houvesse alguma resistência sua à entrega do Orçamento para Ciro Nogueira e Lira Boys, aderiu absolutamente — ou melhor, sem mais fingimento — ao projeto gastador pela reeleição do chefe.
Veja-se a Petrobras. O que se faz ali expressa esse movimento. Bolsonaro não está preocupado com a maneira como a empresa forma preço. Quer que o preço não suba até a eleição. Quer um jeito. Jeitinho. Ponto. E então ascende Guedes, de súbito prestigiado. Clara Nunes cantaria que, para subir, o ministro desceu. Desceu mais. Guedes como agente interventor numa companhia de capital aberto. Suas crias liberais vêm para segurar o preço dos combustíveis. Não mexerão no estatuto da petroleira nem no PPI. A mão grande pesa na figura de um puxadinho.
Enrolar, ganhar tempo; explorando até, esticando ao máximo, o prazo para formalização do novo presidente da Petrobras. Quarenta e cinco, talvez 60 dias. Tudo paralisado, Conselho atual deslegitimado, diretoria pendurada. Nada ocorre. Não se bole em preço. E depois, posto o Caio da vez, empurrar: represar preço — mais 100, 120 dias — para que a correção só bata nas bombas, aí como enchente, depois das eleições. Essa é a ideia.
A isso se presta Guedes, braço de Bolsonaro num processo que reproduz, na Petrobras, o mesmo a que fora submetido o Ministério da Saúde no auge da pandemia. Trocas e trocas, de luna em luna, até que a superfície — ministério ou petroleira — converta-se em Bolsonaro, caio vindo, caio caindo. Trocas e trocas e trocas até que se normalize o presidente da República derrubar, num intervalo de 40 dias, o CEO de empresa listada em Bolsa. O quarto CEO da Petrobras em três anos e cinco meses, quebras que minam a resistência de qualquer governança, a companhia enfraquecida para ser politicamente manipulada até a eleição.
A pazuellização da vida pública avança. Bolsonarista desde sempre, Guedes enfim explícito como um Queiroga.
Veja-se o caso dos reajustes salariais ao funcionalismo. Bloqueio ao Orçamento para além de R$ 12 bilhões — é o que se projeta, a própria confirmação do Orçamento de Fantasia. De fantasia, mas concebido para a preservação de interesses bem reais. Se esse bloqueio tocar em algo do orçamento secreto, será surpresa — e será marginalmente, se tocar. A sociedade entre o governo militar de Bolsonaro com o consórcio Ciro Nogueira/Arthur Lira/Valdemar Costa Neto, parceria avalizada por Guedes, cortará dinheiros sobretudo da Saúde e da Educação.
Não há muita diferença entre Guedes e Lira, senão que Lira faz. Guedes gosta. Incapaz de articular uma reforma tributária de natureza estrutural, embarca na gambiarra. Em sociedade, destelharam o teto de gastos; e agora se articulam — um só botando a cara — pelo teto ao ICMS, um dos impactos a ser sentidos sobre a capacidade de investimentos, por estados e municípios, em políticas sociais. Outro dos impactos: sobre a energia elétrica. Está cara. Querem reduzir o custo para o consumidor. Né? Custo que o Parlamento aumentou, distribuindo subsídios ao setor e aprovando leis onerosas — e que o governo, para que Guedes tenha alguma privatização para apregoar, deixará aumentar ainda mais com a capitalização da Eletrobras, infiltrada de gases, dutos e outros contrabandos.
O teto ao ICMS baixará o preço do combustível na ponta? Diria que não; e certamente não de modo sustentável. Mas o que dá sustentabilidade ao preço do diesel na bomba? O que é decisivo a que o preço do litro de gasolina supere os R$ 5? Falemos sobre câmbio, já que o barril de petróleo é negociado em dólar. Falemos sobre real desvalorizado. Isso foi política de governo. Citemos Guedes, em novembro de 2021:
— Não tem problema [o dólar estar ‘lá em cima’]. Quem entrar agora [para investir no Brasil] tem uma margem adicional de ganho.
Que tal? Quem entra agora no posto tem uma margem adicional de prejuízo. Política de governo. Política setorial, né?
Volto ao reajuste aos servidores. Guedes e time se jactam de o haver congelado por três anos e meio. Verdade. Outra verdade: calcularam — por meio da PEC Emergencial, aquela cujo rigor fiscal virá em 2025 — para soltá-lo com tudo, arregaçá-lo mesmo, neste ano eleitoral, e com a característica do corporativismo. Fala-se em 5% em linha, para todos, mas será surpresa se Bolsonaro não aplicar a distinção prometida à PRF.
Paulo Guedes chega forte ao fim do governo — à campanha eleitoral — porque faz, com paixão, o mesmo que qualquer Sachsida, qualquer Mantega, faria.
O Globo